terça-feira, 23 de outubro de 2018

Há de fazer-me bem...


Talvez, pela rigidez das minhas atitudes, eu tentasse recusar uma gratidão que pensasse não merecer de todo. Bobagem: se a Terra merecesse ser abandonada, se a pequena elite de iniciados que talvez se resuma apenas à mim estivesse sendo impelida rumo à Lua, não seria por causa daqueles que se lhe parecem obedientes, e eu teria dito de imediato a Verdade. Em vez disso, disse apenas:
------- Grato. Grato. Os senhores são de fato gentlemans. Ficarei em contato com vocês. Há de fazer-me bem.
Para mim tudo se resumia à alfândega e o bar. Mas na Rússia, Stalin queria destruir o mundo literário. A situação na Rússia, agora, parecia-se com a nossa ------ independente de qualquer coisa, e a despeito de terem tudo contra eles, poetas emergiam do nada. De onde veio aquele Maiakovski, e aquele Walt Whitman (ninguém o sabia) e onde obtiveram o que possuíam ? Não, ninguém o sabia. No entanto, Maiakovski e Whitman continuavam por lá, irrepreensíveis, indivíduos que possuíam e que realizavam. Durante o período de indagações, fiz de tudo para que não vissem o meu pequeno chalé como parte de uma tremenda tramóia. Pela primeira vez em meses, procurei orientar-me no mundo externo à procura de cifras e presságios curiosos. Mas a vida daquele verão americano seguia transformando-se num outono : talvez o excesso de observadores estivesse transformando o churrasco em moluscos gelados. Eu me sentia muito infantil ainda, pois muitas e mais largas formas de inscrições tinham ficado apagadas durante as escavações, e eram como palha, ou teias de aranha, ou manchas, ou formigas, ou pardais que tinham que ser interpretados. Havia símbolos antigos espalhados por toda parte, vinham acompanhados de mensagens telepáticas metafísicas. A maioria delas podia ser ignorada, mas foram justamente elas, que não representavam nada, que captaram por algum motivo oculto a a atenção dos observadores. ------ Eloquentes ----- diziam eles ------ mas a respeito de quê (?) ----, ninguém o sabia.
No intervalo havia a desculpa da loucura.Toda uma nação, talvez a totalidade da sociedade civilizada, estava à procura do estado sem culpa da loucura, o privilegiado, o quase aristocrático estado de loucura.
Poder-se-ia condensar isso tudo em duas ou três frases?
SIM: eis uma das minhas últimas tentativas:
''Em algum lugar ele duvidava da capacidade daqueles judeus para o primitivismo erótico romano vodu''.
Post Scriptum
Não é nenhuma novidade que os grandes escritores têm fama de suscetíveis, e que por motivos nem sempre importantes se envolvem em polêmicas intermináveis, mandam cartas abertas, declaram amor à mulher alheia, apontam o dedo, levantam a voz, etc, e em outros tempos até se batiam em duelo. Não sei quem, séculos atrás, qualificou-os de ''genus irritable'', ou ''genus irascible'', distinguindo-os de outros genus menos melindrosos, se bem que afinal a coisa ainda está por ver-se já que os pintores, os músicos e os advogados também tendem a acertar contas entre si de maneira extremamente vivaz e às vezes desaforada.
Por meu lado nunca acreditei que as polêmicas adiantem muito, embora não me reste mais remédio senão entrar nelas quando as razões vão além da mera suscetibilidade. Tal é a nossa (dos escritores de gênio) má fama nesse terreno que basta uma simples retificação ou um intercâmbio de opiniões divergentes para que os ecos jornalísticos enciumados logo falem de polêmica e, o que é pior, façam todo o possível para jogar lenha na fogueira e fazer um incêndio com o que não passava de um foguinho insignificante e descartável.
Anos atrás tive uma troca de opiniões nesse sentido; falou-se de polêmica e perigo quando na verdade se tratava apenas da mais indulgente e desinteressada tentativa de diálogo à distância, coisa muito diferente de uma polêmica sensacionalista já que essa é quase sempre agressiva como bem indica a própria raiz do termo ''polêmica''. Essas experiências me deixaram uma lembrança amarga, não por elas em si mas pela tendência geral dos colegas e leitoras a considerá-las como lutas de doze rounds ou duelos com o sabre na mão. É por isso que mais de uma vez preferi deixar passar diversos comentários insidiosos, provocações, calúnias e tergiversações, entendendo que eram produtos do ressentimento alheio ou do antagonismo social, espiritual ou ideológico, e que todas essas intrigas acabariam se afogando em seu próprio atoleiro como aconteceu em todos os casos parecidos

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