segunda-feira, 15 de abril de 2019

Global Shadow Banking System



http://www.scielo.br/pdf/rep/v29n3/a17v29n3.pdf

Chama a atenção o fato de que os casos mais agudos de fragilidade financeira registrados na crise de 2008 envolveram instituições financeiras que não tinham, pela norma existente antes de sua eclosão, acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações de redesconto das autoridades monetárias. Essa característica é própria daquilo que vem sendo denominado de global shadow banking system. Esse termo foi empregado, pela primeira vez por Paul McCulley (2007), diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a Pimco. Note-se que, entre as medidas adotadas pelo Fed e por outros bancos centrais, encontra-se a abertura do acesso às operações de redesconto – com a aceitação de títulos lastreados em crédito hipotecário e outros – a essas diversas instituições que não podiam utilizá-las como os bancos de investimentos e as GSE. Entretanto, essas medidas revelaram-se insuficientes para conter o “desmanche” do global shadow banking system, pois, buscando sobreviver, venderam avidamente os ativos para os quais ainda existia mercado, provocando acentuada desvalorização de seus preços.

Esse sistema se desenvolveu ao longo das últimas décadas tendo como pano de fundo as complexas relações que se estabeleceram entre instituições financeiras nos opacos mercados de balcão. Desde o final da década de 1980, esses mercados têm sido amplamente utilizados para a negociação de derivativos financeiros, por meio dos quais as instituições financeiras tanto podiam buscar cobertura de seus riscos de câmbio, de juros e de preços de mercado de outros ativos como especular sobre a tendência desses preços ou efetuar operações de arbitragem.

Enquantose restringiam às negociações desses ativos, as relações entre o sistema bancário propriamente dito e as instituições integrantes do global shadow banking system resumiam-se aos créditos que o primeiro concedia ao segundo e ao fato que era frequente a realização de operações entre ambos.

Mas, quando estes mercados de balcão passaram a negociar derivativos de crédito e títulos oriundos da securitização dos créditos concedidos pelos bancos comerciais, combinados com algum tipo de derivativos que recebem o nome genérico de “produtos estruturados”, o sistema bancário e o global shadow banking system se interpenetraram de modo quase inextrincável. Os bancos buscaram diversas formas de retirar os riscos de seus balanços com o objetivo de alavancar suas
operações sem ter de reservar os coeficientes de capital requeridos pelos acordos de Basileia (Cintra & Prates, 2008, e Freitas, 2008). Fizeram isso de diversas formas: adquirindo proteção contra os riscos de crédito nos mercados de derivativos, securitizando créditos com rendimento atrelado aos reembolsos devidos pelos tomadores de empréstimos e criando diversos veículos especiais de investimento (Special Investments Vehicles ou SIV), conduits ou SIV-lites10. Mas, somente puderam transferir esses riscos porque outros agentes se dispuseram a assumir a contraparte dessas operações, ou seja, assumir riscos contra um retorno que, à época, parecia elevado.

As outras instituições financeiras, que não estavam sujeitas às normas prudenciais dos Acordos de Basileia, passaram a ter um acesso considerado altamente remunerador às operações de crédito. Bastava captar recursos no mercado de títulos de curto prazo e adquirir os títulos de longo prazo securitizados com lastro em créditos emitidos pelos bancos e/ou vender a estes proteção contra os riscos de crédito para reproduzir “sinteticamente” uma operação de crédito. Dessa forma,
os mercados de balcão passaram a constituir o palco de negociação tanto de ativos como de passivos das instituições financeiras. Enquanto tal, eles se transformaram em fonte de funding e de investimentos para as instituições financeiras que deles participavam.
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Existe uma grande variedade de participantes do global shadow banking system. Os principais são os bancos de investimentos, seguidos pelos hedge funds, pelos fundos de investimentos, pelas seguradoras, pelos fundos de pensão e pelas GSE. Os bancos de investimento multiplicaram os hedge funds sob sua administração, abrindo espaço em suas carteiras para produtos e ativos de maior risco e montaram estruturas altamente alavancadas. Os bancos universais também passaram a patrocinar hedge funds, fornecendo-lhe crédito para suas operações (inclusive compra de “produtos estruturados”) bem como emulando suas estratégias de negócios. Como afirma Blackburn (2008, p. 90): “os bancos de Wall Street não somente patrocinam hedge funds, mas cada vez mais passam a se parecer com eles à medida que usam sua posição de intermediários primários (prime brokers) para alavancar suas apostas e buscar arbitragens”
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Como afirma Belluzzo (2008): “em um ambiente de estabilidade e de rendimentos em queda, a busca de ganhos mais alentados levou aos píncaros as relações entre o valor dos ativos carregados nas carteiras e o capital próprio das instituições. Equações e letras gregas são mera retórica pseudocientífica para justificar as trapalhadas financeiras. (...) Quando esses agentes são surpreendidos por movimentos bruscos e não antecipados de preços, as perdas estimadas obrigam à liquidação de posições para a cobertura de margem, ampliando desmesuradamente o risco de mercado e o risco de liquidez”

De olho na Casa Branca, democratas desafiam Wall Street



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CEOs dos bancos mais importantes dos EUA testemunham no Congresso, em Washington, em 10 de abril - AFP/Arquivos
AFP
Em campanha eleitoral e no Congresso dos Estados Unidos, os democratas desafiam constantemente os gigantes de Wall Street, proclamando a chegada de uma “nova era”, na esperança de canalizar a irritação de seu partido e de alguns de seus eleitores, um sentimento que aumentou desde a crise de 2008.
Na quarta-feira, os CEOs dos maiores bancos dos Estados Unidos foram convocados, pela primeira vez desde a crise financeira, para comparecer ao Congresso e testemunhar sob juramento.
Foi uma imagem poderosa que destacou a recente mudança no controle da Câmara de Representantes, que ficou sob controle democrata em janeiro, depois de oito anos de comando republicano.
“Esta é a nova forma. É uma nova era”, disse Maxine Waters, a primeira mulher e a primeira afro-americana a presidir o Comitê de Serviços Financeiros.
Tim Sloan, ex-CEO do Wells Fargo, testemunhou em uma audiência em março. Agora, foi a vez dos executivos do Citigroup, JP Morgan Chase & Co, Morgan Stanley, Bank of America, State Street Corporation, BNY Mellon e Goldman Sachs.
Waters entrou em contato com alguns deles no pior momento da crise, quando o sistema financeiro sofria graves problemas.
Essa rodada de interrogatórios tem menos a ver com a estabilização do sistema e mais com o impacto social de Wall Street.
“Vocês, capitães do universo, são suficientemente inteligentes e criativos e entendem este negócio tanto para ver o que podem fazer com esses cidadãos, esta gente jovem”, disse Waters.
Alguns dos democratas do comitê se concentraram em destacar a enorme distância entre esses executivos – todos homens, brancos e incrivelmente ricos – e o restante da sociedade. Para os republicanos, trata-se de um movimento apenas em busca das manchetes nos jornais.
Em uma discussão, Nydia Velázquez, uma democrata de Nova York, pressionou o presidente-executivo do Citigroup, Michael Corbat, para justificar seu pagamento em 2018 de 24,2 milhões de dólares, aproximadamente 486 vezes mais do que o do funcionário médio.
Corbat disse que esse valor foi estabelecido pela diretoria e que, se fosse um empregado médio que visse essa enorme diferença, “teria esperança, diante da oportunidade de continuar avançando”.
“Esta é a razão, pela qual as pessoas que vivem em uma bolha e em uma torre de marfim não podem entender a raiva, especialmente entre os millenials”, rebateu Velásquez.
– Contra-ataque
É esta onda de insatisfação, apesar dos números de crescimento e de emprego, que os democratas esperam aproveitar não apenas para manter sua maioria na Câmara, em 2020, como também para recuperar o Senado e a Casa Branca.
Wall Street e seus altos executivos já são uma parte-chave das campanhas presidenciais de vários pré-candidatos na disputa pela indicação democrata, liderada, até o momento, pelos “ultraprogressistas” Bernie Sanders e Elizabeth Warren.
“Nossa campanha é sobre assumir os poderosos interesses especiais que dominam nossa vida econômica e política”, prometeu Sanders.
Em outubro passado, o senador independente por Vermont – que apoia os democratas – introduziu um projeto para dividir os maiores bancos do país em unidades menores.
Há dez anos, Warren esteve profundamente envolvida no resgate e nas reformas ocorridas depois da crise financeira, o que fez da regulação de Wall Street seu principal tema de trabalho.
Warren já redigiu propostas detalhadas para desmantelar gigantes tecnológicos, aumentar os impostos para grandes empresas e reforçar as regulações financeiras.
A progressista é uma voz potente nesses assuntos no Senado, onde seu partido continua sendo minoria. Ela celebra a postura ofensiva de seus colegas.
“Os republicanos têm tentado, tão duro quanto podem, reduzir a supervisão dos maiores bancos, e os democratas agora estão lutando”, disse Warren à AFP.
“Os bancos ‘muito grandes para quebrar’ são maiores do que nunca. Têm formas de esconder os riscos em seus balanços, e pelo menos alguns deles foram pegos enganando repetidamente seus próprios clientes”, acrescentou.
“Foi assim que nos metemos em uma grande confusão em 2008, que quase destruiu a economia mundial, e é por isso que deveriam estar mais bem regulados hoje”, frisou.

sábado, 6 de abril de 2019

Jogo tautológico da dialética: o sentido como escolha


O problema não é a tautologia ou a dialética, pois esses são modos do jogo; o problema é a perfeição do sentido que tal jogo tem para nós, pois dificilmente conseguimos, ou melhor, queremos, variar as regras. Jogamos o jogo da duração, e fazemos do mundo um palco onde possamos encenar nosso compromisso. Palco da vida no qual jogamos o jogo do duplo e inventamos pares que se remetem mutuamente: empírico e transcendental, essência e aparência, qualidades primeiras e qualidades segundas, fatos e valores, natureza universal e cultura relativa, inato e ação humana, semelhança e diferença; .dicotomia universal do osso e da carne. (Duvignaud 1979:80), elementos do nosso pensamento, realidade atualizada pela ação vesga dos atores, membros comprometidos com um modo de descrição: a representação, o modo da dobra, a .fonte principal de infecção. (Latour 2004:78). Como vimos no capítulo anterior, os limites, as positividades, as fronteiras, atualizam a dobra do espaço no tempo ou do tempo no espaço . atualizam o tempo e o espaço como dobra, intervalo. Assim, é possível o .quadro. que permite ao pensamento .ordenar. as similitudes e as diferenças, permite à linguagem se entrecruzar com o espaço e fundar o .lugar. onde o contínuo do tempo pode vir a repousar, a durar (Foucault 1999: XII). Lugar como .tábua de trabalho. (Foucault 1999: XII), solo positivo prenhe de positividades (de vida, trabalho e linguagem) que posicionam o olhar, determinando e delimitando a ação e a atenção. Com que descrição ocupar o intervalo? Com a do lugar, o corpo estabelecido, determinado, estado, significado pela linguagem . figuração de um significante. Ocupar um lugar é possuir uma forma, ponto de vista que se reflete no espelho. Se o pensamento moderno é uma .relação de sentido com a forma da verdade e a forma do ser. (Foucault 1999: 287) e o estruturalismo é a .consciência desperta e inquieta do saber moderno. (Foucault 1999: 287), então nós nos perguntamos qual a relação do sentido com a forma, da forma com o estruturalismo e do estruturalismo com o sentido, ou seja, a forma da relação de sentido que os estruturalistas imaginam e inventam, que figuram.

Não é difícil perceber essa figuração, pois o estruturalismo dá perfeitamente conta de pensar a forma devido à sua .concepção exclusivamente extensivista da diferença. (Viveiros de Castro 2001: 10). A ordem encontra o seu sentido no intervalo, na instauração do discreto no contínuo, na relação de oposição entre diferenças, que são intervalos no contínuo da semelhança. O sentido é .necessária e unicamente de posição. (Deleuze 1982: 276), de lugar relacional, ou seja, de ponto de vista. O espaço é que é estrutural para o estruturalismo. A estrutura não é a forma, a figura ou a essência (Deleuze 1982: 275). A estrutura é o sujeito, o estruturador, que se move num espaço estrutural e dura num tempo estrutural, num .tempo de atualização. (Deleuze 1982: 285).

