quarta-feira, 31 de julho de 2019

Contribuições à Filosofia (Do acontecimento apropriador) HEIDEGGER



Martin Heidegger, 2014: Contribuições à Filosofia. (Do acontecimento apropriador). Tradução Marco Casanova. Rio de Janeiro: Via Vérita, 504p. ISBN: 9788564565272


Zeljko Loparic
Unicamp
PUCPR


Acaba de ser lançado pela Editora Via Vérita, na tradução de Marco Casanova, o livro Contribuições à filosofia. (Do acontecimento apropriador) de Martin Heidegger, obra que assinala o ponto de partida dos caminhos da segunda fase do seu pensamento, iniciados em 1936 e percorridos até a sua morte em 1976. O percurso é demarcado pelas tentativas de Heidegger, retomadas repetida e insistentemente durante todos esses anos, de dizer, de maneira simples, a "verdade do ser".
Aqui, a verdade não é entendida como correção de juízos que versam sobre esses ou aqueles objetos – excelência do discurso racional almejada pela metafísica e pela ciência –, nem como automanifestação das coisas na sua luminosidade própria – na sua essência, sua "entitude" –, que é o assunto central da fenomenologia de Husserl, bem como de Heidegger na sua primeira fase. Apoiado nas palavras de Hölderlin e nos ecos dos dizeres de certos pré-socráticos selecionados, Heidegger se propõe a falar do acontecer do "desocultamento" que se oculta, ao mesmo tempo que se estabelece como o aí, o aberto, a clareira, o espaço-tempo, onde todas as coisas são abrigadas e se tornam visíveis antes mesmo de poderem ser formatadas em uma entitude, expostas em juízos corretos e transformadas em meros objetos.
O que move Heidegger na busca desse acontecer e desse lugar pré-judicativo, se não inefável? A experiência de que o acontecer incandescente do desocultamento que "vibra", que vai e vem, no qual emergem todas as coisas, foi empalidecendo cada vez mais ao longo da história da metafísica, acabando por apagar-se na época da técnica, fase atual terminal dessa história que constitui o Ocidente, mas não é compreendida pelo homem ocidental. Embora mais próxima do homem do que tudo o mais, a origem desse incandescer foi completamente soterrada. Daí o propósito declarado do segundo Heidegger de renunciar a falar das propriedades das coisas e de suas relações, como fazem as ciências, ou da essência das coisas, assunto da metafísica. Livrando-se da condição de um sujeito confrontado com objetos, ele busca o desocultamento na sua origem retraída, no seu auto-ocultamento, e se coloca de prontidão para servir de guardião e vigilante desse acontecer, que não pode ser alcançado nem dito, mas que, não obstante – esse é pressentimento que o anima –, é o fundamento de todo alcançar e de todo dizer cotidiano, científico, metafísico ou poético.
A edição alemã de Contribuições foi publicada em 1989, centenário do nascimento de Heidegger, como volume 65 de suas obras Obras completas, parte da seção III dessa coleção monumental de 102 volumes, iniciada em 1976. Os textos dessa seção são ensaios e esboços inéditos, só compreensíveis, diz Heidegger, por alguns poucos, raros e solitários, que não são mais "animais racionais", definidos, na sua entitude, pelas propriedades biológicas (animalidade) e antropológicas (racionalidade), mas seres sem entitude, sem definição, deslocados das coisas e de si, despidos de qualquer essência por um "golpe do ser"; homens que não contam mais com a "luz natural" dos seus olhos, mas que se abrem ao lume do ser.
Esses textos de caráter, portanto, claramente hermético, esotérico, com fortes ressonâncias gnósticas, só deveriam ser trazidos a público (de acordo com o plano de Heidegger) depois da edição completa do material das duas primeiras seções de Obras completas, que contêm escritos destinados ao público em geral, aos "muitos". A seção I desses escritos exotéricos, a primeira editada, consiste de obras já impressas durante a vida do filósofo. A seção II é dedicada às preleções de vários períodos do seu magistério sobre a história da metafísica, que estuda e diz o que são os entes, além de algumas sobre a poesia de Hölderlin. A quarta e derradeira seção das Obras, cuja publicação foi iniciada, também por determinação de Heidegger, por último (e ainda está em curso), é composta de volumes que trazem "Indicações e apontamentos" inéditos, de diferentes épocas. A partir de 2014, começaram a ser disponibilizados, como parte final dessa seção IV e de Obras completas, os 34 "Cadernos pretos" – redigidos entre 1931 e 1948, e posteriormente revistos –, assim denominados pelo próprio Heidegger, que os envolvia em capas pretas, talvez para indicar a si mesmo, e posteriormente aos outros, que se tratava de pensamentos obscuros de um Heidegger obscuro, tal como Heráclito, o Obscuro – alguém que busca luz na escuridão.
Esses pensamentos foram zelosamente resguardados do público durante a sua vida, precisamente por só serem compreensíveis por aqueles poucos convocados a guardar a "verdade do ser" na palavra poética e em obras de arte. As reflexões constantes desses Cadernos, que suscitaram grande atenção recentemente no Brasil e no exterior, trazem, de fato, avisos preciosos para quem aceitar o convite de Heidegger de segui-lo no seu caminho percorrido nos trabalhos da seção III, desde Contribuições.
Como caracterizar melhor essa virada no pensamento de Heidegger? E por que um arauto consagrado da fenomenologia – ciência da essência das coisas manifestas por si mesmas e em si mesmas – tornou-se pensador do oculto, do não objetificável, mesmo do não dizível, e que, paradoxalmente, erige obras ao oculto, desocultando-o dessa maneira? Como é que um professor de filosofia aclamado e disputado pelas melhores universidades alemãs da época, durante um tempo ativista político notado (e desatrado), tornou-se um recluso nas montanhas? Heidegger atribui a sua virada a um chamamento contido na poesia de Hölderlin, um ditame também só audível para aqueles raros itinerantes que passaram pelo mesmo abalo e ficaram fora do alcance de toda antropologia, psicologia e metafísica.
Antes de continuar, preciso dizer que não me reconheço no perfil heideggeriano desses poucos e raros, e que apresentarei uma leitura decididamente mundana, não desterrada, da maneira como Heidegger formulou inicialmente o impulso fundamental do seu pensamento e o redirecionou em seguida.
Já na primeira fase, a de Ser e tempo, Heidegger deixou-se mover pela pergunta pelo ser. Essa pergunta era desdobrada como indagação pelo "sentido" do ser. A resposta era buscada na relação do homem ao ser, relação que consistiria na compreensão do sentido do ser, no envolvimento com o ser e no exercício de ser. Qual é o sentido do ser? O de presença manifesta no horizonte do tempo, mais precisamente, nos horizontes temporais nos quais o homem se encontra "lançado". Compreender o ser significa "relançar", "projetar", e assim explicitar, a temporalidade do ser. O tempo originário, do qual seriam deriváveis todos os outros, é o do existir humano; não, como em Kant, o tempo das coisas da experiência perceptiva. Este último, derivado, é composto de uma série infinita, linear, dos momentos de agora, nos quais as coisas se dão, ou não se dão, segundo a ordem causal; o primeiro, um horizonte finito, circular, das dimensões do passado, presente e futuro do aí, do tempo-espaço do existir humano.
O existir-aí no tempo-espaço é sempre o meu próprio, assunto que me envolve e me impõe o cuidado para com o sentido diferencial do meu existir e da sua continuidade no tempo originário. Essa continuidade é constantemente posta em questão pela minha possibilidade estrutural de não mais ser. O ser do homem e no homem é um ser-para-ofim, um ser-para-a-morte. Ele se põe em suspenso e se transcende a si mesmo. É finito, sendo a sua finitude desocultada na angústia.
Finalmente, o ser humano é a-ser, a ser exercido. O a-ser se desdobra como seraí-no-mundo humano, que encontra as coisas e se relaciona com outros seres humanos nesse aí do mundo. Mas o ser humano não é apenas um a-ser-aí-no-mundo; é propriamente um a-ser-o-aí, o aí, o tempo-espaço que se concretiza como mundo das relações humanas. O homem tem que sustentar aberto esse espaço de tempo no qual se encontra e no qual ele deixa ser o ente no seu todo. Assim, o homem que chegou a si é o aí de tudo o que há, dessa ou daquela maneira, inclusive de objetos da metafísica tradicional, da ciência e, por implicação, da tecnologia, bem como da vida social.
A partir dos anos 1930, Heidegger começa a ter sérias dúvidas sobre o poder do ser, no homem e do homem, de servir de abertura para a manifestação de tudo o que há, e acaba abandonando essa abordagem, ao mesmo tempo fenomenológica e antropológica (centrada no estudo do existir humano) da pergunta pelo ser. Suas dúvidas foram despertadas por várias considerações, em particular pela leitura, em 1930, do artigo "Mobilização total" e, em 1932, do livro O trabalhador, ambos de Ernst Jünger. Este autor sustenta que o mundo de hoje é tomado por um processo "vulcânico" de objetificação tecnológica dos entes no seu todo, que devasta todas as essências; destino metafísico que cai sobre o homem ocidental não sendo redutível a um modo de ser dos entes intramundanos, que fosse projetado, relançado, "deixado ser" no ser-o-aí humano individual. Sendo assim, o ponto de partida antropológico do Heidegger de Ser e tempo ficou abalado.
Ao invés de aprofundar a sua antropologia, refazer a sua teoria da objetificação, incluindo considerações sobre a radicalização tecnológica da objetificação, e, nessa base, repensar os perigos da técnica, Heidegger deu uma viravolta radical: parou de olhar para o ser em termos da compreensão do homem do sentido do ser e entregou-se às tentativas de pensar o homem a partir da relação do ser ao homem, mais precisamente, da possível interpelação do homem pela "verdade do ser", sendo a verdade concebida a partir de palavra grega "a-letheia", des-ocultamento. O objetivo da sua "aletologia" era, como vimos, achar palavras para dizer a verdade do ser como um acontecer autônomo, independente do homem, mas ao qual o homem necessita pertencer para se livrar da objetificação tecnológica e ser ele mesmo, acontecimento para o qual o homem é convocado, pelo qual é apropriado, desde o início da história ocidental na Grécia antiga, quando o ente se fez nomear como "a-lethes", "desocultado", mas do qual, no entanto, é afastado pelo próprio ser, "des-apropriado" por ele, caindo assim sob o poder da técnica e tornando-se um indigente.
