http://www.scielo.br/pdf/rep/v29n3/a17v29n3.pdf
Chama a atenção o fato de que os casos mais agudos de fragilidade financeira registrados na crise de 2008 envolveram instituições financeiras que não tinham, pela norma existente antes de sua eclosão, acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações de redesconto das autoridades monetárias. Essa característica é própria daquilo que vem sendo denominado de global shadow banking system. Esse termo foi empregado, pela primeira vez por Paul McCulley (2007), diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a Pimco. Note-se que, entre as medidas adotadas pelo Fed e por outros bancos centrais, encontra-se a abertura do acesso às operações de redesconto – com a aceitação de títulos lastreados em crédito hipotecário e outros – a essas diversas instituições que não podiam utilizá-las como os bancos de investimentos e as GSE. Entretanto, essas medidas revelaram-se insuficientes para conter o “desmanche” do global shadow banking system, pois, buscando sobreviver, venderam avidamente os ativos para os quais ainda existia mercado, provocando acentuada desvalorização de seus preços.
Esse sistema se desenvolveu ao longo das últimas décadas tendo como pano de fundo as complexas relações que se estabeleceram entre instituições financeiras nos opacos mercados de balcão. Desde o final da década de 1980, esses mercados têm sido amplamente utilizados para a negociação de derivativos financeiros, por meio dos quais as instituições financeiras tanto podiam buscar cobertura de seus riscos de câmbio, de juros e de preços de mercado de outros ativos como especular sobre a tendência desses preços ou efetuar operações de arbitragem.
Enquantose restringiam às negociações desses ativos, as relações entre o sistema bancário propriamente dito e as instituições integrantes do global shadow banking system resumiam-se aos créditos que o primeiro concedia ao segundo e ao fato que era frequente a realização de operações entre ambos.
Mas, quando estes mercados de balcão passaram a negociar derivativos de crédito e títulos oriundos da securitização dos créditos concedidos pelos bancos comerciais, combinados com algum tipo de derivativos que recebem o nome genérico de “produtos estruturados”, o sistema bancário e o global shadow banking system se interpenetraram de modo quase inextrincável. Os bancos buscaram diversas formas de retirar os riscos de seus balanços com o objetivo de alavancar suas
operações sem ter de reservar os coeficientes de capital requeridos pelos acordos de Basileia (Cintra & Prates, 2008, e Freitas, 2008). Fizeram isso de diversas formas: adquirindo proteção contra os riscos de crédito nos mercados de derivativos, securitizando créditos com rendimento atrelado aos reembolsos devidos pelos tomadores de empréstimos e criando diversos veículos especiais de investimento (Special Investments Vehicles ou SIV), conduits ou SIV-lites10. Mas, somente puderam transferir esses riscos porque outros agentes se dispuseram a assumir a contraparte dessas operações, ou seja, assumir riscos contra um retorno que, à época, parecia elevado.
As outras instituições financeiras, que não estavam sujeitas às normas prudenciais dos Acordos de Basileia, passaram a ter um acesso considerado altamente remunerador às operações de crédito. Bastava captar recursos no mercado de títulos de curto prazo e adquirir os títulos de longo prazo securitizados com lastro em créditos emitidos pelos bancos e/ou vender a estes proteção contra os riscos de crédito para reproduzir “sinteticamente” uma operação de crédito. Dessa forma,
os mercados de balcão passaram a constituir o palco de negociação tanto de ativos como de passivos das instituições financeiras. Enquanto tal, eles se transformaram em fonte de funding e de investimentos para as instituições financeiras que deles participavam.
*
Existe uma grande variedade de participantes do global shadow banking system. Os principais são os bancos de investimentos, seguidos pelos hedge funds, pelos fundos de investimentos, pelas seguradoras, pelos fundos de pensão e pelas GSE. Os bancos de investimento multiplicaram os hedge funds sob sua administração, abrindo espaço em suas carteiras para produtos e ativos de maior risco e montaram estruturas altamente alavancadas. Os bancos universais também passaram a patrocinar hedge funds, fornecendo-lhe crédito para suas operações (inclusive compra de “produtos estruturados”) bem como emulando suas estratégias de negócios. Como afirma Blackburn (2008, p. 90): “os bancos de Wall Street não somente patrocinam hedge funds, mas cada vez mais passam a se parecer com eles à medida que usam sua posição de intermediários primários (prime brokers) para alavancar suas apostas e buscar arbitragens”
*
Como afirma Belluzzo (2008): “em um ambiente de estabilidade e de rendimentos em queda, a busca de ganhos mais alentados levou aos píncaros as relações entre o valor dos ativos carregados nas carteiras e o capital próprio das instituições. Equações e letras gregas são mera retórica pseudocientífica para justificar as trapalhadas financeiras. (...) Quando esses agentes são surpreendidos por movimentos bruscos e não antecipados de preços, as perdas estimadas obrigam à liquidação de posições para a cobertura de margem, ampliando desmesuradamente o risco de mercado e o risco de liquidez”
Nenhum comentário:
Postar um comentário