.Atualizar-se é diferenciar-se. (Deleuze, 1982: 284); ocupar lugares e impor intervalos entre eles. Atualizar-se é o estruturar da estrutura, que é .diferencial em si mesma e diferenciadora em seu efeito. (Deleuze 1982: 285); enquanto virtualidade, .indiferenciação.; enquanto atualização, diferença (Deleuze 1982: 284). Atualizar virtualidades, diferenciar indiferenciações, distribuir posições, lugares: eis a prática de sentido no estruturalismo, com seus modos de tempo de atualização e espaço de diferenciação. .O verdadeiro sujeito é a própria estrutura., diz Deleuze (1982: 282). Sujeito que produz espécies e partes, e que as faz aparecer como reflexos recíprocos e infindáveis.

Modo de ser do Tonal de nosso Tempo? Jogo possível! Jogo tautológico da dialética: praticar o sentido é realizar uma escolha, definir lugares para as coisas e lhes determinar uma duração, uma atualidade permanente. Praticar o sentido é dicotomizar o mundo em pares opostos, pensar a ordem possível perante o caos, definir as fronteiras, os limites, as formas de que a vida necessita, as positividades que a posicionam, que atualizam o ser do tempo no estar do espaço (estado do ser). O sentido é a .realidade do possível enquanto tal. . efetuação do possível exprimido na linguagem ou no signo (Viveiros de Castro 2001:08).

Construir sentido, fabricar significado é criar e experimentar contextos, ambientes de relação e relacionais; produzir relações convencionadas que permitem a comunicação, o diálogo, o entendimento. Rotulamos, nomeamos a relação de sentido, a associação de símbolos, como realidade. Mas não há realidade absoluta e unânime, pois o que há é relativismo, ou seja, relação (Wagner 1981). Relação que desafia a instituição de um exterior e um interior: os elementos que se relacionam no interior do contexto participam também em contextos externos (Wagner 1981: 41). Porém, a dialética é o jogo do duplo e a convenção é a regra que torna esse jogo permanente, duradouro. Estabelecendo, repartindo os distintos domínios entre o par de uma dicotomia clássica, a do inato e da ação humana, a Cultura, o mundo de pensamento e ação, pode reproduzir seu reinado, seu desígnio. Este modo ou estilo convencional que Wagner (1981) descreve pressupõe a existência de contextos antes da ação, contextos ou relações inatas, básicas; e a única ação pertinente é descobrir estas células-tronco, separando os contextos, mascarando a relação em seus termos (Wagner 1981: 41). Ação do sujeito, do ator, do homem comum, que assinou o compromisso de fazer cultura. Ilusão cultural . ilusão necessária?

Ana Maria Ramo y Affonso

quinta-feira, 4 de abril de 2019

¿Perdieron nuestros heroicos soldados la menor parte de su tiempo en discursos y en declaraciones? No, puesto que tenían mejores cosas que hacer y lo sabían bien: "Res, non verba". Lo que esperábamos de ellos, son actos, no palabras, y no nos han defraudado. Y vosotros también, queridos Alumnos, cuando llegue el momento de dejar este Colegio, tendréis mejores cosas que hacer antes de perder el tiempo en juegos de elocuencia: algunos, tal vez, todavía tendrán que ocupar su lugar junto a sus mayores. Pero lo cierto es que todos, incluso los más jóvenes, tendréis que cumplir otros deberes, otra tarea sin duda más oscura pero no menos necesaria, para reparar las ruinas que esta larga y terrible lucha habrá acumulado, y para ayudar a los gloriosos supervivientes a recoger y hacer fructificar todas las consecuencias de su victoria. Todavía habréis de luchar en otro terreno, ya que la mayoría de vosotros, probablemente seréis hombres de acción. Parece ser, hoy más que nunca, que el dominio del pensamiento puro debe permanecer como patrimonio de un pequeño número, y quizás es bueno que así sea, si es verdad que la especulación y la acción normalmente van bastante mal juntas. Para estar preparados para actuar cuando sea necesario, y sea cual sea la forma en que ejerzáis vuestra actividad, os tendréis que convertir en hombres en toda la acepción de la palabra, más deprisa y pronto que los jóvenes de algunas generaciones que precedieron la vuestra, cuando no había tantos vacíos que rellenar en tantos puestos de la nación. Trabajad pues en ello desde ahora mismo, queridos Alumnos, preparaos, con todas las fuerzas de vuestra inteligencia y vuestra voluntad, para la función que la patria tendrá derecho de exigiros próximamente. Habituaros sin demora a encarar seriamente el futuro, meditando los ejemplos de heroísmo que os dan vuestros mayores, ejemplos que os incitarán a no faltar jamás a vuestro deber, sea cual sea, igual que ellos no faltaron al suyo en medio de pruebas que están entre las más temibles que la humanidad, en ningún tiempo, haya atravesado, y cuyo recuerdo hará que vuestra tarea sea más fácil y menos dura.




quarta-feira, 3 de abril de 2019

Ahora bien, ¿cuáles son las causas que dan nacimiento a este verbalismo hueco y estéril? Sin duda son bien complejas, y no querría enredarme en un estudio demasiado profundo de esta cuestión. Puede ser que, entre esas causas, las haya que sean inherentes a la naturaleza humana en general, o más particularmente al temperamento de ciertos pueblos o de ciertas personas; pero también se trata de una cuestión de educación.


QUEREM FAZER POSE DE GENTE QUE LEU MUITO. MAS ISSO, OBVIAMENTE ,NÃO OCORREU. QUEREM ENCARNAR O ESPECTRO DOS VERDADEIROS INTELECTUAIS POR OSMOSE, SEM FAZER ESFORÇO OU SACRIFÍCIO NENHUM, MAS TERÃO UMA SURPRESA BASTANTE DESAGRADÁVEL INSISTINDO NESSE CAMINHO DE FALSIFICAÇÃO. PRETENDEM UM IMPÉRIO DE ANALFABETOS FUNCIONAIS, FLUTUANDO ACIMA DA NOBREZA INICIÁTICA INCONTESTÁVEL, MAS MAIS CRUS E VULNERÁVEIS IMPOSSÍVEL!

K.M.

"Leões de chácara" das grandes finanças? Obviamente, isso não ocorreu.


Pela necessidade ideológica de se contestar o comunismo ("o totalitário", "estatizante", etc.), o capitalismo apresenta-se com uma auto-imagem fictícia de portador de um projeto sempre autenticamente liberal e antiestatizante.
O que não é comprovado pela história da economia brasileira, desde a colonização (as primitivas sociedades por ações não começaram no Estado?), feita sob a égide dos empresários estatais. Lembre-se, igualmente, que a primeira experiência bem sucedida ao capitalismo de Estado ocorreu em Portugal (séc. XVI), o que. tem peso considerável na tradição brasileira, como bem o demonstrou Raymundo Faoro em Os Donos do Poder.
A estatização pós-64 não será, portanto, errática ou inovadora. Os empresários sempre dependeram do Estado, mas o Estado sempre teve, também, intenções empresariais (e aí, a "guerra das tetas" tem sua dose de verdade...). Desde o início, 64 foi o assalto dos empresários ao poder, embora, lembra Dreifuss, "protegidos e apoiados pelas Forças Armadas". Ao que parece, reclamam, hoje, quando a intervenção do Estado não se faz em beneficio de seus interesses.5 Nesse sentido, uma tese interessante defendida por Dreifuss se refere à mudança ocorrida com o próprio empresariado. Não se trata, aqui, de uma interpretação global para 64, mas de mostrar como se firmou uma "nova ordem empresarial" com características próprias e distintas do empresário tradicional, aquele que cultivava uma olímpica distância em relação àpolítica e, supostamente, ao poder.
Se é verdade, como aponta Dreifuss, que o bloco empresarial recorreu à intervenção militar apenas para desferir o "golpe final" no Estado populista, não há como abandonar, sem maiores qualificações, a tese – a meu ver ainda válida – de que os empresários acreditavam que os militares agiriam como "restauradores da ordem" e depois desalojariam o poder em seu benefício, nu papel de eficientes "leões de chácara" das grandes finanças. O que, obviamente, não ocorreu.

Nazismo não era de esquerda nem de direita. ERA O GUENONISMO MAIS AS DIVISÕES PANZER - RENE GUENON 'DISCURSO CONTRA LOS DISCURSOS



Volviendo a RENÉ GUÉNON.

Mensaje  mariocesar el Mar Sep 02, 2014 11:20 am
Algunos deploran la excesiva teoría de René Guénon y aun le reprochan que abarcara demasiado . Le reprochan la falta de practicidad y métodos. Su misión era TEORIZAR y TEORIZAR es CONTEMPLAR :¡No puede haber nada más práctico, activo y elevado que la teoría! Además TEORÍA en verdadera etimología es ACCIÓN DE DIOS.
No obstante , para los literales, en su METAFISICA ORIIENTAL les dejó el método para volver a ser ADAMKADMON,, realizar los PEQUEÑOS MISTERIOS, etc: Considerarlo todo simultáneamente, reunir lo disperso y colocarse en el no tiempo.

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RENE GUENON 'DISCURSO CONTRA LOS DISCURSOS' * Conferencia a sus alumnos de filosofía (entrega de diplomas curso 1916-17 en Saint-Germain-en-Laye)
Señor Presidente, 
Señoras, Señores, 
Queridos Alumnos, 