Agora temos a chave para entender a estrutura complexa de Contribuições. Ao capítulo introdutório intitulado "Visão prévia", segue o capítulo 2, "A ressonância", no qual se lê que, na nossa época, as coisas não são encontradas pelo homem como o que se dá, como pontos candentes do desocultamento autônomo do qual ele precisa para ser si mesmo, mas produzidas pelo fazer tecnológico guiado pelo cálculo. Meras instalações, fazeduras, "maquinações". Na nossa época, o homem não precisa mais de algo que venha ao seu encontro, ele produz o que precisa. Nesse sentido, ele vive na ausência de precisão. Nessa não precisão esconde-se, contudo, o abandono das coisas pelo ser, o obscurecimento do mundo, a perda do si-mesmo.
Sendo assim, no retraimento do ser ainda ressoa o ser, a sua "recusa hesitante" dando origem a uma necessidade, à necessidade do desocultado, pressentida por alguns solitários, mas ignorada por homens gregários, esquecidos não só do ser, do que é dado no desocultamento que se oculta, mas também de si mesmos, totalmente entregues às relações objetais. O capítulo 3, "A conexão do jogo" (que poderia também ser traduzido como "Passe" ou "Repasse"), diz que o homem pode ser liberado do esquecimento do ser e recuperar-se, retornando ao primeiro início grego do pensamento do ser, depositados e guardado nos fragmentos de Anaximandro, Parmênides e Heráclito, no qual o ser é pensado precisamente em termos de "a-letheia", privação do ocultamento, desocultamento, e o ente como algo delimitado nesse desocultamento e usado, apropriado, por esse acontecer que se delimita e se ilumina no ente.
Depois desse momento inicial, estabeleceu-se, em Platão, a metafísica como disciplina que pensa o ente desocultado como o visível por excelência, como "idea", o luminoso em si. Na história da metafísica, reconstituída por Heidegger nas suas preleções e retomada em Contribuições, o ser foi progressivamente se retirando do visível na "idea", o que fez com que o ente perdesse o caráter de ponto iluminado do espaço-tempo do desocultamento e se tornasse mera representação objetificante, a qual, por sua vez, termina por se tornar um objeto calculável, um cálculo – na linguagem dos dias de hoje, a realidade virtual.
O retorno ao primeiro início quebraria o esquecimento do ser, propiciaria o recuo que permitiria, decerto, apenas para alguns raros, ficar de prontidão para o outro início, no qual o ocultado não será mais esquecido e a lareira do desocultamento como tal preservada numa clareira. Desta, o homem, desfeito da sua animalidade e racionalidade, será cuidador, guardião e vigilante desse acontecer. A exposição do homem à verdade do ser precisa ser pensada como uma requisição proveniente do próprio ser: um "acontecimento apropriador". Esse termo – que não está no "título público", isto é, exotérico, do texto de Heidegger, Contribuições à filosofia, mas no "cabeçalho essencial" posto entre parênteses (Do acontecimento apropriador), na sua denominação esotérica – não promete que será dito algo sobre algo, mas assinala que "a partir do acontecimento apropriador acontece a apropriação de uma pertença pensante e falante ao ser e à palavra 'do' ser".
A virada do pensamento, a conversão do homem, não pode se dar passo a passo. Ela haverá de ser um salto, um modo de pensar que abandona a linguagem objetificante da metafísica e da ciência. O "salto" – esse termo é precisamente o título do capítulo 4 – passa por cima do abismo que separa o desocultado do oculto, mas nunca chega à outra margem dessa tremenda "fenda". Precisa ser sustentado no seu voo pelo dizer poético e pelas obras de arte, que "fundam", põem em obra, a verdade do ser e que são previamente fundadas no aí do ser.
O pensamento do ser apropriado pelo ser pode esperar o surgimento de um homem novo, o mortal que pertença à clareira de maneira criativa, poética (capítulo 6, "Os que estão por vir", isto é, os vindouros). Em virtude da sua relação com a palavra não objetificante, o homem novo poderá esperar ser visitado, no futuro, por um deus, o último entre todos os que passaram pela clareira, o mais longínquo de todos os anteriores, porque fora de todo cálculo e de todo relacionamento com o homem decaído na condição de animal racional (capítulo 7, "O último deus").
A saga heideggeriana da verdade do ser e do salvamento dos perigos da técnica pela apropriação do homem pelo ser impõe exigências que muitos, acredito eu, não estariam prontos a atender: deixar de lado a linguagem teórica, a lógica e a matemática, o conhecimento científico da natureza, o estudo científico da natureza humana com suas dimensões de animalidade, de integração e de socialidade (a cargo da biologia, antropologia, psicologia, incluindo a psicanálise, e sociologia, respectivamente), a filosofia (a semântica, a epistemologia, a filosofia da linguagem), aspectos abstratos da cultura (a moral da lei, os direitos, a experiência cultural), a não ser aquela relacionada aos monumentos ao desocultamento, nomeadamente a poesia de Hölderlin. Pede-se, para falar a linguagem do primeiro Heidegger, virar as costas ao ser-no-mundo do ser humano em meio aos entes com os outros. Muito mais radical que o cinismo de Diógenes de Sínope, a contracultura heideggeriana só encontra paralelos na cultura mundial em posições declaradamente místicas, com a dos gnósticos e dos taoistas (Tchuang Tzu).
Muitos poderão ver nesse "pressentimento" de Heidegger, sem qualquer ancoradouro factual, apenas um recurso não justificado aos versos iniciais do hino Patmos de Hölderlin: "Próximo está / e difícil de alcançar o Deus. Onde, contudo, há perigo / também cresce o que salva". Outros talvez acrescentem que haveria boas razões de pensar que os perigos da técnica decorrem das dificuldades ambientais e objetivas dos humanos de chegarem ao mundo e de se manterem nele; dificuldades para as quais Heidegger não atentou em Ser e tempo, ainda que, a partir de 1930, ele tenha percebido algumas delas e tentado delas escapar pelo caminho adivinhado no verão de 1936. Os mais críticos suspeitariam que a convocação de lidarmos com a técnica, atendendo a um chamamento do ser – que nos imporia o sacrifício de todas as relações ambientais e objetais do cotidiano, e o fim da pesquisa científica e filosófica –, não seria fundada num ditame que viria do além-ente, mas, antes, seria fruto de elaborações hesitantes, ao mesmo tempo temerosas e exaltadas, sempre inconclusivas, de um pensador que se autodefine como "uma grande criança, que faz grandes perguntas", isto é, perguntas sem resposta possível (GA 94, p. 412).
Caberia, conforme sugeri anteriormente, buscar uma interpretação para a mudança que separa o pensamento de Heidegger tardio do inicial com base numa antropologia mais elaborada, ao mesmo tempo científica e filosófica, em condições de dar conta da natureza humana de maneira menos desavisada que a da "hermenêutica do Dasein humano" do primeiro Heidegger, e menos desterrada que o pensante pôr-em-palavras do ser do segundo. Para tanto, não é preciso ceder à tentação objetificante de reduzir a natureza humana ao conjunto de relacionamentos intramundanos do cotidiano. Isso dito, entendo que aqueles que, por essas razões e pensando dessa maneira, não tiverem condições de seguir Heidegger pelos seus caminhos posteriores a 1936, poderão, mesmo assim, aprender muito com ele sobre as dificuldades do homem de ser-no-mundo.
Nesta resenha utilizo minhas traduções da linguagem de Contribuições, em vários casos diferentes das de Casanova. Tais diferenças são inevitáveis e precisam ser reconhecidas e discutidas. Talvez seja o caso de juntar esforços para realizar uma proposta já feita por outros colegas anteriormente: publicar um Dicionário Heideggerque contemplaria as diversas tentativas de tradução para o português da obra desse autor no seu todo.
Não posso deixar de mencionar um notável achado de Casanova: a tradução de "Seyn" – grafia antiga do termo "Sein", encontrada em Hölderlin – por "seer" – grafia antiga do termo "ser". Pode ser instrutivo observar que "seer" vem da palavra latina "sedere", estar sentado, ficar na posição ereta, que é uma conquista de base somática ("animal") do bebê humano quando bem cuidado no colo da mãe, sem relação com o presenciar extático do desocultamento, acontecer pensado a partir da etimologia da palavra grega "aletheia". Conclui-se que, se a "linguagem fala", como diz Heidegger, ela fala de tudo, inclusive do ser, em cada língua natural com uma voz diferente, não havendo esperança de uma composição harmônica dessas vozes.
A tentativa de Heidegger de ver na linguagem natural a "casa do ser" – habitação humana que ele costumava pensar por analogia às casas de família camponesas assentadas firmemente na Floresta Negra, nas quais se fala o dialeto alamano ancestral, o mesmo das poesias de J. P. Hebel, seu "amigo de casa"– não é, portanto, problemática apenas por privilegiar línguas naturais particulares: o grego e o alemão. A desconstrução da razão não apenas impõe o abandono da tese de W. von Humbolt, uma das fontes de inspiração de Heidegger, de que as linguagens naturais resultariam da atividade criadora do espírito executada de acordo com leis universais, mas também impede a substituição do espírito por outra fonte unificadora. O que torna adicionalmente questionável a ideia da linguagem como casa do ser nos dias de hoje é a extinção e, na melhor das hipóteses, a corrosão das linguagens naturais pelas artificiais, desde as da aritmética e geometria gregas, com léxicos e gramáticas não raramente incomensuráveis.

