sábado, 6 de abril de 2019

Jogo tautológico da dialética: o sentido como escolha


O problema não é a tautologia ou a dialética, pois esses são modos do jogo; o problema é a perfeição do sentido que tal jogo tem para nós, pois dificilmente conseguimos, ou melhor, queremos, variar as regras. Jogamos o jogo da duração, e fazemos do mundo um palco onde possamos encenar nosso compromisso. Palco da vida no qual jogamos o jogo do duplo e inventamos pares que se remetem mutuamente: empírico e transcendental, essência e aparência, qualidades primeiras e qualidades segundas, fatos e valores, natureza universal e cultura relativa, inato e ação humana, semelhança e diferença; .dicotomia universal do osso e da carne. (Duvignaud 1979:80), elementos do nosso pensamento, realidade atualizada pela ação vesga dos atores, membros comprometidos com um modo de descrição: a representação, o modo da dobra, a .fonte principal de infecção. (Latour 2004:78). Como vimos no capítulo anterior, os limites, as positividades, as fronteiras, atualizam a dobra do espaço no tempo ou do tempo no espaço . atualizam o tempo e o espaço como dobra, intervalo. Assim, é possível o .quadro. que permite ao pensamento .ordenar. as similitudes e as diferenças, permite à linguagem se entrecruzar com o espaço e fundar o .lugar. onde o contínuo do tempo pode vir a repousar, a durar (Foucault 1999: XII). Lugar como .tábua de trabalho. (Foucault 1999: XII), solo positivo prenhe de positividades (de vida, trabalho e linguagem) que posicionam o olhar, determinando e delimitando a ação e a atenção. Com que descrição ocupar o intervalo? Com a do lugar, o corpo estabelecido, determinado, estado, significado pela linguagem . figuração de um significante. Ocupar um lugar é possuir uma forma, ponto de vista que se reflete no espelho. Se o pensamento moderno é uma .relação de sentido com a forma da verdade e a forma do ser. (Foucault 1999: 287) e o estruturalismo é a .consciência desperta e inquieta do saber moderno. (Foucault 1999: 287), então nós nos perguntamos qual a relação do sentido com a forma, da forma com o estruturalismo e do estruturalismo com o sentido, ou seja, a forma da relação de sentido que os estruturalistas imaginam e inventam, que figuram.

Não é difícil perceber essa figuração, pois o estruturalismo dá perfeitamente conta de pensar a forma devido à sua .concepção exclusivamente extensivista da diferença. (Viveiros de Castro 2001: 10). A ordem encontra o seu sentido no intervalo, na instauração do discreto no contínuo, na relação de oposição entre diferenças, que são intervalos no contínuo da semelhança. O sentido é .necessária e unicamente de posição. (Deleuze 1982: 276), de lugar relacional, ou seja, de ponto de vista. O espaço é que é estrutural para o estruturalismo. A estrutura não é a forma, a figura ou a essência (Deleuze 1982: 275). A estrutura é o sujeito, o estruturador, que se move num espaço estrutural e dura num tempo estrutural, num .tempo de atualização. (Deleuze 1982: 285).

.Atualizar-se é diferenciar-se. (Deleuze, 1982: 284); ocupar lugares e impor intervalos entre eles. Atualizar-se é o estruturar da estrutura, que é .diferencial em si mesma e diferenciadora em seu efeito. (Deleuze 1982: 285); enquanto virtualidade, .indiferenciação.; enquanto atualização, diferença (Deleuze 1982: 284). Atualizar virtualidades, diferenciar indiferenciações, distribuir posições, lugares: eis a prática de sentido no estruturalismo, com seus modos de tempo de atualização e espaço de diferenciação. .O verdadeiro sujeito é a própria estrutura., diz Deleuze (1982: 282). Sujeito que produz espécies e partes, e que as faz aparecer como reflexos recíprocos e infindáveis.

Modo de ser do Tonal de nosso Tempo? Jogo possível! Jogo tautológico da dialética: praticar o sentido é realizar uma escolha, definir lugares para as coisas e lhes determinar uma duração, uma atualidade permanente. Praticar o sentido é dicotomizar o mundo em pares opostos, pensar a ordem possível perante o caos, definir as fronteiras, os limites, as formas de que a vida necessita, as positividades que a posicionam, que atualizam o ser do tempo no estar do espaço (estado do ser). O sentido é a .realidade do possível enquanto tal. . efetuação do possível exprimido na linguagem ou no signo (Viveiros de Castro 2001:08).

Construir sentido, fabricar significado é criar e experimentar contextos, ambientes de relação e relacionais; produzir relações convencionadas que permitem a comunicação, o diálogo, o entendimento. Rotulamos, nomeamos a relação de sentido, a associação de símbolos, como realidade. Mas não há realidade absoluta e unânime, pois o que há é relativismo, ou seja, relação (Wagner 1981). Relação que desafia a instituição de um exterior e um interior: os elementos que se relacionam no interior do contexto participam também em contextos externos (Wagner 1981: 41). Porém, a dialética é o jogo do duplo e a convenção é a regra que torna esse jogo permanente, duradouro. Estabelecendo, repartindo os distintos domínios entre o par de uma dicotomia clássica, a do inato e da ação humana, a Cultura, o mundo de pensamento e ação, pode reproduzir seu reinado, seu desígnio. Este modo ou estilo convencional que Wagner (1981) descreve pressupõe a existência de contextos antes da ação, contextos ou relações inatas, básicas; e a única ação pertinente é descobrir estas células-tronco, separando os contextos, mascarando a relação em seus termos (Wagner 1981: 41). Ação do sujeito, do ator, do homem comum, que assinou o compromisso de fazer cultura. Ilusão cultural . ilusão necessária?

Ana Maria Ramo y Affonso

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