Al tomar hoy la palabra ante vosotros conforme a lo que es costumbre, me siento, lo confieso, un poco incómodo al pensar en las trágicas circunstancias en las que vivimos desde hace ya tres años y que deberían, parece, apartar de nuestro ánimo cualquier otra preocupación. Asimismo, experimento un verdadero escrúpulo, y como una necesidad de excusarme y justificarme, aún incluso, y quizá sobre todo, ante mis propios ojos. El momento, en efecto, ¿es para discursos? y ¿es lógico aceptar la tarea de pronunciar uno, cuando se está convencido, como yo lo estoy, de la perfecta inutilidad de todos estos despliegues de elocuencia más o menos sonora, para la que ciertas solemnidades constituyen ocasión habitual? Pero hay costumbres a las que, no teniendo el poder de cambiarlas, está uno forzado a someterse; y, si al menos este discurso pudiese tener como resultado, bastante paradójico en apariencia, convencerles de la vanidad de esa elocuencia a la que acabo de aludir, creo que no habríamos perdido el tiempo en absoluto. 
Se ha dicho, sin duda bromeando, que el lenguaje fue dado al hombre para disfrazar su pensamiento; pero esto encierra una verdad más profunda de lo que pudiera suponerse a primera vista, a condición, no obstante, de añadir que este disfraz puede ser inconsciente e involuntario. En efecto, la función esencial del lenguaje es la de expresar el pensamiento, es decir la de revestirlo de una forma exterior y sensible, por medio de la cual podamos comunicarlo a nuestros semejantes, en la medida al menos, en que sea comunicable: y es bajo esta restricción que quiero llamar más particularmente vuestra atención. ¿Puede decirse que la expresión sea alguna vez adecuada al pensamiento?, y ¿no es cualquier traducción, por su misma naturaleza, forzosamente infiel? "Traduttore, traditore", dice un proverbio italiano bien conocido, que aunque parezca un poco un juego de palabras por su extrema concisión, no por ello es menos justo, y hasta tal punto que es extremadamente difícil y raro encontrar en dos lenguas diferentes, e incluso bastante cercanas la una de la otra, dos términos que se correspondan exactamente, de tal modo que cuanto más una traducción quiere ser literal, a menudo más se aleja del espíritu del texto. Y si esto ocurre cuando se trata simplemente de pasar de una lengua a otra, es decir de cierta forma sensible a otra forma de la misma naturaleza: de cambiar de alguna manera el vestido del pensamiento ¿cómo no será todavía más difícil hacer entrar en las formas estrechas y rígidas del lenguaje ese mismo pensamiento, que es esencialmente independiente de cualquier signo exterior y radicalmente heterogéneo respecto a su expresión? Para comprender hasta qué punto el puro pensamiento debe verse por ello disminuído, reducido y como esquematizado, sólo hace falta un instante de reflexión, a menos que se parta de las ilusiones de ciertos filósofos que, cegados por el espíritu de sistema, han creído que el pensamiento entero podía y debía encerrarse en una especie de fórmula concebida según el tipo matemático. Lo que es cierto, por el contrario, es que lo que expresan las palabras o los signos no es nunca la totalidad del pensamiento, que éste contiene siempre en sí mismo una parte inexpresable, luego incomunicable, y que esta parte es tanto mayor cuanto más elevado sea el orden de este pensamiento, puesto que más alejado está entonces de cualquier figuración sensible. Lo que podemos confiar a nuestros semejantes no es pues nuestro pensamiento mismo, sino sólo un reflejo más o menos indirecto y lejano de él, un símbolo más o menos oscuro y velado; y es por ello que el lenguaje, vestido del pensamiento, es también forzosamente y por el mismo motivo, su disfraz. 
Pero, que el lenguaje sea un disfraz del pensamiento, supone evidentemente que hay un pensamiento escondido detrás de las palabras: ¿es siempre así para todos los hombres? Se puede estar tentado de dudarlo, y de preguntarnos si, para algunos, las palabras mismas no llegan a ocupar casi por completo el lugar de un pensamiento ausente. ¿No hay demasiados que, incapaces de pensar verdadera y profundamente, llegan sin embargo a darse la impresión a sí mismos, y a veces a los demás, de que son capaces de hacerlo, encadenando con más o menos habilidad y arte palabras que no son más que formas vacías, sonidos que, aun ofreciendo tal vez un conjunto armonioso, están en cambio desprovistos de significación real? Ciertamente, el lenguaje rinde al pensamiento grandes y preciosos servicios, no solamente suministrándonos un medio de transmitirlo en la medida de lo posible, sino también ayudándonos a precisarlo y permitiendo definírnoslo mejor a nosotros mismos, y hacerlo consciente de una manera más clara y completa. Pero al lado de estas ventajas incontestables, el lenguaje, o mejor, su abuso, da lugar a graves inconvenientes, el menor de los cuales no es el verbalismo que ahora mismo os denunciaba, verbalismo cuya deplorable manifestación es lo que se ha convenido en llamar elocuencia. 
En efecto, nos equivocaríamos extrañamente, si nos imagináramos que el éxito de los más reputados oradores es debido, la mayoría de las veces, en verdad, a la precisión o a la elevación de las ideas que expresan. No es necesario tener ideas para ser elocuente, y tal vez eso sea más bien un obstáculo, sobre todo cuando quiere uno dirigirse a la muchedumbre; ya que, hay que reconocerlo, la gran masa de los hombres tiene impresiones más que ideas, y esta es la razón de por qué se deja subyugar tan fácilmente y arrastrar por palabras que, de ordinario, son tanto más sonoras cuanto más vacías de sentido, y por ello tanto más aptas para ocupar el lugar del pensamiento en aquellos que no lo tienen. También, el poder del orador, y más especialmente el del orador popular es, casi exclusivamente, un poder de orden físico: los gestos, las actitudes, los juegos de la fisonomía, las entonaciones de la voz, la armonía de las frases, esos son sus principales elementos. Con respecto a esto, el orador tiene más de un punto de similitud con el actor: lo que importa, es mucho menos lo que dice que la manera cómo lo dice. Se dirige a las facultades sensibles de su auditorio, a menudo también a sus sentimientos o a sus pasiones, a veces a su imaginación, pero muy raramente a su inteligencia. Y esta función preponderante de los medios físicos en el arte, iba a decir en el juego, del orador, nos explica por qué los discursos de aquellos que han ejercido mayor influencia en la muchedumbre, cuando los leemos, nos parecen de una sorprendente insignificancia, de una desesperante banalidad. También por ello es tan raro que un mismo hombre reúna dones tan diversos como los del escritor y el orador: el escritor, que no tiene a su disposición los mismos medios exteriores, necesita cualidades de otro orden, quizás menos brillantes, pero también menos superficiales y más sólidas en el fondo. Y además la obra del orador solamente tiene su razón de ser en una circunstancia determinada y pasajera, mientras que la del escritor debe tener normalmente un alcance más duradero. Al menos debería ser así, pero desde luego hay escritores cuyas frases no contienen más pensamiento que las de los oradores de los que acabo de hablar, y mucha de la literatura que en suma no es más que mala elocuencia, y que, fijada sobre el papel, ya ni tiene los encantos artificiales que podría prestarle una dicción agradable o sabia. Y naturalmente, al atacar la elocuencia verbal, incluyo también con el mismo título, a toda esta vana literatura. 
Ahora bien, ¿cuáles son las causas que dan nacimiento a este verbalismo hueco y estéril? Sin duda son bien complejas, y no querría enredarme en un estudio demasiado profundo de esta cuestión. Puede ser que, entre esas causas, las haya que sean inherentes a la naturaleza humana en general, o más particularmente al temperamento de ciertos pueblos o de ciertas personas; pero también se trata de una cuestión de educación. Como los atenienses en otro tiempo, los franceses tienen generalmente la reputación de experimentar un gusto exagerado por la elocuencia, algunos dicen que por la palabrería. Y en esta crítica que nos dirigen incluso nuestros mejores amigos, hay algo de verdadero. Debería decir más, había algo de verdadero, ya que hoy en día, felizmente para nosotros, parece que las cosas hayan cambiado un poco; pero enseguida volveré a este tema. Acabo de deciros que, en este aspecto, se comparaba fácilmente a los franceses con los atenienses; ¿hay que admitir para explicarlo que nuestro temperamento nacional se parece extrañamente al de los antiguos griegos? No lo creo. Más bien creería que tal similitud que no se funda en ninguna comunidad de raza, se justifica solamente por la influencia exagerada y demasiado exclusiva que la civilización helénica ha ejercido sobre la nuestra, es decir que es mayormente el producto artificial de una cierta educación. Seguramente, no hay que desconocer ni despreciar lo que han hecho los Griegos en diversos dominios. Pero tampoco hay que creer, en un exceso de admiración que a veces raya en el fanatismo, que no hay nada que valga fuera de lo que han hecho, ni negarse a ver, al lado de sus méritos que son muy reales, sus defectos que no lo son menos, y uno de los más notables es precisamente la fastidiosa tendencia al verbalismo. Este defecto es netamente sensible hasta en los más grandes de entre ellos; y en el mismo Platón, tal vez el tipo más representativo de la mentalidad helénica, la dialéctica demasiado sutil, para quien la examina con toda imparcialidad y evitando dejarse impresionar por la belleza de la forma, a menudo aparece como si en el fondo no fuera más que un divertimento bastante vano, que descansa mucho más sobre las palabras que sobre las ideas, y que no podría conducir a ninguna conclusión verdaderamente profunda. He hablado de la belleza de la forma; es que los griegos, no hay que olvidarlo, antes que nada eran artistas, lo eran en todo lo que hacían, y llevaban al extremo el culto a la forma, en detrimento de la profundidad y de la extensión del pensamiento. Se podría decir incluso, sin ninguna exageración, que no concebían nada más allá de la forma y de sus limitaciones, hasta tal punto que para ellos acabado y perfecto eran términos sinónimos. Sin duda, no hay que descuidar ni desdeñar el arte en sí mismo; pero hay que saber poner cada cosa en su lugar, y no permitir a este culto a la forma, legítima cuando no sobrepasa ciertos límites, invadir el dominio del pensamiento puro, ni por otro lado, reaccionar sin medida en el dominio de la acción. Y no obstante, ¿no es esto lo que se ha hecho demasiado tiempo, bajo la influencia y a imitación de la civilización griega o greco-latina? Y muchos de nosotros, aquéllos al menos cuya cultura fue casi exclusivamente literaria, ¿no tienen todavía que lamentar el haber recibido una educación por entero verbal, que encontraba su completa expresión en el "discurso en latín", ejercicio que hoy ha caído en el olvido? Podemos lamentar la tendencia que empuja a algunos a abandonar por entero el estudio de la antigüedad; pero el conocimiento real y exacto de esta antigüedad es algo bien distinto de esa retórica pueril, que apenas consistía más que en una reunión de fórmulas copiadas servilmente o aprendidas de memoria, y aplicadas indistintamente a todos los asuntos. En lugar de que la idea fuera independiente de la palabra, como debe serlo naturalmente, era la palabra la que, al contrario, se hacía independiente de la idea y usurpaba su lugar. 
Sin embargo, los franceses nunca han abusado de la elocuencia como los griegos, y ella nunca ha llegado a absorber la totalidad de su existencia nacional. La Grecia antigua ha muerto a causa de este abuso; Francia no morirá por lo mismo. Ya hemos probado suficientemente que felizmente éramos capaces de otra cosa que disertar, y continuamos probándolo cada día. Y es precisamente eso lo que muestra el carácter bastante artificial que tenía para nosotros este gusto por la elocuencia. Las circunstancias, si bien no lo han hecho desaparecer completamente, lo cual era imposible de una sola vez, al menos lo han relegado rápidamente a un último plano. Podemos decir, sin exagerar, que hemos conseguido así una verdadera victoria sobre nosotros mismos, sobre nuestras antiguas costumbres. Y estas victorias tienen su importancia, pues son una condición de las otras, de las que debemos conseguir sobre el enemigo. La elocuencia ya no está de moda, y es fácil darse cuenta de que ha perdido su prestigio. Desde el comienzo de esta guerra, en efecto ¿qué es lo que más ha llamado la atención de las conciencias? La proclama de Galliéni a los parisienses, el orden del día de Joffre cuando la batalla del Marne, el de Pétain en Verdún. Algunas líneas bien sencillas dicen netamente lo que quieren decir, sin grandes palabras, sin rodeos y sin adornos inútiles, sin vanas fraseologías. Y es esto lo que permanecerá, creedme, y lo que dejará una impresión mucho más duradera que los mejores discursos de los políticos, algunos de los cuales están no obstante llenos de un indiscutible talento. La elocuencia ha recibido un golpe del que quizás no se repondrá jamás, y no cabe lamentarlo. No nos dejemos engañar más por las palabras, como nos ha sucedido demasiado a menudo; sepamos de ahora en adelante, en todos los dominios, mirar las realidades de cara, verlas tal y como son. He aquí seguramente una de las primeras lecciones que deberemos extraer de los acontecimientos actuales, si no queremos haber sufrido en vano. 
¿Perdieron nuestros heroicos soldados la menor parte de su tiempo en discursos y en declaraciones? No, puesto que tenían mejores cosas que hacer y lo sabían bien: "Res, non verba". Lo que esperábamos de ellos, son actos, no palabras, y no nos han defraudado. Y vosotros también, queridos Alumnos, cuando llegue el momento de dejar este Colegio, tendréis mejores cosas que hacer antes de perder el tiempo en juegos de elocuencia: algunos, tal vez, todavía tendrán que ocupar su lugar junto a sus mayores. Pero lo cierto es que todos, incluso los más jóvenes, tendréis que cumplir otros deberes, otra tarea sin duda más oscura pero no menos necesaria, para reparar las ruinas que esta larga y terrible lucha habrá acumulado, y para ayudar a los gloriosos supervivientes a recoger y hacer fructificar todas las consecuencias de su victoria. Todavía habréis de luchar en otro terreno, ya que la mayoría de vosotros, probablemente seréis hombres de acción. Parece ser, hoy más que nunca, que el dominio del pensamiento puro debe permanecer como patrimonio de un pequeño número, y quizás es bueno que así sea, si es verdad que la especulación y la acción normalmente van bastante mal juntas. Para estar preparados para actuar cuando sea necesario, y sea cual sea la forma en que ejerzáis vuestra actividad, os tendréis que convertir en hombres en toda la acepción de la palabra, más deprisa y pronto que los jóvenes de algunas generaciones que precedieron la vuestra, cuando no había tantos vacíos que rellenar en tantos puestos de la nación. Trabajad pues en ello desde ahora mismo, queridos Alumnos, preparaos, con todas las fuerzas de vuestra inteligencia y vuestra voluntad, para la función que la patria tendrá derecho de exigiros próximamente. Habituaros sin demora a encarar seriamente el futuro, meditando los ejemplos de heroísmo que os dan vuestros mayores, ejemplos que os incitarán a no faltar jamás a vuestro deber, sea cual sea, igual que ellos no faltaron al suyo en medio de pruebas que están entre las más temibles que la humanidad, en ningún tiempo, haya atravesado, y cuyo recuerdo hará que vuestra tarea sea más fácil y menos dura. Traducción: Antonio Guri. 


NOTA
* Reproducido en la revista Etudes Traditionnelles, noviembre-diciembre 1971.

...sólida articulação entre empresários, intelectuais, técnicos e militares em autênticos grupos de pressão, e não em simples conspirações. Quando se entrega um livro ao público nunca se sabe o uso que lhe será dado. É bem possível que aos militares liderados pelo General Golbery tenha agradado o reconhecimento de seu alto grau de eficácia como agentes ativos numa revolução, e não numa quartelada. Aos empresários (incluindo aqueles que têm feito publicar curiosos desmentidos) deve também ter agradado o papel de intelectuais orgânicos desta "revolução burguesa".