Referência
Heidegger, M. (2014). Überlegungen II-VI. (Schwarze Hefte 1931-1938). Gesamtausgabe (GA) 94. Frankfurt am Main: Klostermann.         [ Links ]

domingo, 28 de julho de 2019

Poema dialógico de Rimbau, de 1872 (com um comentário meu)










Embrujamientos














A noção de ser no mundo em Heidegger e sua aplicação na psicopatologia


                                                Na foto, Hélio Pelegrino
                                                   poeta e psiquiatra



Márcio F. Barbosa

Psicólogo. Aluno do Mestrado em Sociologia do UFBa



A noção de ser no mundo difundiu-se amplamente pelas ciências humanas desde que foi formulada por Martin Heidegger. Essa noção é aqui revista e caracterizada em seu sentido próprio, de acordo com a obra de Heidegger, e é também analisada sua utilização na psicopatologia existencial de L. Binswanger.

A expressão ser no mundo, que fez e faz escola no conhecimento psicológico e social, é daquelas que facilmente se prestam à banalização e a empobrecimentos, talvez mesmo pela sua abrangência e aparente obviedade. De fato, quem se depara com essa expressão, empregada sem maiores explicações, não suspeita a intricada rede conceituai que motivou a sua formulação. Além disso, não raro a expressão é utilizada como uma espécie de palavra mágica, para além da qual nada é preciso explicar. Por tudo isso, em matéria de psicopatologia, onde a noção de ser no mundo foi largamente empregada, não deixa de ser conveniente que a mesma seja revisitada em seu sentido original.