A idéia autoritária da necessidade de um Estado forte sempre esteve presente nas formulações dos militares, atentos às questões de soberania, do desenvolvimento com segurança nacional. É aqui que a densa exposição de Dreifuss me parece pouco clara. A valorização do papel dos empresários é demonstrada de várias maneiras, sempre convincentes e muito bem documentadas — embora de uma perspectiva mais expositiva do que interpretativa. A crítica aos autores que privilegiam o papel dos militares em 64 me parece menos convincente. Pois a própria discussão do autor sobre o papel da Escola Superior de Guerra tenderia a revelar o contrário. Senão, vejamos:
Instrumento para o estabelecimento de ligações orgânicas entre militares e civis, tanto no aparelho estatal quanto nas empresas privadas (...) os industriais e tecno-empresários ligados à estrutura multinacional transmitiam e recebiam treinamento em administração pública e objetivos empresariais na ESG(...) compartilhando a ideologia da segurança nacional de seus equivalentes, esses empresários viam a disciplina e a hierarquia como componentes essenciais de um sistema industrial (p. 80).

*
 Esta questão remete à discussão sobre a natureza do Estado em construção. O autor não discute o projeto estatizante contido na proposta militar — e que, ao que tudo indica, vinha ganhando adeptos desde a década de quarenta. Em Geopolítica do Brasil (de 1958 e em recente reedição), o General Golbery do Couto e Silva já sugeria que a revolução seria a "revolução do Estado contra a sociedade; para ampliar cada vez mais a esfera e o rigor de seu controle (do Estado), sobre uma sociedade já cansada e desiludida do liberalismo fisiocrático de eras passadas".

*

O fenômeno não é novo e se expande, diariamente, no espaço de polêmicas muitas vezes marcadas pela ausência do mais elementar senso do ridículo. Se, como registra a imprensa, a recente "guerra das tetas"1 foi absorvida, perdura no ar a "santa ira" empresarial contra os impulsos estatizantes dos governos militares. A leitura do livro de René Dreifuss vem a calhar no âmago desta nova perplexidade. Afinal, de que se queixam os empresários? Pois se estão na ordem do dia como estrelas de primeira grandeza... isto é, brilham, na análise de Dreifuss, como os principais artifices das conspirações de 64: "um movimento de classe, e não um mero golpe militar". Será que se queixam porque consideram traídos os objetivos da revolução ou por não terem compreendido, a tempo, que a "regeneração capitalista" que pleiteavam só se faria em virtude da própria ideologia do desenvolvimento com segurança nacional – dentro de um projeto estatizante a longo prazo, também apoiado no grande capital?
Este livro propõe uma nova abordagem de 64 como a estratégia bem sucedida da "desestabilização" do regime populista de João Goulart pela ação de uma elite orgânica – formada por empresários e tecnoempresários, intelectuais e militares, representantes de interesses financeiros multinacionais e associados – exercendo seu poder de classe. O papel relevante comumente atribuído às Forças Armadas, assim como à "tecnoburocracia", passa a ser atribuído aos empresários, e banqueiros. O complexo IPES/IBAD teria sido o núcleo ativo desse "golpe de classe", cujos objetivos seriam, entre outros, restringir a organização das classes trabalhadoras; consolidar o crescimento econômico num modelo de capitalismo tardio, dependente, com alto grau de concentração industrial integrado ao sistema bancário e promover o desenvolvimento de interesses multinacionais e associados na formação de um regime tecnoempresarial, "protegido e apoiado pelas Forças Armadas". Originalmente apresentado como tese de doutoramento em Ciência Política na Universidade de Glasgow, o trabalho de René Dreifuss reúne as qualidades de competente e ampla pesquisa ao interesse de uma análise política instigante.
O complexo IPES/IBAD é apresentado, na tese de Dreifuss, como o verdadeiro partido da burguesia – no sentido gramsciano – seu Estado-Maior para a ação ideológica, política e militar. O que isso parece significar senão a descrença – quando não o desprezo – que a elite orgânica nutria pelos partidos políticos, comprometidos, em maior ou menor grau, com um Estado populista e tradicional? No entanto, esse desprezo era também relativo, na medida em que se reconhecia a importância do Legislativo como esfera legitimadora – o que fica patente na ação agressiva ao do IBAD nos diversos lobbies nas campanhas eleitorais de 1962 em todo o país. Um dos grandes méritos da pesquisa de Dreifuss consiste, justamente, em revelar a estreita ligação entre o IPES e o IBAD. Lembre-se que, à época em que foi fundado (novembro de 1961, após a renúncia de Jânio e ascensão de Goulart à presidência), o IPES vinha marcado por inegável respeitabilidade. Suas propostas espelhavam o prestígio dos projetos da "Aliança para o Progresso", a qual só seria desmascarada por Che Guevara em 1962, na Conferência de Punta del Este. Ao IBAD, estigmatizado desde o início, competia o "jogo sujo", da manipulação de recursos de fontes equívocas para financiar campanhas dos candidatos conservadores e "corrupções" de vários calibres. As evidências apresentadas por Dreifuss conseguem aproximar as duas entidades, o que a CPI do IBAD tentou em 1963, mas não logrou fazer.2
Num de seus artigos do final dos anos setenta, Otto Lara Resende se referia à safra de estudos críticos sobre nossa recente história política dizendo: "O Brasil se confessa". E o udenista Afonso Arinos, ilustre representante dos liberais desencantados com os rumos militares e estatizantes pós-64, seria particularmente explícito: "precisamos ir ao confessionário". Esta postura de "acerto de contas", ou de mauvaise conscience, talvez contribua para, fazendo eco à repercussão em certos órgãos da imprensa, deformar o real significado do êxito do livro de René Dreifuss. O "quem é quem", tão ao gosto da curiosidade superficial do nosso crônico provincianismo, deveria ser, é claro, menos relevante do que a discussão das teses do cientista político. Muito mais importante do que "checar" nomes nas listas dos associados do IPES (e vários dos citados tiveram participação meramente acidental), é perceber, no texto, a sólida articulação entre empresários, intelectuais, técnicos e militares em autênticos grupos de pressão, e não em simples conspirações. Quando se entrega um livro ao público nunca se sabe o uso que lhe será dado. É bem possível que aos militares liderados pelo General Golbery tenha agradado o reconhecimento de seu alto grau de eficácia como agentes ativos numa revolução, e não numa quartelada. Aos empresários (incluindo aqueles que têm feito publicar curiosos desmentidos) deve também ter agradado o papel de intelectuais orgânicos desta "revolução burguesa". Enganam-se, senhores. A tese é clara, e a continuidade do processo na já chamada "década da infâmia" (pós AI-5), provaria que, sob qualquer ângulo que se observe, a elite orgânica se sai mal... Quanto aos empresários, ou já sabiam dos rumos da revolução (a estatização e a repressão) e se tornaram, portanto, cúmplices do arbítrio e do "estatismo selvagem" (na expressão recente de um indignado representante da classe), ou não sabiam e se mostravam incompetentes, sem uma clara visão do processo histórico. Quanto aos militares, muito ainda precisa ser esclarecido, além da hipótese que reduz seu importante papel no movimento de 64.
A idéia autoritária da necessidade de um Estado forte sempre esteve presente nas formulações dos militares, atentos às questões de soberania, do desenvolvimento com segurança nacional. É aqui que a densa exposição de Dreifuss me parece pouco clara. A valorização do papel dos empresários é demonstrada de várias maneiras, sempre convincentes e muito bem documentadas — embora de uma perspectiva mais expositiva do que interpretativa. A crítica aos autores que privilegiam o papel dos militares em 64 me parece menos convincente. Pois a própria discussão do autor sobre o papel da Escola Superior de Guerra tenderia a revelar o contrário. Senão, vejamos:
Instrumento para o estabelecimento de ligações orgânicas entre militares e civis, tanto no aparelho estatal quanto nas empresas privadas (...) os industriais e tecno-empresários ligados à estrutura multinacional transmitiam e recebiam treinamento em administração pública e objetivos empresariais na ESG(...) compartilhando a ideologia da segurança nacional de seus equivalentes, esses empresários viam a disciplina e a hierarquia como componentes essenciais de um sistema industrial (p. 80).
Esta questão remete à discussão sobre a natureza do Estado em construção. O autor não discute o projeto estatizante contido na proposta militar — e que, ao que tudo indica, vinha ganhando adeptos desde a década de quarenta. Em Geopolítica do Brasil (de 1958 e em recente reedição), o General Golbery do Couto e Silva já sugeria que a revolução seria a "revolução do Estado contra a sociedade; para ampliar cada vez mais a esfera e o rigor de seu controle (do Estado), sobre uma sociedade já cansada e desiludida do liberalismo fisiocrático de eras passadas".3
A impressão que retiro da perspectiva teórica do autor talvez indique a origem dessa ausência. Dreifuss mantém inalterada a clássica visão marxista do Estado – prisioneiro de uma classe, comitê executivo da burguesia? – pouco apropriada para a realidade contemporânea, mas que, em última instância, justifica sua tese sobre o "golpe de classe". Pela ocupação dos órgãos de formulação da política econômica por membros do IPES, registra Dreifuss, dava-se a privatização das insituições do Estado; logo, abriam-se as áreas institucionais do Estado à exclusiva representação de certos interesses privados organizados. "O Estado prendia-se aos desígnios dos ativistas do IPES, que cuidavam dos problemas de coesão das diretrizes (...) O Estado de 1964 era, de fato, um Estado classista, e, acima de tudo, governado por um bloco de poder liderado pelo IPES" (p.488).
Seria interessante questionar o peso do estatismo e a crescente estatização do novo regime. O IPES proclamava a urgência de se apresentarem reformas de base "antidemagógicas" e "antiestatizantes" para enfrentar o grupo "esquerdista-trabalhista" do governo Goulart. Os empresários que hoje reclamam, e que participaram ativamente da derrocada do regime em 64, teriam sido ingênuos diante do projeto estatizante que logicamente se armava? (Ao que dizem, seus projetos "liberais-conservadores" só teriam sido bem desenvolvidos no governo Castello Branco.) A atuação dos ideólogos do IPES na defesa de interesses multinacionais é tema de dois capítulos de Dreifuss. Se um dos objetivos do IPES era promover a entrada do capital estrangeiro e das multinacionais, em nome, inclusive, de uma oposição ferrenha ao capitalismo de Estado (identificado com os projetos "populistas"), o tiro saiu pela culatra. Aos investidores estrangeiros interessa, acima de tudo, a estabilidade política aliada à eficiência governamental. Porque precisariam do IPES, que se movia contra o capitalismo do Estado? Para as multinacionais interessa, num país em desenvolvimento, que o Estado assuma um papel empresarial forte, o único promotor das grandes obras de infra-estrutura. É nesse sentido que se pode entender a frustração de alguns empresários com "o desvio da rota da Revolução". Um recente artigo do economista Pedro Malan discute o "fascinante paradoxo" de ter sido exatamente a partir das gestões de Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões (dois ilustres colaboradoresdo IPES) que se lançaram as bases para a extraordinária expansão do setor público, "apesar de toda a retórica liberal e privatista que marcou o período".4
A discussão abrange, necessariamente, aspectos por demais amplos e complexos para simples comentários. Trata-se, afinal, da discussão sobre a própria evolução do capitalismo brasileiro. Não parece heresia lembrar que a "razão do Estado" pode surgir como uma questão tipicamente capitalista. Pela necessidade ideológica de se contestar o comunismo ("o totalitário", "estatizante", etc.), o capitalismo apresenta-se com uma auto-imagem fictícia de portador de um projeto sempre autenticamente liberal e antiestatizante.
O que não é comprovado pela história da economia brasileira, desde a colonização (as primitivas sociedades por ações não começaram no Estado?), feita sob a égide dos empresários estatais. Lembre-se, igualmente, que a primeira experiência bem sucedida ao capitalismo de Estado ocorreu em Portugal (séc. XVI), o que. tem peso considerável na tradição brasileira, como bem o demonstrou Raymundo Faoro em Os Donos do Poder.
A estatização pós-64 não será, portanto, errática ou inovadora. Os empresários sempre dependeram do Estado, mas o Estado sempre teve, também, intenções empresariais (e aí, a "guerra das tetas" tem sua dose de verdade...). Desde o início, 64 foi o assalto dos empresários ao poder, embora, lembra Dreifuss, "protegidos e apoiados pelas Forças Armadas". Ao que parece, reclamam, hoje, quando a intervenção do Estado não se faz em beneficio de seus interesses.5 Nesse sentido, uma tese interessante defendida por Dreifuss se refere à mudança ocorrida com o próprio empresariado. Não se trata, aqui, de uma interpretação global para 64, mas de mostrar como se firmou uma "nova ordem empresarial" com características próprias e distintas do empresário tradicional, aquele que cultivava uma olímpica distância em relação àpolítica e, supostamente, ao poder.
Se é verdade, como aponta Dreifuss, que o bloco empresarial recorreu à intervenção militar apenas para desferir o "golpe final" no Estado populista, não há como abandonar, sem maiores qualificações, a tese – a meu ver ainda válida – de que os empresários acreditavam que os militares agiriam como "restauradores da ordem" e depois desalojariam o poder em seu benefício, nu papel de eficientes "leões de chácara" das grandes finanças. O que, obviamente, não ocorreu. Deve ser nesse sentido que Dreifuss sugere – mas não desenvolve, como seria desejável – que no processo de transposição do poder privado dos interesses multinacionais para o governo público, o bloco econômico dominante teria de vir a ser o Estado autoritário em que efetivamente se transformaria (p.162).
Das 814 páginas deste livro, mais da metade contém transcrições ou fac-similes de documentos. Vale a pena ler. Entre os mais importantes destacam-se aqueles que revelam a vinculação entre o IPES e o IBAD, intermediadas pelo seu braço partidário, a ADP (Ação Democrática Parlamentar, opositora da Frente Parlamentar Nacional, ambas atuantes desde o final do governo Kubitschek). A carta do banqueiro, pagador do IPES, Jorge Oscar de Mello Flores, ao vice-presidente da entidade, Glycon de Paiva, é exemplar. Trata-se de uma minuta com a proposta das "reformas de base" a serem apresentadas pelo IPES (em conjunto com o IBAD, sobretudo quanto à reforma agrária e urbana). Flores aponta as vantagens dessa proposta, com ênfase nos "aspectos técnicos" (contra as propostas "demagógicas" dos "agitadores") e visando colocar a esquerda na defensiva, ao mesmo tempo em que projetava uma imagem favorável, e "progressista", do IPES. A última "vantagem", segundo a carta, seria conseguir, eventualmente, medidas benéficas. ao país e ao regime democrático vigente" (p. 721).
No Apêndice destaca-se, também, por outros motivos, os documentos sobre as relações entre Sonia Seganfredo (agitadora de direita, famosa "dedo-duro" da Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro) e o IPES, a respeito da publicação de seu livreto intitulado UNE, Instrumento de Subversão. Em obra tão séria esta correspondência consegue ser hilariante. A carta do então tenente Heitor de Aquino Ferreira – em papel nominal timbrado! – para Seganfredo, propondo cumplicidade e segredos conspiratórios (em relação à entrevista da autora com o General Golbery) mais parece arquivo do Mickey Mouse contra os Irmãos Metralha. E as patéticas cartas da escritora, querendo ser "reconhecida" como militante do IPES (já "estava muito marcada") mostram, com humor negro, o triste fim dos delatores.
Esta extensa parte documental, justamente por conferir à tese de Dreifuss um alto valor de seriedade e competência, exigiria uma errata para as próximas (e, certamente, numerosas) edições. No arrolamento de milhares de nomes, é compreensível que se cometam enganos. A grafia incorreta de nomes próprios pode, no entanto, causar equívocos intrigantes, como, por exemplo, confundir o financista carioca do IPES, Afonso Almiro, com o nome do político petebista, ex-Ministro de Trabalho de Goulart, Almino Affonso. O que me parece mais importante nas incorreções das listagens – e, repito, importante exatamente pela seriedade da pesquisa – se refere à agregação de pessoas as mais diversas, com intenções, objetivos e formações extremamente díspares. A maior parte dos ipesianos, militantes ou contribuintes, eram diretores de empresas. O que não significa que todos os membros da diretoria de uma determinada empresa participassem do IPES. Nesse sentido, por exemplo, o que haveria em comum entre o milionário Cândido Guinle de Paula Machado e o intelectual Alceu de Amoroso Lima, apresentados lado a lado, como diretores da Editora Agir?
A ampla massa de informações, no corpo do livro, surge intercalada com a encampação explícita (e, a meu ver, algumas vezes pouco apropriada) de conceitos gramscianos como "sociedade civil", "hegemonia", "intelectual orgânico", etc. A perspectiva teórica abrange, ainda, desde o debate sobre o papel do Estado em Milliband e Poulantzas, até os "anéis burocráticos" de Fernando Henrique Cardoso, passando pela "modernização conservadora" de Barrington Moore. O livro é, pois, de árdua leitura – em alguns momentos o acompanhamento de tantos dados com a seqüência do argumento é, literalmente, atordoante – mas será sempre estimulante, quando não surpreendente. Referência obrigatória para todos os que se dedicam ao estudo das malhas do poder no Brasil, a partir do governo Kubitschek, o livro se beneficiaria, para o público mais amplo, de um paciente e generoso trabalho de simplificação metodológica, assim como de maior clareza na interligação dos capítulos e integração das notas.


* Comentário do livro de René Armand Dreifuss, 1964: A conquista do Estado (Ação política, poder e golpe de classe). Petrópolis, Vozes, 1981.         [ Links ](Tradução da tese " State, Class and the Organic Elite: the Formation of an Entrepeneurial Order in Brazil—1961-1965"). O presente texto foi publicado originalmente em Leia Livros, por ocasião do lançamento da obra. Para além da importância intrínseca desta análise há muito inacessível, ela vem publicada aqui como expressão do respeito pela contribuição ao conhecimento de fase crítica da história brasileira recente que devemos ao recentemente falecido René Dreifuss. (N. R.).
1 (1)Referência ao imbroglio causado pela declaração do Ministro Delfim Netto de que os empresários reclamavam, mas viviam "dependurados nas tetas do governo". Junho de 1981.
2 Agradeço às sugestões de José Gregori.
3 Ver, de Oliveiros Ferreira, o comentário no Suplemento Cultural de O Estado de S. Paulo, 19/07/1981.
4 Pedro Samapio Malan: "O debate sobre ‘estatização’ no Brasil". Dados, vol. 24, nº 1, 1981.         [ Links ]
5 A indignação do jornalista Otávio Tirso de Andrade (um defensor convicto da direita mais tradicional) é elucidativa: "O Estado a que chegamos — como definiria o atual regime o saudoso Barão de Itararé – não é o ambicionado pelos liberais mobilizados contra o advento da República Sindicalista. Não foi para elevar os uéki da vida aos arquiducados do estatismo que a pequena burguesia urbana desfilou ‘nas marchas com Deus’ , conta a anarquia janguista". Jornal do Brasil, 13/07/1981, p. 11.

É A ECONOMIA, ESTÚPIDOS!


Como era previsível, o Executivo anunciou que seu plano de governo tinha condições de resolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentados pelo conjunto da sociedade brasileira. Essa ambiciosa proposta, denominada de Plano Trienal de desenvolvimento econômico-social: 1963-1965, foi elaborada pelo renomado e respeitado economista Celso Furtado (Ministro do Planejamento), com a colaboração do jurista e professor San Thiago Dantas (Ministro da Fazenda).
De início, assinale-se que a composição do primeiro ministério presidencialista de Goulart revelaria de forma muito expressiva as ambigüidades, as limitações e o estilo conciliador que predominariam durante todo o governo. No ministério encontravam-se políticos conservadores do PSD, petebistas "fisiológicos" e "nacionalistas" e militares dos setores "duros". O Ministério era, assim, a expressão dos difíceis compromissos assumidos por Goulart para tomar posse: conciliar nacionalistas radicais e setores conservadores além de reformistas, anti-reformistas e simpatizantes socialistas.
Plano Trienal procurava compatibilizar o combate ao surto inflacionário com uma política de desenvolvimento que permitisse ao país retomar as taxas de crescimento semelhantes às do final dos anos 50. Como reconheciam alguns setores de esquerda, o Plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas dominantes, pois afirmava ser possível combater o processo inflacionário sem sacrificar o desenvolvimento. Apesar de não atribuir aos salários efeitos inflacionários, na prática, o Plano pedia – como todos os planos de "salvação nacional" – que os trabalhadores (novamente) "apertassem os cintos", em nome de benefícios que viriam obter a médio e a longo prazo. Os tradicionais apelos à "colaboração" e ao "patriotismo" da classe trabalhadora eram reiterados pelos formuladores do Plano.
Inicialmente, os empresários industriais saudaram a proposta governamental; mas esta sofreria os seus primeiros (e fortes) abalos com os protestos vindos dos setores sindicais e das organizações nacionalistas e de esquerda. Logo nos primeiros dias de fevereiro, o CGT difundia um manifesto em que se denunciava o "caráter reacionário" do plano do governo Goulart. As críticas se aprofundaram a partir do momento em que as conseqüências da política de eliminação de subsídios ao trigo e ao petróleo começaram a ter efeitos sobre os salários das classes populares. CGT, PUA, FPN, UNE e o "grupo nacionalista" do PTB se unem na condenação do Plano Trienal de Furtado e Dantas.
O caso da tentativa de compra da American Foreign Power – Amforp veio comprometer ainda mais a imagem do chamado governo nacionalista. Ao mesmo tempo em que retirava os subsídios para o trigo e o petróleo e cortava investimentos públicos, o governo anunciou que estava prestes a adquirir, por 188 milhões de dólares, doze usinas do setor de energia elétrica norte-americanas. Visivelmente Jango cedia às pressões do governo dos Estados Unidos ao adquirir um autêntico "ferro-velho", como alguns técnicos e burocratas da própria administração federal viriam esclarecer. Tratava-se, assim, de uma "verdadeira negociata" em curso. Diante da grave acusação de "crime de lesa-pátria", por parte da esquerda nacionalista, o governo recuou. (Meses mais tarde, a Amforp seria adquirida por iniciativa do governo de Castelo Branco.)
Ao findar o ano de 1963, o malogro do Plano Trienal era reconhecido por todos: não ocorreu nem desaceleração da inflação nem aceleração do crescimento. Houve, sim, inflação sem crescimento.

1964: O golpe contra as reformas e a democracia


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Caio Navarro de Toledo
Professor da Unicamp



RESUMO
Busca-se argumentar neste artigo que o movimento político-militar de abril de 1964 representou, de um lado, um golpe contra as reformas sociais que eram defendidas por setores progressistas da sociedade brasileira e, de outro, um golpe contra a incipiente democracia política nascida em 1945.
Palavras-chave: Golpe de Estado; Democracia política; Reformas sociais e econômicas.

ABSTRACT
It is our intention in this article to demonstrate that the beginning of the military dictatorship in 1964 represented on one hand a blow against social reforms defended by brazilian progressist groups and on the other hand a blow against the inchoate political democracy established in 1945.
Keywords: Coup d' État; Political democracy; Social and economical reforms.