A noção de ser no mundo foi desenvolvida sistematicamente pelo filósofo alemão Martin Heidegger no tratado Ser e Tempo (Sein und Zeit), de 1927. Na obra Heidegger se impõe a tarefa de recolocar a questão do "sentido do ser", que para ele foi esquecida pela metafísica tradicional. Esse esquecimento se deu em virtude do fato de a tradição metafísica ter se convertido numa ontologia da substância, aquela que visualiza o ser em geral a partir da primazia da "coisa", ou, dito de outro modo, que toma a "coisa", como paradigma de representação para tudo o que "é". Todavia, essa rejeição da ontologia da coisa que Heidegger julga necessário levar a cabo, não implica para ele em considerar a questão do ser como uma questão abstrata; do ponto de vista existencial, a questão do ser é eminentemente concreta, porque "o ser é sempre o ser de um ente". Resta, contudo, explicitar o que queremos dizer com a palavra ser, compreender o fundamento e a possibilidade do ser de alguma coisa. Por onde se deve, então, começar uma tal investigação? Ora, diz Heidegger, já possuimos, em nossa vida cotidiana, um certo grau de conhecimento do ser, de outro modo a questão sequer poderia ser colocada. Por isso, para se alcançar uma compreensão do ser é preciso, em primeiro lugar, analisar o ser do ente que coloca a questão do ser, isto é, o ser do homem, o dasein. Assim, toda a primeira seção da obra é devotado à analítica do dasein (daseinsanalyse), isto é, à análise da estrutura do ser no mundo, como horizonte fundamental de onde pode ser abordada a questão do ser em geral.

A reflexão de Heidegger em Sere Tempo, sua "ontologia fundamental", não apenas se converteu num marco do pensamento filosófico do século XX, mas causou grande repercussão nas ciências humanas. No caso da psiquiatria, a daseinsanalyse foi aplicada, por L. Binswanger e E. Minkowski, entre outros, na compreensão das doenças mentais enquanto modo alterado de ser no mundo. Segundo a afirmação de Binswanger (1977: 46), Ser e Tempo"se tomou indispensável, entre outras coisas, também para a psiquiatria enquanto ciência."

Neste artigo procuraremos, primeiramente, e nos valendo da recente tradução brasileira de Ser e Tempo(Heidegger, 1995), fazer uma exposição de alguns elementos essenciais da noção de ser no mundo tal como delineada por Heidegger. Depois, ilustraremos sua aplicação na psicopatologia, discutindo o seu significado e importância.



O Ser no Mundo em Heidegger

A investigação fenomenológica de Heidegger é de caráter ontológico, isto é, busca as determinações essenciais do ser dos entes. Dessa maneira, pretende sempre situar-se aquém do plano empírico ou ôntico (dos entes) e constituir-se na condição de possibilidade do mesmo. Assim, as estruturas ontológicas explicitadas na análise do dasein (como ocupação, disposição, compreensão, discurso) não devem ser confundidas com aqueles que seriam os seus correlatos ônticos ou empíricos (afeto, desejo, conhecimento, linguagem) -na verdade, tais estruturas são a fundamentação existencial dos mesmos. A analítica existencial "está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia." (Heidegger, 1995: 81)1. Ela corresponde à abertura de um a priori mas sem que isso signifique uma "construção apriorístíca" (ibid: 87), isto é, desvinculada de toda "empiria". Com efeito, a pesquisa científica e a pesquisa ontológica podem até convergir, esta última tendendo sempre para uma maior "purificação" e transparência do que se descobriu onticamente. A investigação científica realiza uma primeira e tosca "fixação dos setores dos objetos", e só o faz a partir da abertura originária ao modo de ser dos entes pela qual a experiência ordinária do mundo é responsável. Para que o questionamento científico possa abordar uma determinada região dos entes, é preciso antes que essa região seja elevada do horizonte da experiência original - o horizonte da relação fundamental do ente que questiona com o mundo questionado.

Por isso o ser do homem, a pre-sença2, possui uma dimensão ontológica fundamental. Na verdade, no texto de Heidegger, o status da pre-sença é ambíguo. De um lado, ela é um ente, o ente que cabe à analítica existencial investigar e que é o equivalente de homem. Por outro lado, a pre-sença não deve ser entendida como sinônimo de "homem", pois ela é uma determinação ontológica, já que corresponde ao ser desse ente que coloca a questão do ser. A resposta a esse dilema encontra-se no fato de que Heidegger considera que a pre-sença é um ente especial, um ente que é, em si mesmo, ontológico, na medida em que é o único ente de cujo ser faz parte uma abertura originária ao modo de ser de todos os outros entes - isto é, é constitutivo do ser do homem o desvelamento do sentido do "é", a partir do qual o mundo nos advém como sendo de determinada maneira. Essa característica da presença se tornará mais clara com a explicitação da estrutura do ser no mundo - o ser no mundo, aliás, é justamente a constituição ontológica da presença.

O ser no mundo pode ser visivelmente desmembrado em três partes, que são seus momentos constitutivos: o "ser", o "mundo" e o "em". Dito de outro modo e em outra ordem: o mundo em que o ser é, o quem que é no mundo, e o modo de ser-em em si mesmo. A cada um desses momentos é dedicado um capítulo da obra (capítulos terceiro, quarto e quinto, respectivamente). No entanto, o ser no mundo é uma estrutura unitária, e só pode ser decomposta para efeito de análise. A própria análise, na verdade, demonstra essa unidade, pois o "mundanidade" só se deixa caracterizar mediante uma compreensão do ser para quem existe um mundo, o ser que é-no-mundo, por sua vez, só se revela a partir de sua "morada" (o mundo), e a relação de ser-em pressupõe a compreensão dos termos que se relacionam no modo do "em". Em suma - e isso é fundamental para se compreender a idéia de ser no mundo em toda sua profundidade -, a explicitação da estrutura da pre-sença já traz consigo o desvelamento do mundo e vice-versa.

Pode-se dizer que a aparente obviedade do ser no mundo deriva da naturalidade com que esse "no" se nos aparece. Grande parte da importância do pensamento de Heidegger consiste em ter ele problematizado o "ser-em" da existência humana. Para uma coisa, um objeto (que a terminologia heideggeriana designa por "ser simplesmente dado"), o "em" corresponde ao "dentro", a uma relação meramente espacial de inclusão. Mas de que modo se pode dizer que o homem (um ente dotado do modo de ser da pre-sença) está "em" o mundo? Não é suficiente dizer que a pre-sença está "dentro" do mundo, que está simplesmente "aí", que o homem foi uma vez abandonado ao mundo. O "dentro" não pode se adequar a um ente que, em certo sentido, traz o mundo "dentro" de si 3. O homem não "é", primeiramente, para depois criar relações com um mundo, ele é homem na exata medida de seu ser-em, isto é, na exata medida em que possui um mundo ou abre o sentido de um mundo. Não existe anterioridade entre esses dois movimentos. "Assumir relações com o mundo só é possível porque a pre-sença, sendo-no-mundo, é como é." (Heidegger, 1985: 96) Por isso, para Heidegger, dizer que o homem "tem um mundo" nada significa, do ponto de vista ontológico, enquanto não se esclarecer o caráter desse "ter".

Os vários modos de ser-em da existência humana caracterizam, dessa maneira, a essência do homem, isto é, o fato de ele existir, em sentido próprio. Vejamos quais são esses modos.

Nossa relação primeira com o mundo não se dá por nenhuma forma de conhecimento. Dá-se através do manuseio, do uso, do contato com os entes "que vêm ao encontro dentro do mundo", com instrumentos, e esse modo de ser-em é denominado ocupação (Besorgen). O que Heidegger chama de instrumento não são apenas os objetos que utilizamos para fazer alguma coisa, mas tudo com que nos deparamos em nosso mundo e assume um sentido dentro dele (a lua é também um instrumento para nós). Na verdade, falar em "coisa" aqui não seria adequado ontologicamente, porque a coisa já é derivada de uma atitude de conhecimento da pre-sença, onde "já se recorre implicitamente a uma caracterização ontológica prévia." (ibid: 109) No conhecimento, algo é posto como tema, e a "coisa" é uma entidade tematizada. Já os instrumentos são para nós antes de qualquer visão temática, antes de refletirmos sobre eles, antes de os objetivarmos. A ocupação é, portanto, atemática. Não precisamos "ter consciência" de alguma coisa para dela nos ocuparmos; antes, só podemos ter consciência de alguma coisa a partir de um universo de ocupações. Heidegger exemplifica a multiplicidade dos modos de ocupação: "ter o que fazer com alguma coisa, produzir alguma coisa, tratar e cuidar de alguma coisa, aplicar alguma coisa, fazer desaparecer ou deixar perder-se alguma coisa, empreender, impor, pesquisar, interrogar, considerar, discutir, determinar..." (ibid: 95) Pertencem igualmente à ocupação "os modos deficientes de omitir, descuidar, renunciar, descansar, todos os modos de 'ainda apenas' no tocante às possibilidades da ocupação." E, podemos acrescentar, também a desocupação e o "não fazer nada" são maneiras, existencialmente falando, de ocupar-se.

Mas os instrumentos, as "coisas" de nossa ocupação, nunca "são" isolados, eles integram um todo instrumental (que em última análise é o próprio mundo). Os instrumentos referem-se sempre a outros instrumentos, e o conjunto de todas essas referências é que constitui o meio original do nosso ser no mundo. O que primeiro vem ao encontro no mundo não são os objetos de um quarto, mas o quarto, e não como espaço geométrico, mas como lugar de morada - só a partir deste último é que pode existir o quarto enquanto espaço vazio. E o quarto se encontra numa casa, que se encontra numa cidade, e esta se opõe ao "campo". A partir da multiplicidade de referências do todo instrumental cada instrumento se situa. Assim, dizemos coisas muito diferentes com "o meu quarto" e "um quarto de hotel", embora ambos sejam quartos, porque a primeira expressão está referida à minha intimidade e ao meu "lugar" mais familiar, enquanto a segunda evoca a impessoalidade de um lugar onde se encontra alguém que, ao menos momentaneamente, está sem "lar". Mesmo a natureza, antes de ser a natureza "em si", que a posteriori o homem tematiza como tudo que não é humano, é a princípio integrante do todo instrumental (a iluminação das ruas traz uma referência implícita ao instrumento "escuridão").

Assim, a pre-sença se "absorve", de modo não temático, no todo instrumental. Esta inserção é, existencialmente, a forma mais profunda de conhecimento (lembremos a etimologia latina da palavra "conhecimento": co-nascimento, nascer junto com). Quanto menos se olha "de fora" um instrumento mais se sabe manuseá-lo, e é o uso que primeiramente desvela o instrumento: "O próprio martelar é que descobre o 'manuseio' específico do martelo." (ibid: 111) Não se deve pensar, contudo, que o modo de lidar com os instrumentos, por ser atemático, seja "cego". "Possui seu modo próprio de ver que dirige o manuseio e lhe confere uma segurança específica" (ibid: 11) - por exemplo, a segurança característica de quem domina uma "arte", seja o músico ou o marceneiro. A ocupação se "subordina" à multiplicidade de referências do todo instrumental, e seu modo próprio de ver é "a visão desse subordinar-se", denominada por Heidegger "circunvisão". E o que a circunvisão "vê", de modo originário e necessário, é o seu mundo circundande (Umwelt). 4

Como se vê, embora os termos empregados (ocupação, instrumento) sejam típicos do "homo faber", o modo de ser no mundo da ocupação refere-se a todas as instâncias da existência humana, e a todas as "coisas" que a pre-sença encontra no mundo. Assim, apesar de Heidegger não fazer nenhuma referência significativa à nossa existência corporal, a circunvisão que o corpo próprio dirige ao seu todo instrumental (espacial) está logicamente implicado na análise acima5. E é certo que o homem também se "ocupa" com outros homens, mas este ocupar-se possui um status especial em virtude de ser um modo de relação em que a pre-sença se relaciona com outros entes dotados do modo de ser da pre-sença. O homem "carrega" sempre consigo uma referência a outros homens, o "ser-com" (Mitsein) é um modo de ser básico do ser da pre-sença6. De um modo geral, o ser-em da ocupação caracteriza uma relação homem-mundo que não é simplesmente a de dois seres exteriores um ao outro, mas a de um entrelaçamento ontológico dotado de sentido. Entretanto, o modo da ocupação ainda não é suficiente para caracterizar plenamente o ser no mundo. Outros modos de ser-em apreendem melhor, ontologicamente, a região do ser tematizada empiricamente como "psique" - mas que, por ser uma apreensão ontológica, e no modo do ser no mundo, corrige o caráter substancialista que costuma acompanhar a tematização do "psiquismo". Afinal de contas, a pre-sença não é uma substância, mas um exercício de existir. Vejamos então a disposição e a compreensão.

O "pre" da pre-sença representa sua abertura ao mundo. Mas o ser da pre-sença é justamente sua abertura: "A presença é a sua abertura. "Mas de que modo a pre-sença "se abre" ao mundo? Em primeiro lugar, a partir da "disposição". "O que indicamos ontologicamente com o termo disposição é, onticamente, o mais conhecido e o mais cotidiano, a saber, o humor, o estado de humor." (ibid: 188) Qualquer forma de humor, a simples passagem de um estado de humor para outro, a apatia no humor, todos esses fenômenos que muitas vezes são tidos pela própria pre-sença como insignificantes não são "um nada". Atestam a contínua existência do humor. A disposição é o modo de ser-em com que nos sentimos, nos encontramos, enfim, com que nos dispomos no mundo. Mas não se deve confundir a abertura do ser no mundo no humor "com o que a pre-sença 'simultaneamente' aí conhece, sabe e acredita." (ibid: 190) A abertura da disposição é o solo originário de onde emerge e se desenvolve o que é representado pela pre-sença como emoção e afeto. E essa gênese, evidentemente, não é necessariamente acompanhada (nem mesmo na maior parte das vezes) por um movimento de "consciência". Diz Heidegger: "Também a falta de humor contínua, regular e insípida, que não deve ser confundida com o mau humor, não é um nada, pois, nela, a própria pre-sença se torna enfadonha para si mesma. Nesse mau humor, o ser do pre mostra-se como peso. Por que, não se sabe. E a pre-sença não pode saber, visto que as possibilidades de abertura do conhecimento são restritas se comparadas com a abertura originária dos humores em que a pre-sença se depara com seu ser enquanto pre." (ibid: 188) Aqui se mostra, acreditamos, a direção que deve seguir uma explicitação ontológico-existencial do que é tematizado (talvez na via inversa da gênese do ser) como "inconsciente". Porque a própria abertura com que a pre-sença se depara se lhe aparece como "enigma inexorável", e qualquer "vivência" que uma "reflexão imanente" possa apreender só se torna possível porque o pre já se abriu originariamente. "O 'mero-humor' abre o pre de modo mais originário, embora também o feche de modo ainda mais obstinado do que qualquer não percepção." (ibid: 191)