INTRODUÇÃO
Durante a curta existência do governo João Goulart (setembro de 1961 a março de 1964), um novo contexto político-social emergiu no país. Suas características básicas foram: uma intensa crise econômico-financeira; constantes crises político-institucionais; crise do sistema partidário; ampla mobilização política das classes populares paralelamente a uma organização e ofensiva política dos setores militares e empresariais (a partir de meados de 1963, as classes médias também entram em cena); ampliação do movimento sindical operário e dos trabalhadores do campo e um inédito acirramento da luta ideológica de classes.
Passados quarenta anos, o governo e os tempos de Goulart são ainda objeto de interpretações controversas e antagônicas. Liberais e conservadores atribuem ao período e ao governo apenas aspectos negativos e perversos: "baderna política", "crise de autoridade" e "caos administrativo"; inflação descontrolada e recessão econômica; quebra da hierarquia e indisciplina nas forças armadas; "subversão" da lei da ordem e avanço das forças de esquerda e comunizantes etc.1
Enquanto existe um forte consenso entre liberais e conservadores, divergentes são as visões entre os setores de esquerda acerca da natureza e do significado do governo Goulart. Para estes, vários foram os juízos aplicados: governo de "traição nacional", de orientação social-democrata ou democrático popular; governo populista de esquerda ou nacional-reformista – e até mesmo de "orientação revolucionária".2 Haveria, no entanto, praticamente um consenso entre os setores da esquerda ao interpretarem o período de 1961-1964 como um momento em que a luta de classes no Brasil alcançou um de seus momentos mais intensos, dinâmicos e significativos.3
Neste breve texto, procuramos argumentar que o movimento político-militar de abril de 1964 representou, de um lado, um golpe contra as reformas sociais que eram defendidas por amplos setores da sociedade brasileira e, de outro, representou um golpe contra a incipiente democracia política burguesa nascida em 1945, com a derrubada da ditadura do Estado Novo.
Neste sentido, a seguinte formulação de Florestan Fernandes é aqui plenamente endossada:
O que se procurava impedir era a transição de uma democracia restrita para uma democracia de participação ampliada ... que ameaçava o início da consolidação de um regime democrático-burguês, no qual vários setores das classes trabalhadoras (mesmo de massas populares mais ou menos marginalizadas, no campo e na cidade) contavam com crescente espaço político.4
Assim, de imediato, rejeita-se a versão dos vitoriosos de 1964 que, na busca de legitimação e justificação do movimento, denominaram-no de Revolução.5 Por sua rara lucidez, as palavras do general-presidente Ernesto Geisel deveriam ser levadas mais a sério, até mesmo por historiadores e cientistas políticos não-conservadores. Num depoimento em 1981, afirmou Geisel que "o que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções se fazem por uma idéia, em favor de uma doutrina".6
Para o vitorioso de 1964, o movimento se fez contra Goulart, contra a corrupção, contra a subversão. Estritamente falando, afirmou o general, o movimento liderado pelas Forças Armadas não era a favor da construção de algo novo no país.
Embora lúcidas – na medida em que rejeitavam a noção de Revolução –, as formulações do ex-ditador podem ser objeto de uma releitura. Assim, com legitimidade teórica, podemos ressignificar todos os contras presentes no depoimento do militar. Mais apropriado seria então afirmar que 1964 significou um golpe contra a incipiente democracia política brasileira; um movimento contra as reformas sociais e políticas; uma ação repressiva contra a politização das organizações dos trabalhadores (no campo e nas cidades); um estancamento do amplo e rico debate ideológico e cultural que estava em curso no país.
Em síntese, as classes dominantes e suas elites ideológicas e repressivas, no pré-64, apenas enxergavam baderna, anarquia, subversão e comunização do país diante de legítimas iniciativas dos operários, camponeses, estudantes, soldados e praças etc. Por vezes, expressas de forma altissonante e retórica, tais demandas, em sua substância, reivindicavam o alargamento da democracia política e a realização de reformas do capitalismo brasileiro.

UM GOVERNO NO TRAPÉZIO7
A rigor, o governo de Goulart se inicia em janeiro de 1963, após a contundente derrota do regime parlamentarista. Com o apoio de amplos setores empresariais, e dos setores políticos nacionalistas e conservadores, a campanha para o retorno ao presidencialismo foi vitoriosa. A partir desse momento, Goulart deixava de desempenhar o papel que foi a ele atribuído com a implantação do parlamentarismo; deixava, pois, de ser uma autêntica "rainha da Inglaterra" que, embora reinasse, não governava...
Assumindo o governo no regime presidencialista, a grande indagação que se fazia era: conseguiria Goulart superar a crise econômico-financeira, atenuar as graves tensões sociais e afastar as crises políticas que havia dois anos desgastavam o Executivo federal? As propostas que as diversas classes sociais e setores políticos ofereciam para resolver os problemas da inflação, do endividamento externo, do déficit no balanço de pagamentos e da recessão econômica não deixavam de ter orientações conflitantes e antagônicas.
Nesse sentido, é importante assinalar – como adiante se mostrará de forma mais elaborada – que o período de Goulart foi ideologicamente muito significativo, pois nele se processaram intensos debates – com as orientações teóricas mais diversas (monetaristas, estruturalistas, nacional-desenvolvimentistas) – sobre os rumos e as direções que deveriam orientar a economia e o Estado brasileiros.
Como era previsível, o Executivo anunciou que seu plano de governo tinha condições de resolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentados pelo conjunto da sociedade brasileira. Essa ambiciosa proposta, denominada de Plano Trienal de desenvolvimento econômico-social: 1963-1965, foi elaborada pelo renomado e respeitado economista Celso Furtado (Ministro do Planejamento), com a colaboração do jurista e professor San Thiago Dantas (Ministro da Fazenda).
De início, assinale-se que a composição do primeiro ministério presidencialista de Goulart revelaria de forma muito expressiva as ambigüidades, as limitações e o estilo conciliador que predominariam durante todo o governo. No ministério encontravam-se políticos conservadores do PSD, petebistas "fisiológicos" e "nacionalistas" e militares dos setores "duros". O Ministério era, assim, a expressão dos difíceis compromissos assumidos por Goulart para tomar posse: conciliar nacionalistas radicais e setores conservadores além de reformistas, anti-reformistas e simpatizantes socialistas.
Plano Trienal procurava compatibilizar o combate ao surto inflacionário com uma política de desenvolvimento que permitisse ao país retomar as taxas de crescimento semelhantes às do final dos anos 50. Como reconheciam alguns setores de esquerda, o Plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas dominantes, pois afirmava ser possível combater o processo inflacionário sem sacrificar o desenvolvimento. Apesar de não atribuir aos salários efeitos inflacionários, na prática, o Plano pedia – como todos os planos de "salvação nacional" – que os trabalhadores (novamente) "apertassem os cintos", em nome de benefícios que viriam obter a médio e a longo prazo. Os tradicionais apelos à "colaboração" e ao "patriotismo" da classe trabalhadora eram reiterados pelos formuladores do Plano.
Inicialmente, os empresários industriais saudaram a proposta governamental; mas esta sofreria os seus primeiros (e fortes) abalos com os protestos vindos dos setores sindicais e das organizações nacionalistas e de esquerda. Logo nos primeiros dias de fevereiro, o CGT difundia um manifesto em que se denunciava o "caráter reacionário" do plano do governo Goulart. As críticas se aprofundaram a partir do momento em que as conseqüências da política de eliminação de subsídios ao trigo e ao petróleo começaram a ter efeitos sobre os salários das classes populares. CGT, PUA, FPN, UNE e o "grupo nacionalista" do PTB se unem na condenação do Plano Trienal de Furtado e Dantas.
O caso da tentativa de compra da American Foreign Power – Amforp veio comprometer ainda mais a imagem do chamado governo nacionalista. Ao mesmo tempo em que retirava os subsídios para o trigo e o petróleo e cortava investimentos públicos, o governo anunciou que estava prestes a adquirir, por 188 milhões de dólares, doze usinas do setor de energia elétrica norte-americanas. Visivelmente Jango cedia às pressões do governo dos Estados Unidos ao adquirir um autêntico "ferro-velho", como alguns técnicos e burocratas da própria administração federal viriam esclarecer. Tratava-se, assim, de uma "verdadeira negociata" em curso. Diante da grave acusação de "crime de lesa-pátria", por parte da esquerda nacionalista, o governo recuou. (Meses mais tarde, a Amforp seria adquirida por iniciativa do governo de Castelo Branco.)
Ao findar o ano de 1963, o malogro do Plano Trienal era reconhecido por todos: não ocorreu nem desaceleração da inflação nem aceleração do crescimento. Houve, sim, inflação sem crescimento.
Tão logo se esboçou o fracasso do plano – antes mesmo da conclusão do primeiro semestre de 1963 –, o governo Goulart passou a empunhar de forma mais enérgica a bandeira das reformas de base (agrária, bancária, fiscal, eleitoral etc.). Como reconhecia o Plano, as reformas eram indispensáveis a fim de que o capitalismo industrial brasileiro pudesse alcançar um novo patamar de desenvolvimento. Concomitantemente, os setores da esquerda nacionalista erigiam as reformas como condições indispensáveis à ampliação e fortalecimento da democracia política no país. Sem as reformas sociais e econômicas que poderiam promover uma melhor distribuição da renda e menor desigualdade regional, a democracia capitalista continuaria sendo – afirmavam os documentos das esquerdas – um mero formalismo, pois distante das necessidades e demandas das classes populares e trabalhadoras.

O GOLPE CONTRA AS REFORMAS E A DEMOCRACIA
a) Em toda nossa história republicana, o golpe contra as frágeis instituições políticas do país se constituiu em ameaça permanente. Seu fantasma rondou, em especial, os governos democráticos no pós-46; com maior intensidade, a partir dos anos 60.
Assim, pode-se dizer que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro do golpe de Estado. Goulart foi empossado em setembro de 1961, após a fracassada tentativa golpista de Jânio Quadros. Com sua inesperada renúncia, JQ visava, contudo, o fechamento do Congresso que lhe fazia oposição. Não tendo o povo saído às ruas para exigir dos militares a volta do renunciante, o golpe se frustrou. A emenda parlamentarista, imposta ao Congresso nacional pela junta militar, pode ser interpretada como um "golpe branco". O Congresso, acuado e ameaçado pela espada, reformou a Constituição sob um clima pré-insurreicional, contrariando, assim, dispositivos constitucionais da Carta de 46.
Em outubro de 1963, alegando a necessidade de impedir "grave comoção interna com caráter de guerra civil",8Goulart – por imposição de seu dispositivo militar – tentou impor ao Congresso o estado de sítio. Se o estado de exceção visava silenciar Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, quem poderia negar que líderes de esquerda como Miguel Arrais e Leonel Brizola não estariam também incluídos na "lista saneadora" elaborada pelos militares, com a inteira anuência do próprio Goulart?
Em abril de 1964, o golpe de Estado – permanentemente reivindicado por setores da sociedade civil – foi, então, plenamente vitorioso.
b) O golpe estancou um rico e amplo debate político, ideológico e cultural que se processava em órgãos governamentais, partidos políticos, associações de classe, entidades culturais, revistas especializadas (ou não), jornais etc. Assim, nos anos 60, conservadores, liberais, nacionalistas, socialistas e comunistas formulavam publicamente suas propostas e se mobilizavam politicamente em defesa de seus projetos sociais e econômicos.
De forma sumária e esquemática, mencionemos apenas algumas das propostas ideológicas formuladas no período pós-guerra e no pré-64:9
1) Liberalismo não-desenvolvimentista, de orientação não-industrialista. "Neoliberais" reunidos em torno da UDN, da FGV, do Conselho Nacional de Economia, da Associação Comercial do Estado de São Paulo e outras entidades. Entre os mais conhecidos defensores destas posições estavam Eugênio Gudin e Octávio Bulhões;
2) Liberalismo desenvolvimentista, de orientação não-nacionalista. Perspectiva ideológica que se vincula à burocracia pública. Entidades representativas: BNDE, Comissão Mista Brasil–EUA. Entre seus economistas, destacam-se Roberto Campos, Lucas Lopes, Glycon de Paiva etc.;
3) Desenvolvimentismo privatista: CNI, FIESP. "Herdeiros" de Roberto Simonsen: João Paulo de A. Magalhães, Hélio Jaguaribe e outros;
4) Desenvolvimentistas nacionalistas. Entidades como ISEB,10 CEPAL, setores do BNDE, PTB. Figuras representativas: Celso Furtado, Ignácio Rangel, Rômulo de Almeida, Evaldo C. Lima, Guerreiro Ramos e Vieira Pinto;
5) Socialistas/Comunistas. PCB e PSB. Intelectuais representativos: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Alberto Passos Guimarães e outros.
Inúmeras revistas especializadas e não-acadêmicas, semanários e jornais traduziam e difundiam essas correntes teóricas e ideológicas. A esse respeito, vejamos a questão do ângulo dos setores progressistas. Não tendo acesso aos meios de comunicação de massa, a esquerda nacionalista e socialista, além de seus órgãos de imprensa (jornais, revistas etc.), buscava difundir as propostas reformistas do nacional-desenvolvimentismo – ou mesmo da revolução socialista – por meio de experiências como o teatro, o cinema, a música e as artes plásticas.
cinema novo – com limitação de recursos, mas com o generoso lema de "uma idéia na cabeça e uma câmera na mão" – colocou as camadas populares (no campo e na cidade) como protagonistas centrais de suas narrativas. Assim, os primeiros e excelentes filmes de Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra e outros se tornaram possíveis a partir desse novo contexto político e ideológico que se constituía no país.
O movimento estudantil – através de sua representação maior, a UNE e as UEEs – teve atuação destacada nessa nova modalidade de agitação política e debate cultural. Além de defender a reforma universitária, o ME buscava associar-se aos demais movimentos de orientação nacionalista e reformista; através de caravanas que percorriam o país, eram exibidas peças teatrais e divulgadas músicas que debatiam o subdesenvolvimento, as reformas de base, a revolução, o imperialismo etc.
Esse variado e promissor contexto cultural e ideológico levou um arguto crítico a afirmar que, no pré-64, o Brasil começava a ficar "irreconhecivelmente inteligente".11
c) Mas, o golpe também visou estancar a democracia que se expressava pela demanda da ampliação da cidadania dos trabalhadores urbanos e rurais.
No triênio 1961-1963, o sindicalismo brasileiro alcançou um de seus momentos de mais intensa atividade. Enquanto de 1958 a 1960, sob o governo JK, haviam ocorrido cerca de 180 greves, nos três primeiros anos de Goulart foram deflagradas mais de 430 paralisações. Nesse mesmo período, diferentes organizações de coordenação dos sindicatos, no plano regional e nacional, foram criadas. Embora proibida pela rígida legislação sindical então vigente, o Comando Geral dos Trabalhadores – CGT teve uma destacada atuação na cena política brasileira. Juntamente com outras centrais sindicais de menor vulto, o CGT foi responsável pelas primeiras greves de caráter explicitamente político na história brasileira.
Para afronta dos setores de direita, as lideranças do CGT eram recebidas em Palácio pelo presidente da República e reconhecidas como interlocutores de importantes dirigentes partidários. A imprensa conservadora designava o CGT como o "quarto poder", reforçando o fantasma, forjado na época de Vargas, de que Goulart visava instituir no país uma "República sindicalista".
Durante todo o período, foi muito estreita a vinculação do CGT com o governo Goulart. Embora não se possa afirmar que tenha sido apenas "massa de manobra" do governo – pois reivindicava sua autonomia política –, o CGT colaborou estreitamente com Goulart, apoiando-o abertamente na maioria de suas iniciativas políticas. Tal compromisso era justificado pelo fato de a ideologia nacional-desenvolvimentista, elaborada pelo PCB e hegemônica dentro do CGT, ser convergente com as propostas reformistas de Goulart.
O caráter populista do governo aqui se manifestava de forma nítida e exemplar. As ações do sindicalismo – seja através de suas greves na defesa de reivindicações estritamente econômicas ou de caráter político – eram toleradas e até mesmo incentivadas por Goulart, pois serviam ao projeto nacional-reformista. No entanto, o controle político da CGT por lideranças sindicais independentes – por exemplo, por parte do PCB e do "grupo compacto" do PTB – sempre foi combatido por Goulart e por sua assessoria sindical. Em todo o período, Goulart revelou clara preferência por lideranças e organizações sindicais que, em troca de sua independência política e ideológica, recebiam facilidades e favores governamentais.
Como se sabe, o mito do "quarto poder", representado pelo CGT, veio abaixo inteiramente com o fracasso da organização em oferecer qualquer resistência à ação dos golpistas de abril.
d) A luta pela cidadania política dos trabalhadores do campo também constituiu uma realidade nova na história social do país. As Ligas Camponesas, que notabilizaram o advogado e deputado federal Francisco Julião, nasceram das lutas de resistência de pequenos agricultores e não-proprietários contra a tentativa de expulsão das terras onde trabalhavam; de 1959 a 1962, as Ligas tiveram uma acelerada expansão em todo o Nordeste. Contestavam elas a dominação política e econômica a que as populações rurais estavam secularmente submetidas. Em algumas localidades, ocorreram conflitos armados entre camponeses e proprietários de terras; lideranças camponesas eram perseguidas e assassinadas a mando dos latifundiários, alarmados com a politização das massas rurais.12
Na luta pela Reforma Agrária, as Ligas se associaram às demais organizações políticas progressistas do país, participando – tal como ocorre hoje com o MST – de comícios, passeatas e manifestações no Congresso em defesa das reformas de base, em particular da Reforma Agrária.
Extensas reportagens, em revistas e jornais do Brasil e do exterior, informavam seus leitores acerca da ação e dos objetivos, "subversivos" e "revolucionários", das Ligas Camponesas. O Nordeste, faminto e sedento, estava a um passo de uma radical e violenta "guerra camponesa", era a conclusão a que se chegava com a leitura dessas alarmistas reportagens da grande imprensa.
e) No pré-64, outras reivindicações políticas visavam o alargamento da democracia liberal vigente no país: entre elas, o direito de voto aos analfabetos, o direito dos setores subalternos das forças armadas de postularem cargos eletivos (a carta de 46 lhes vedava esse direito) e a legalidade do Partido Comunista Brasileiro, posto fora da lei desde 1947. Embora alguns de seus membros conseguissem ser eleitos por outros partidos, embora tivesse lideranças em sindicatos, editasse revistas e semanários,13 o PCB não podia realizar seus encontros e reuniões senão de forma clandestina e sob permanente repressão policial. A inexistência do pluralismo ideológico-partidário no pré-64 se constituía, assim, numa séria deformação da democracia política no país.
f) O golpe de 64 visou também estancar o debate político que, no Congresso e na sociedade, estava centralizado em torno das reformas sociais e políticas. De forma sintética, situemos o caso da reforma agrária – o carro-chefe das reformas sociais e econômicas.
Desde o parlamentarismo, Goulart levantou a bandeira da reforma agrária; em discurso no dia 1º de maio de 1962, o presidente propunha a revisão do Artigo 141 da Carta de 1946 que condicionava as desapropriações de terra à "prévia indenização em dinheiro". Para o conjunto dos partidos e movimentos sociais que defendiam as reformas,14 a manutenção desse artigo da Constituição, na prática, inviabilizava a reforma agrária.
Desde essa época, entidades ruralistas, setores da Igreja católica, partidos liberais conservadores (UDN e setores majoritários do PSD) e a grande imprensa, por exemplo – radicalmente contrários à revisão constitucional – fizeram campanha nacional contra a chamada reforma agrária "radical" do governo.
Na perspectiva nacional-desenvolvimentista, a reforma agrária era essencial para que o capitalismo industrial no Brasil pudesse alcançar um nível superior de desenvolvimento. De um lado, era preciso aumentar a produção agrícola (alimentos, matérias-primas para a indústria etc.) ao mesmo tempo em que se buscava ampliar o mercado interno para os bens manufaturados. De outro lado, prevendo situações crescentes de tensões e conflitos sociais, propunha-se uma melhor distribuição de terras improdutivas. Num depoimento, Darci Ribeiro, um dos mais íntimos assessores de Goulart, sintetizou a visão do governo sobre o assunto: "Jango, latifundiário, queria fazer a reforma agrária para defender a propriedade e assegurar a fartura, evitando o desespero popular e a convulsão social".15
Ao contrário do que avaliavam os setores reacionários dos proprietários rurais, da alta hierarquia da Igreja católica, da UDN e do PSD, muito longe das intenções de Goulart estava a abolição da propriedade privada que daria início à "comunização" do país... Como sinceramente declarou em várias oportunidades, Goulart entendia ser possível – com as reformas sociais – consolidar o capitalismo industrial brasileiro e torná-lo mais humano e patriótico. Ou seja, nos anos 60, o mito de um capitalismo nacional e civilizado – tal como ainda hoje aparece no debate ideológico – era alimentado por Goulart e por alguns setores progressistas e nacionalistas.
A manutenção do latifúndio e as profundas desigualdades sociais no campo eram, assim, fatores decisivos para a manutenção de uma democracia política muito distante das aspirações e necessidades das classes populares. Democracia profundamente limitada, pois incapaz de superar o clientelismo, o mandonismo, os currais eleitorais e o poder incontestável do latifúndio e dos coronéis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao afirmarmos que o golpe de 1964 teve como protagonistas principais as facções duras das forças armadas e o empresariado nacional (através de seus partidos, entidades de classe e aparelhos ideológicos)16 – com o decidido apoio e o incentivo da embaixada e de agências norte-americanas (Departamento de Estado, Pentágono e outras)17 –, não significa que devemos isentar os setores nacionalistas e de esquerda pelo dramático desfecho do processo político.
Comportamentos, gestos e declarações – altissonantes e, a rigor, autênticas bravatas – de lideranças progressistas contribuíram para o agravamento do processo político. Neste sentido, será a partir do comício pelas reformas no dia 13 de março, sexta-feira, que a crise política se agudizará. Assim, paralelamente às versões alarmistas, forjadas pelos setores conservadores, alguns gestos e declarações de lideranças importantes do movimento nacionalista – pelo radicalismo verbal de que se revestiram – tiveram o efeito inesperado de unificar a direita civil e militar.
Depois desse comício, a batalha ideológica se ampliou; no noticiário dos jornais, se intensificaram os boatos de que Goulart – com o apoio do PCB, do CGT e das forças políticas nacionalistas – preparava um golpe de Estado.18
No entanto, em termos de palavras e gestos, Goulart foi o protagonista mais eloqüente do drama que se encenaria nas duas últimas semanas de março. Dois gestos de Goulart podem ser interpretados como os de um ator que, de forma desesperada e agônica, se lança de peito aberto diante de seus adversários ou algozes.
Primeiro ato: sua complacência em relação à insubordinação de cabos e marinheiros no Rio de Janeiro. Ao anistiar os revoltosos, o presidente afrontou o ministro da Marinha que, dias antes, tinha punido os "rebeldes"; provocou, assim, a indignação de toda a corporação militar. Na passeata dos marinheiros que comemorava o indulto presidencial, Candido Aragão, conhecido como o "almirante vermelho" ou "almirante do povo", foi carregado em triunfo.
Segundo ato: o panfletário discurso do Presidente numa assembléia de marinheiros, no Automóvel Clube do Brasil, na noite de 30 de março.
Transmitido pela televisão, diante de um auditório repleto de soldados, sindicalistas e políticos nacionalistas, Goulart denunciou as forças reacionárias e golpistas. Com veemência defendeu – para a redenção do país – a necessidade de um "golpe das reformas". As palavras eloqüentes e os gestos dramáticos do presidente da República muito se assemelhavam à carta-testamento de Vargas. Sem atirar contra o próprio peito, Goulart parecia decidir pelo suicídio político.
Depois desses dois episódios, a sorte do governo Goulart estava definitivamente selada. Poucas horas após a transmissão de seu discurso, tropas comandadas por oficiais golpistas de Minas puseram o pé na estrada. Trocas de telefonemas entre oficiais foram suficientes para neutralizar o chamado "dispositivo militar" de Goulart.
Mas, diante de insinuações de que os setores progressistas e de esquerda – pela intransigência de suas demandas e ações – também devem ser responsabilizados pelo desfecho dos acontecimentos de abril de 1964, é preciso sempre lembrar e ressaltar que quem planejou e desencadeou o golpe contra a democracia foram as classes dominantes através de suas forças políticas e entidades de classe.19 Como ressaltamos, os setores conservadores e liberais da sociedade civil – as chamadas "vivandeiras de quartel" –, durante todo o período republicano se manifestaram resolutamente contrários à ampliação das liberdades políticas e dos direitos sociais das classes populares e dos trabalhadores. Desde 1950, manobras golpistas foram tentadas, intensificando-se a partir da renúncia de Jânio Quadros.
O golpe de 1964 veio, pois, coroar as tentativas anteriormente fracassadas. Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelas classes dominantes e seus ideólogos, civis e militares, como uma autêntica Revolução. Aliviadas por não terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas congratularam-se com os militares e políticos brasileiros pela "solução" encontrada para superar a "crise política" no país.
O governo Goulart que, nos últimos dias de março de 1964, contava com elevada simpatia junto à opiniãopública,20 ruiu como um castelo de areia. As classes populares e trabalhadoras estiveram ausentes das manifestações e passeatas que, em algumas capitais do país, pediam a destituição de Goulart. Embora não se opusessem ao governo, os setores populares e os trabalhadores nada fizeram para evitar a derrubada do governo. As forças políticas que afirmavam representar esses setores nenhuma ação significativa desenvolveram para impedir o golpe que há muito tempo se anunciava no horizonte político. O golpe de 64, bem sabemos, não foi um raio em céu azul...
Desarmadas, desorganizadas e fragmentadas, as forças progressistas e de esquerda nenhuma resistência ofereceram aos golpistas. Alegando que não queria assistir a uma "guerra civil" no país, Goulart negou-se a atender alguns apelos de oficiais legalistas no sentido de ordenar uma ação repressiva – de caráter intimidatório – contra os sediciosos que vinham de Minas.21 Preferiu o exílio político.
No discurso de lideranças de esquerda, a expressão "cabeças cortadas", dirigida contra os eventuais golpistas, tinha um sentido metafórico; com a ação dos "vencedores de abril", ela se tornará uma cruel realidade para muitos homens e mulheres durante os vinte anos da ditadura militar.