Significa tudo isso que a pre-sença jamais se compreende em sua abertura? De modo algum. Para Heidegger, a "compreensão" é um modo de ser-em tão originário quanto a disposição. Mas aqui não se trata da compreensão entendida como forma de conhecimento; esta última, na verdade, só é possível a partir da compreensão em sentido existencial. O ser no mundo mantém-se na familiaridade da convivência ocupacional, situado num conjunto de remissões referenciais que constituem um todo significativo. "Na familiaridade com essas remissões, a pre-sença 'significa' para si mesma, ela oferece o seu ser e seu poder-ser para uma compreensão originária, no tocante ao ser no mundo." (ibid: 132) Ao compreender o "em função de" da referência ocupacional, a pre-sença abre uma "significância" que diz respeito a todo ser no mundo e a ela própria. Além disso, a presença, por existir no modo de uma abertura, é o único ente de cujo ser faz parte o que ela ainda não é, de cujo ser atual faz parte suas possibilidades, a pre-sença sempre é o que ela pode ser. Pelo fato de "ver" possibilidades em função das quais ela é, a pre-sença se "compreende". "Compreender é o ser desse poder-ser. (....) A pre-sença é de tal maneira que ela sempre compreendeu ou não compreendeu ser dessa ou daquela maneira. Como uma tal compreensão, ela "sabe" a quantas ela mesma anda, isto é, a quantas anda o seu poder-ser." (ibid: 199-20) Não é demais enfatizarmos: esse saber "a quantas ela mesma anda" não denota um processo de consciência, pre-sença não é consciência.

Esse "saber" se presta muito bem, por exemplo, ao entendimento da situação comumente conhecida em que o indivíduo ignora conscientemente o que se passa consigo, mas o seu comportamento, visto como um todo, possui sentido, coerência e aparenta já saber desde sempre "aonde queria chegar". Com o tema da compreensão Heidegger não pretende contradizer o desconhecimento essencial da disposição. Compreensão e "saber", aqui, dizem respeito ao fato de a pre-sença constantemente se deparar com sua abertura. "E somente porque a pre-sença é na compreensão de seu pre é que ela pode-se perder e desconhecer. E na medida em que a compreensão está na disposição e, nessa condição, está lançada existencialmente, a pre-sença já sempre se perdeu e desconheceu. Em seu poder-ser, portanto, a pre-sença já se entregou à possibilidade de se reencontrar em suas possibilidades." (ibid: 200)

Desnecessário dizer que a exposição acima é limitada e seletiva. Ela não aborda, nem de longe, todos os temas, desdobramentos e insights da obra, e mesmo os temas abordados tampouco são analisados exaustivamente. Mas essa breve notícia fornece uma idéia do sentido da noção de ser no mundo na obra de Heidegger, suficiente para que se possa compreender o porquê de sua utilização na psicopatologia.



O Ser no Mundo na Psicopatologia

A idéia de ser no mundo explicita então o fato de que o "ser que é" se constitui enquanto quem de uma existência humana no mesmo movimento em que um mundo se constitui enquanto mundo, isto é, enquanto mundo para esse ser que nele é. Não há sentimento, comportamento ou qualquer outro modo de ser de uma pessoa que exista isoladamente, como um fenômeno "em si". Essa afirmação, que pode parecer banal, nem sempre é assumida em suas conseqüências últimas. Nenhum desses fenômenos pode, por exemplo, pretender ocupar o lugar de causa primeira, pois a causa primeira é o mundo -ou, mais exatamente, o ser no mundo. Se olharmos de perto, veremos que a angústia de uma pessoa, que nos parece "vir de dentro", está também "fora", que em última instância não existe nem "dentro" nem "fora", e que em seu ser alguém só se angustia porque o mundo o arrasta em sua angústia. E por "o mundo" não se quer aludir necessariamente ao mundo enquanto "vastidão", mas à região do mundo abarcada pelo fenômeno em causa - "mundo" significa aqui o polo dessa união indiscernível que o ser-no-mundo busca evidenciar, e que pode ser, a depender da região de "consciência" envolvida, um mundo extremamente "pequeno". A compreensão dessa unidade fundamental do ser no mundo se revela de muita valia para a psicologia, pois a atitude científica muitas vezes se debate para explicar o modo complexo de relacionamento entre certas "coisas" que ela mesma cuidou de separar.

Exemplifiquemos a aplicação do modelo do ser no mundo na psicopatologia através do livro de L. Binswanger, Três Formas da Existência Malograda, uma reunião de três ensaios sobre as formas patológicas da "extravagância", da "excentricidade" e do "amaneiramento" (Binswanger, 1977). Partindo da ontologia fundamental de Heidegger, Binswanger procura reconhecer a enfermidade como um estilo ou modo particular de ser no mundo, como variação ou "distorsão" da estrutura ontológica do ser no mundo. Compreender a enfermidade é identificar sua "essência antropológica", isto é, as condições antropológicas de sua possibilidade (pois a modalidade existencial em que consiste a enfermidade, mesmo sendo uma distorsão da estrutura fundamental do ser no mundo, só é possível a partir desta estrutura, já que é uma variação da mesma). Uma antropologia, com efeito, em sentido amplo, deve evidenciar os modos de ser básicos e as possibilidades concretas e gerais do ser humano. Para alcançar essa evidência antropológica, Binswanger lança mão de um método fenomenológico de reflexão, que busca atingir a essência da enfermidade com base em suas manifestações concretas. Ele examina freqüentemente a significação antropológica de expressões da fala cotidiana referentes aos fenômenos em causa (que muitas vezes apreendem de modo intuitivo o ser da "doença"), e se vale ocasionalmente de informações sobre o comportamento humano em outras culturas.

A identificação de uma essência antropológica corresponde, do ponto de vista analítico-existencial, ao delineamento de uma estrutura. Só a partir das condições antropológicas de possibilidade se pode compreender o sentido de uma sintomatologia. Está de antemão fadada ao fracasso qualquer tentativa de derivar a doença a partir da relação entre humores fundamentais e independentes, postulando-se, por exemplo, que um determinado sentimento possa desencadear um determinado comportamento ou sintoma. Mesmo que se identifique esse sentimento como surgido a partir de uma certa situação (situando-o portanto num contexto comportamental), o problema residirá em estabelecer essa relação termo a termo entre situação causadora e sintoma. Embora muitas vezes as coisas pareçam se dar dessa forma, pode estar por trás dessa aparência uma estrutura geral da modalidade existencial do indivíduo que, não se dispusesse ela dessa forma, talvez aquela conexão causal não se estabelecesse. O modelo do "distúrbio primário" muitas vezes incorre nesse erro. Se a idéia de "distúrbio primário" tem a vantagem de retirar da base da enfermidade qualquer elemento intencional (no sentido de intenção consciente), ela não é, contudo, o fundamento último, pois não encerra seu sentido em si mesmo, já que só encontra sua razão de ser na estrutura do ser no mundo.

Assim, para Binswanger, a análise existencial se posiciona aquém da distinção intenção-distúrbio primário. Aliás, o ponto de vista existencial também antecede à distinção "com sentido-sem sentido" (Binswanger, 1977: 32-33), porque uma vez que o ser da pre-sença coincide com a unidade fundamental do ser no mundo, não pode haver algo que diga respeito a esse ser e que seja sem sentido.

A perspectiva antropológica compreende um sintoma ou uma síndrome não como uma coisa individual, mas como um estilo de ser no mundo, uma postura total, e que como tal pode ser encontrado em vários domínios da atividade humana (para a compreensão do amaneiramento, por exemplo, Binswanger se remete ao maneirismo enquanto manifestação artística). O sintoma, enquanto estilo de ser, encontra-se também no normal, ou no doente não apenas enquanto doente, e essa constatação permite compreender melhor o sentido da doença. "Quer se trate de uma 'idéia' extravagante, de um ideal ou 'sentimento' extravagante, de um desejo ou plano extravagante, de uma afirmação, modo de ver ou atitude extravagante, de uma mera 'mania' ou de uma ação ou de um crime extravagante, aquilo que aqui designamos com a expressão 'extravagante' está condicionado pelo fato de o ser-aí ter se atolado numa determinada 'ex-periência'". (ibid: 15) A abordagem existencial, portanto, opera a partir da compreensão do modo como o indivíduo se instalou na estrutura do ser no mundo.

Binswanger, citando Heidegger, define o ser no mundo como um "absorver-se atemático -caracterizado pela visão organizadora dos meios - nos remetimentos constitutivos da disponibilidade do todo instrumental" (p. 47)7.

O exame clínico, na daseinsanalyse, busca compreender essa "absorção" própria de cada indivíduo. E a enfermidade, como já dissemos, se mostra como uma "distorsão" da estrutura do ser no mundo - embora seja evidente que o modo de ser "distorcido" também faz parte das possibilidades existenciais da pre-sença. Tomemos, como exemplo dessa distorsão, o caso da extravagância enquanto manifestação patológica (Binswanger, 1977: 14 ss.). Ela se se traduz, existencialmente, por uma desproporção antropológica entre dois modos de ser inerentes ao ser no mundo, a saber, a amplidão e a altura. Assim Binswanger caracteriza esses modos de ser: "A 'atração da amplidão', na direção horizontal da significação, corresponde mais à 'discursividade', ao experimentar, à travessia e tomada de posse do 'mundo', ao 'alargamento do horizonte', ao alargamento do discernimento, da visão de conjunto e da circunvisão organizadora dos meios com relação ao 'burburinho' do 'mundo' exterior e interior. Já a atração da altura, o subir na direção vertical da significação, corresponde mais à aspiração de superar a 'gravidade da terra', de se elevar acima da pressão e da 'angústia das coisas terrenas', mas ao mesmo tempo também à aspiração de conquistar um ponto de vista 'superior', uma 'visão superior das coisas', como diz Ibsen, a partir da qual o homem possa moldar, dominar, numa palavra, apropriar-se de tudo o que 'esperimentou'." (ibid: 17) Amplidão e altura são, portanto, possibilidades próprias da existência humana. O ser no mundo estravagante, contudo, deriva de um descompasso entre o subir da altura e a extensão da amplidão, ele implica que a pre-sença "suba mais alto do que convém à sua amplidão, ao seu horizonte de experiências e compreensão", (ibid: 15)

Nessa elevação precipitada o ser no mundo se perde existencialmente, ele "constrói mais alto do que consegue subir" (ibid: 18). Trata-se de uma "preponderância desproporcional da altura da decisão sobre a amplidão da 'experiência'." (ibid: 19) A pre-sença que extravaga desconsidera a "escala da problemática humana" e se enrascanum determinado "degrau" dessa escalada, ao qual se lançou em absoluto contraste com "a estreiteza e a imobilidade do horizonte da experiência" (ibid) E do mesmo modo que o alpinista que "se enrasca" numa escalada (por faltar-lhe uma visão de conjunto do despenhadeiro) precisa ser resgatado por outrem, o ser no mundo extravagante (por falta de "discernimento da estrutura da 'hierarquia' das possibilidades da existência humana em geral" - p. 21) precisa ser resgatado desse "entalamento" através da "ajuda" dos outros. "O que chamamos de tarapia", diz Binswanger, "no fundo, consiste tão-somente em levar o doente até um ponto em que ele consiga 'ver' como está constituída a estrutura total da existência humana ou do 'ser no mundo' e em que ponto dela extravagou. Ou seja: resgatá-lo da extravagância, trazendo-o de novo 'à terra', que é o único ponto a partir do qual se pode tentar uma nova partida e uma nova escalada". (ibid: 21)

O essencial a ser observado no exemplo acima é que as imagens metafóricas da "amplidão" e da "altura" buscam dar conta da movimentação própria da existência humana em seu mundo. Como tal, ao menos a princípio, essas imagens são irredutíveis. Elas dificilmente poderiam ser transpostas, por exemplo, seja numa linguagem das "tendências" da natureza humana, seja num modelo de variáveis comportamentais - sob pena de deixaram de expressar aquilo que pretendiam. O tipo de realidade a que essas noções pretendem referir é justamente o modo de ser-em da existência humana. Nisto consiste a pesquisa da "modalidade existencial". Enquanto tal, evidentemente, ela se presta não apenas à compreensão de fenômenos patológicos, mas da existência humana em geral.

A perspectiva do ser-em é, acreditamos, o traço essencial da psicopatologia existencial, tal como a encontramos na obra de Binswanger. Mas esse traço distintivo talvez seja ao mesmo tempo o fator responsável por suas dificuldades. Em primeiro lugar, o paradigma da existência não pode ser "operacionalizado" sem descaracterizar-se de modo significativo. A noção de ser-em viabiliza uma visão total da existência, e desse modo essa noção não é passível de ser tematizada como uma realidade circunscrita e objetiva. Nisto consiste, possivelmente, a dificuldade de sua "aplicação". Algumas vezes, por exemplo, as análises de Binswanger parecem esbarrar num meio caminho entre dois extremos, a saber, entre a fecundidade da analítica heideggeriana do dasein (que é o seu ponto de partida) e a objetividade da psicopatologia enquanto ciência - tomando-se, por conseqüência, empobrecedoras em relação à primeira e vagas em relação à segunda.