NOTAS
1 Eugênio Gudin, num de seus artigos – amplamente difundidos pela grande imprensa brasileira no pré-64 –, talvez sintetize a visão dos setores liberais-conservadores: "Temos tido governos inertes e governos incapazes, que pecaram largamente por omissão, deixando belas oportunidades para agir em benefício do país. Mas nunca tivemos ... um governo tão encarniçadamente decidido a destruir, desmoralizar e até a prostituir tudo quanto neste país existe de organizado". Por um Brasil melhor, Rio de Janeiro, APEC, s.d. Ressalvadas algumas expressões ultramontanas do (reconhecido) patrono dos economistas (neo)liberais brasileiros, não seria outro o juízo de alguns notáveis discípulos seus. Roberto Campos, Delfim Netto, Octavio Bulhões, Mário Henrique Simonsen, João Paulo Veloso – que desempenharam funções relevantes na formulação das políticas econômicas dos governos militares – partilhavam, juntamente com os demais liberais brasileiros (udenistas ou não), dessa sectária visão. Deve ser dito, no entanto, que essa percepção – de um governo que atentava contra a ordem legal e que conduzia o país à anarquia política – teve ampla difusão, particularmente nos últimos meses de Goulart. O Correio da Manhã– que, em 1961, desafiando o veto militar, apoiou a posse de Goulart – publicou no dia 31 de março de 1964 um editorial com o título "Basta!". Nele, deplorava-se a conduta do presidente da República e, explicitamente, defendia-se a destituição de Goulart. Sabe-se que, entre os que redigiam o editorial político do Correio da Manhãestavam respeitados jornalistas de convicções democráticas e progressistas, tais como Otto Maria Carpeaux, Edmundo Moniz, Newton Rodrigues e Osvaldo Peralva. Cf. GASPARI, E. A ditadura envergonhada, São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p.65.        [ Links ]
2 Para Paulo Schilling, o governo Goulart "foi o mais eficiente agente das classes dominantes e do imperialismo na contenção do avanço popular. De traição em traição chegou ... à entrega do poder à direita". Como a direita se coloca no poder, São Paulo: Global, 1979. Na avaliação de Darci Ribeiro, o governo de Goulart foi derrubado "porque ele era uma ameaça inadmissível para a direita e inaceitável para os norte-americanos. Daí a contra-revolução preventiva..." In: DANTAS MOTA, L. (Coord.) A história vivida II. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1981.        [ Links ]
3 Para o historiador Jacob Gorender, o período "marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros" no século XX. Para ele, "nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo". Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada, 2.ed. São Paulo: Ática, 1987, p.66-7.        [ Links ]
4 FERNANDES, F. Brasil, em compasso de espera, São Paulo: Hucitec, 1980, p.113.        [ Links ]
5 Para a extensa maioria dos críticos do movimento de março e abril de 1964, tratou-se de um golpe de Estado que derrubou um governo burguês democrático com orientação reformista e progressista. Autores como F. Fernandes, J. Gorender e D. Ribeiro buscam qualificar a natureza do golpe: tratou-se de uma contra-revolução. A frase de F. Fernandes, antes citada, expressa bem esse ponto de vista. Gorender acredita que a intensidade da luta de classes no período – com a possibilidade de eclodir uma revolução anticapitalista – qualifica o golpe como tendo um caráter "contra-revolucionário preventivo". Nas suas palavras, "a classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse". Gorender, op. cit., p.67.
6 Apud GASPARI, A revolução envergonhada, p.138. Com freqüência, mesmo autores de orientação crítica se utilizam da prestigiosa noção de "Revolução" reivindicada pelos golpistas de abril. Um exemplo disso aparece no útil livro Visões do golpe: a memória militar sobre 1964 (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994) que reúne depoimentos de lideranças militares golpistas, reunidos por M. Celina D' Araujo, Gláucio Soares e Celso Castro. Embora para os autores a noção mais adequada esteja no próprio título do livro, por vezes a palavra Revoluçãoaparece em várias questões formuladas aos entrevistados. Certamente, trata-se de uma linguagem concessiva. Esse estilo de intervenção – linguagem mais moderada (menos "radical") – é hoje bastante freqüente, entre intelectuais e autores progressistas, quando têm seus textos publicados na grande imprensa ou por ocasião das entrevistas que concedem às rádios e às emissoras de televisão. Será esse o preço que se paga pelo privilégio de ter algum espaço na mídia burguesa?
Da mesma forma, o uso da expressão "regime autoritário" – não o de ditadura militar – para definir o período de 1964 a 1985 foi bem mais extenso na bibliografia histórica e política. A esse respeito, talvez um dos méritos da festejada obra de Elio Gaspari – três livros da série de cinco já foram publicados – resida na consagração do termo ditadura (os nomes dos três livros não deixam margens à dúvida: A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada e A ditadura derrotada).

7 Este item retoma argumentos de momento de meu livro, O governo Goulart e o golpe de 1964. São Paulo: Brasiliense, 16.ed., 1996.        [ Links ]
8 Em 12 de setembro de 1963, em Brasília, centenas de sargentos, fuzileiros navais e soldados da Aeronáutica e da Marinha invadiram prédios da administração federal em protesto contra decisão do STF que não reconheceu o direito de elegibilidade dos sargentos para o Legislativo. O CGT e a UNE manifestaram simpatia para com a reivindicação dos subalternos. A 4 de outubro, Goulart envia mensagem ao Congresso solicitando a decretação do estado de sítio por 30 dias. O movimento nacionalista é vitorioso ao derrotar a exigência dos "duros" das Forças armadas.
9 Para organizar esse quadro do debate teórico-ideológico no Brasil dos anos 50 e 60, valho-me do livro de Ricardo Bielschowsky, Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. São Paulo: Contraponto, 3.ed., 1996.        [ Links ]
10 Sobre as diferentes formulações existentes no interior do ISEB, veja-se TOLEDO, C. N. de. ISEB: fábrica de ideologias. Campinas: Ed. Unicamp, 2.ed., 1996. É         [ Links ]extensa a bibliografia existente sobre a Cepal.
11 SCHWARZ, R. O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.        [ Links ]
12 O notável filme-documentário Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho, ilustra bem esse contexto de lutas e conflitos no campo brasileiro no pré-64.
13 Publicavam-se nessa época o jornal Novos Rumos e a revista Estudos Sociais, além de divulgar-se a revista Problemas da paz e do socialismo, do PC da URSS.
14 No Congresso nacional atuava, em defesa das reformas, a quase totalidade do PTB e do PSB. Durante o governo Goulart, criou-se a Frente Parlamentar Nacionalista – FPN, que reunia, além dessas duas legendas, parlamentares nacionalistas do PSD, da UDN e dos demais partidos. A Frente de Mobilização Popular – FMP, por seu lado, agregava um conjunto de forças políticas e movimentos sociais que se orientavam pela ideologia nacional-desenvolvimentista. Nesse sentido, agrupava a FPN, o CGT, o PCB, as Ligas camponesas, a UNE, o movimento nacional dos cabos e sargentos etc. No interior da UNE, atuavam pequenos grupos de esquerda – Polop, AP, MRT e outros.
15 Darci Ribeiro, em DANTAS MOTA, op. cit.
16 O livro de René Dreifuss, 1964: a conquista do Estado (Rio de Janeiro: Vozes, 1981), é         [ Links ]ainda o documento mais completo sobre a atuação do empresariado nacional e do capital multinacional na preparação e desencadeamento do golpe de 1964.
17 A rigor, o golpe não começou em Washington, como afirmava o título do livro do jornalista E. Morel. No entanto, desde a publicação dos documentos revelados pelo jornalista Marcos Sá Corrêa e vários outros trabalhos e depoimentos, posteriormente editados no Brasil e no exterior, fica comprovada a ativa participação e apoio norte-americanos ao golpe. A ditadura envergonhada, de E. Gaspari, jornalista que não revela nenhuma simpatia pela historiografia de esquerda, confirma a atuação do Pentágono e do Departamento de Estado dos Estados Unidos nos episódios de abril. Além disso, o ostensivo trabalho nos bastidores (e à luz do dia) do embaixador norte-americano Lincoln Gordon, durante os últimos meses do governo Goulart, não pode suscitar nenhuma dúvida acerca do relevante papel desempenhado por seu país na queda do governo constitucional de Goulart.
18 No comício, uma das dezenas de palavras de ordem pedia a "reeleição de Goulart"; outra, a reforma constitucional com Jango no governo. Luis Carlos Prestes (PCB) e outras lideranças nacionalistas, entusiasmados com o discurso de Goulart e com a repercussão do Comício, cogitaram, num primeiro momento, da hipótese de uma "Constituinte com Goulart". No entanto, no Suplemento especial de Novos Rumos (27 mar. a 2 abr. 1964), órgão oficial do PCB, "Teses para Discussão", nada se encontra sobre essa controvertida palavra de ordem. As reformas da Constituição que eram propugnadas nas Teses visavam viabilizar a reforma agrária, o voto dos analfabetos, a legalização do PCB etc.
19 Como se afirmou, algumas das declarações de lideranças de esquerda podem ter contribuído para unificar ainda mais a reação golpista. Brizola, no comício do dia 13, falou em "derrogação do Congresso"; Prestes teria dito – de forma defensiva, mas num tom abusivo – que as cabeças dos golpistas iriam rolar caso ousassem dar o primeiro passo. Julião falava da força das milícias camponesas na defesa da legalidade. Mas, não existem evidências consistentes para se concluir que as esquerdas tramavam ou apoiariam um golpe contra as instituições democráticas do país, caso Goulart (via "dispositivo militar") – para a realização das reformas – tomasse essa iniciativa. Sem poder argumentar aqui, minha hipótese sobre o fundamento de recentes formulações, no campo progressista, que atribuem propósitos "golpistas" aos setores de esquerda é a seguinte: para aqueles que se inspiram nas teses difundidas pelo eurocomunismo (ou "esquerda democrática", entre nós), qualquer perspectiva ou política de esquerda que conteste a universalidade da legalidade democrático-burguesa é acoimada ou denunciada como "golpista".
20 Segundo pesquisa do Ibope, realizada na capital paulista entre 20 e 30 de março, João Goulart tinha um apoio significativo dos eleitores da maior cidade do país: o governo era considerado ótimo por 7% dos quinhentos entrevistados, bom por 29% e regular por 30%; era mau apenas para 7%, péssimo para 12% e 9% não sabiam responder. Assim, entre ótimo/bom e regular, o governo tinha aprovação de cerca de 66% dos eleitores da capital de São Paulo. (Naqueles dias, como vimos, na capital paulista, ocorreu uma das maiores manifestações contra o governo.) A insuspeita pesquisa foi encomendada pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, uma das entidades que apoiaram ostensivamente o golpe. Jornal da Unicamp, edição 204, 24 fev. a 9 mar. 2003. Sem retirar dessa pesquisa (parcial) conclusões maiores sobre a "popularidade de Goulart", ressalte-se, no entanto, que a cidade de São Paulo não tem sido, desde os anos 50, reduto de candidatos "progressistas". O PTB nunca teve ali uma base eleitoral forte e a capital – bem como o conjunto do estado – tem se notabilizado por eleger candidatos conservadores; para lembrar alguns deles, Adhemar de Barros, Jânio Quadros (por diversas vezes), Carvalho Pinto, Paulo Maluf. Lembre-se que na eleição de 1989, a vitória do pseudo "caçador de marajás" F. Collor de Melo apenas foi possível em virtude do contingente de votos que obteve no estado de São Paulo.
21 O sociólogo Herbert de Souza (Betinho), cujas opiniões nunca poderiam ser consideradas de "esquerdistas" ou de "radicais", numa entrevista, ponderou o seguinte: "Acho que houve falta de direção política articulada com a resistência militar. Se as tropas de Mourão tivessem sido atacadas, elas se entregariam. Se esse movimento tivesse sido abortado lá, o General Amaury Kruel continuaria em cima do muro. O II Exército não se definiria, a Vila Militar não desceria, e, provavelmente, o golpe teria outro resultado". In MORAES, D. de. A esquerda e o golpe de 64. Rio de Janeiro: Espaço e tempo, 1989.         [ Links ]
Artigos de Werneck Sodré, Jacob Gorender e J. Quartim de Moares sobre essa questão se encontram em TOLEDO, C. N. de. (Org.) 1964: visões críticas do golpe. Democracia e reformas no populismo. Campinas: Ed. Unicamp, 2001.        [ Links ]