Por outro lado, não se poderia exigir que a daseinsanalyse explicasse por que ocorrem "distorsões" na estrutura "normal" do ser no mundo. Essas distorsões, de qualquer modo, são possibilidades inerentes ao ser da presença. E mesmo que se identifiquem "causas", sejam orgânicas ou não (e elas podem de fato ser identificadas), e ainda que a abordagem existencial possa tomá-las em consideração, tal identificação não afeta sua visão do fenômeno. É nesse sentido que se diz que a noção de existência está aquém do plano dos fatos objetivos observados pela ciência. Esta não é uma limitação do pensamento existencial, é ao contrário o seu valor. A "idéia" básica da fenomenologia não consiste apenas em inserir um mundo de aparências (as coisas tal como elas aparecem) nos meandros de um mundo "real". Essa idéia é muito mais fundamental, e consiste em afirmar que é o nível "do vivido ou do fenomenal que se trata precisamente de justificar e reabilitar como fundamento do nível objetivo." (Merleau-Ponty, 1992:195-6) De acordo com essa idéia, o campo fenomenal da experiência vivida, da inserção em um mundo, é aquele que dá sentido à existência de certos fatos objetivos isolados. Nessa linha, Binswanger, após identificar a "essência antropológica" de uma enfermidade, passa a reexaminar os conhecimentos estabelecidos a respeito do comportamento anormal em estudo para, por assim dizer, corrigi-los.

Uma outra dificuldade das análises de Binswanger diz respeito ao método empregado. Ora, vimos, com Heidegger, que o ser no mundo é um a priori existencial (isto é, um a priori que não é "apriorístico" no sentido de ser anterior à experiência). E dissemos acima que a enfermidade pode sempre ser compreendida no plano do ser no mundo, no modo em que ela se dá existencialmente, sem que seja necessário recorrer ao nível das causas objetivas (mas sem que seja proibido fazê-lo). Com efeito, é interessante na perspectiva existencial a visualização do comportamento como atitude geral, como movimentação total da existência em um mundo. Essa visualização de modo algum é incompatível com o estudo objetivo do comportamento e de sua gênese8. Mas uma conseqüência desse "recorte" do comportamento talvez seja a linguagem metafórica e imprecisa de que se lança mão para apreendê-lo. Esse tipo de linguagem, contudo, se justifica (embora Binswanger não o afirme expressamente) justamente por visar o ser-em, e porque este não pode ser definido e avaliado "segundo sinais objetivos". Os fenômenos psicopatológicos, enquanto modalidades existenciais, não podem ser apreendidos como realidades substanciais e inconfundíveis. É interessante a posição de Binswanger quanto a esse problema: "Naturalmente, é preciso ter em mente aí que, ao perguntarmos se um determinado fato 'pertence' a uma essência, muitas vezes se trata de uma questão puramente 'de tato', ou seja, de uma questão do domínio da experiência fenomenológica, que não é diferente da questão se determinada obra de arte linguística pertence à essência artística da poesia lírica, épica ou dramática, não importando a nitidez com que essas essências possam ser contrastadas enquanto tais. (...) Assim como no domínio da arte, também na análise existencial, as definições rígidas devem ser consideradas como obstáculos para a pesquisa". (Binswanger, 1977: 97-8).

Desse modo, a linguagem metafórica e o caráter abrangente de muitos conceitos utilizados por Binswanger estão em correlação com o tipo de fenômeno visado. A relevância teórica do paradigma da existência na psicopatologia e na psicologia, ao menos em parte, deve ser avaliada de acordo com a importância que possa ter, para a compreensão do comportamento humano, a noção de ser-em, entre outras. A importância da abordagem existencial reside, a nosso ver, no alcance que pode trazer à compreensão da experiência humana, e também no fato de ser um paradigma de investigação científica atento aos fundamentos ontológicos da realidade.



Referências bibliográficas

Binswanger, L. (1977) Três formas da existência malograda - extravagâcia, excentricidade, amaneiramento. Rio de Janeiro, Zahar.         [ Links ]

Heidegger, M. (1995) Ser e Tempo (parte I). Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Lyotard, J-F. (1986) A Fenomenologia. Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Merleau-Ponty, M. (1996) Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

_______(1980) "O Filósofo e sua Sombra" Em Os Pensadores (pp.239-260). São Paulo: Abril Cultural.         [ Links ]

_______(1992) O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Ricoeur, P. (1994) Tempo e Narrativa (tomo I). São Paulo: Papirus.         [ Links ]

Villela-Petit, M. (1996) "Heidegger's conception of space" Em C. Macann, Critical Heidegger (pp. 134-157). London and New York, Routledge.         [ Links ]





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1 Paul Ricoeur (1994: 97), contudo, reconhece uma dimensão antropológica das categorias ontoiógico-existenciais de Ser e Tempo. Segundo afirma, a análise de Heidegger precisa "ter uma certa consistência no plano de uma antropologia filosófica para exercer a função de abertura ontológica que lhe é assinalada." 
2 O termo "dasein", comumente vertido para o português como "ser-aí", foi traduzido por Márcia de Sá Cavalcante pela expressão "pre-sença". Cf. a justificação na nota explicativa n. 1, p. 309 da edição referida. 
3 Isso não significa, de modo algum, que a presença está isenta de qualquer determinação espacial. A questão do espaço e da espacialidade de pre-sença é discutida por Heidegger no terceiro capítulo ("A mundanidade do mundo"), seção C. Sobre o assunto, cf. Villela-Petit (1996). 
4 Interessante notar que Um welt é também o termo alemão correspondente ao conceito de "meio de comportamento", formulado por Koffka nos seus Princípios de Psicologia da Gestalt (cf. Lyotard, 1986, p. 58) 
5 Como se sabe, coube a Merleau-Ponty, na sua Fenomenologia da Percepção, de I945, a exploração exaustiva e sistemática da corporeidade do ser no mundo (Merteau-Ponty, 1996). 
6 Heidegger, no entanto, apenas pressupôs o ser-com, quando na verdade é preciso explicitar como ele se dá (Lyotard, 1936, p. 80). Mais uma ez, coube sobretudo a Merleau-Ponty (1980; 1996) essa tareia, fundando a coexistência originária não numa relação entre consciências, mas numa relação entre meu corpo e o corpo do outro. 
7 Deve-se observar que "visão organizadora dos meios" corresponde ao que chamamos acima de circunvisão. "Disponibilidade", por seu lado, nada tem a ver com o que chamamos de "disposição", mas diz respeito ao caráter do instrumento, e foi traduzido na edição de Ser e Tempo que indicamos por manualidade. 
8 Essa compatibilidade parece ser, aliás, uma aptidão da fenomenologia enquanto método: "Para o filósofo, assim como para o psicólogo, há sempre portanto um problema da gênese, e o único método possível é acompanhar a explicação causal em seu desenvolvimento científico, pata precisar seu sentido e colocá-la em seu verdadeiro lugar no conjunto da verdade. É por isso que não se encontrará aqui nenhuma refutação, mas um esforço para compreender as dificuldades próprias do pensamento causal." (Merleau-Ponty, 1996:614)



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