domingo, 14 de julho de 2019

Controle e poder

Pensando com Burroughs, Foucault e Virilio, Deleuze (2000, pp. 219-226) sublinha o controle como traço intensificado nas sociedades contemporâneas. O movimento e a velocidade (ressaltados pelo controle contínuo e pela comunicação instantânea, amplificados pela microeletrônica, nas máquinas cibernéticas e nos computadores) delineiam as sociedades de controle, agregam força às relações de poder, remanescentes das sociedades de soberania e de normalização estudadas por Foucault (2007a). O avanço da microeletrônica do silício favorece uma desterritorialização maquínica que opera o controle por modulações, por distribuição e acesso à informação, por monitoramento e vigilância dos espaços sociais e dos comportamentos coletivos e individuais (sorria, você está sendo filmado) ou pela produção de imagens-clichês homogeneizantes para subjetivação e consumo.
As TIs constituem maquinarias de controle, produzindo máquinas técnicas para controlar de forma mais eficiente os fluxos do desejo: preço, consumo, opinião, informação, dados, imagens, sons, discursos, pixels, bits, bytes, impulsos eletromagnéticos, etc. Com a microeletrônica do silício, o controle ganha força. O silício encontra-se assimilado nesta máquina social, concreta e abstrata, cujo phylum maquínico serve ao controle e à implantação do capitalismo mundial integrado - CMI (Guattari, 1996). O controle torna-se traço que transversaliza chip, microeletrônica, mercado mundial, modos de subjetivação social, funcionamento das instituições, comportamentos dos indivíduos. As formas velozes de controle ao ar livre proliferam com diferentes modulações as quais funcionam como moldagens autodeformantes (Deleuze, 2000, pp.220-221).
Às rodovias, ferrovias, aerovias e vias marítimas acoplam-se as infovias; a força do carbono reúne-se à do silício. Mesclam-se duas concepções de força motriz: uma calcada no petróleo, combustível que aciona a propulsão no deslocamento dos corpos automotores, e a outra calcada nas ondas eletromagnéticas, no movimento do elétron, na força-fluxo da eletricidade que viabiliza a tomada do silício como semicondutor eletroeletrônico. As sociedades contemporâneas investem tanto na força reguladora econômica da tecnologia do petróleo quanto nas novas tecnologias da eletricidade e da informática.
Enfatiza-se a diferença entre os processos energéticos empregados: combustão e eletrização. Em ambos os processos, há o afastamento da ideia de origem do movimento concebido sob a base da alavanca propulsora. Em ambos os processos, o movimento é concebido sob a ideia de inserção em uma onda pré-existente (Deleuze, 2000, p. 151) e dentro de um percurso. Essa mudança é entendida como uma transformação qualitativa importante entre um modo de existência e outro.
As redes relacionais e tecnológicas de transporte e de comunicação de informação, presentes no mundo hoje, consolidam uma máquina complexa e importante para o mercado mundial. Disseminando a informação em cada vez mais larga escala, existem as grandes empresas de uma nova economia mundial. As empresas ponto com, pela capacidade de diminuir distâncias, facilitar e acelerar a comunicação e dinamizar a economia, são consideradas a menina dos olhos dos grandes investidores e detentores do capital no mundo (Fanelli, 2004).
Tal economia da informação demanda a criação de redes de informação e comunicação de dados, peças fundamentais para o monitoramento dos fornecedores, controle dos canais de distribuição e transporte e, consequentemente, do valor de mercado de bens e mercadorias no mundo6. Tal economia da informação mostra o deslocamento do capitalismo da produção para o capitalismo do produto-mercadoria e para o capitalismo de mercado financeiro. É a lógica da empresa que explora o controle, uma linguagem numérica de uma máquina binária (Deleuze & Parnet, 1998, p.31) feita de cifras, de senhas e de cartão eletrônico que marca o acesso ou não à informação, à entrada ou não em um ambiente, em uma conta bancária, em uma casa, em um quarto de hotel. Assim, opera-se a relação de força que dá ou não acesso e que detecta cada um no seu percurso (Deleuze, 2000, pp. 222-224). A lógica da empresa se alastra como alma-gás, rivalizando os indivíduos, dividindo-os em amostras, dados, fatias de mercado, assujeitados nesse jogo.
Toda essa linguagem é feita pela redundância como modo de existência e de propagação das palavras de ordem. Dessa maneira, o mercado e o capital contemporâneos promovem um processo de subjetivação homogeneizante orientado para uma lógica capitalística de mundo que se compõe com uma estética do silício: "Ficará estabelecido tantas dicotomias quanto for preciso para que cada um seja fichado sobre o muro" (Deleuze & Parnet, 1998, p.31). Esta ética-estética expressa um modo de existência que se reterritorializa quando se encontra sob a força da "homogênese capitalística de um equivaler generalizado" (Guattari, 1993, p.69).
Guattari enfatiza as três bases que sustentam tal lógica: o capital como modo dominante de organização e de valorização social e da vida; o significante que acomoda e paralisa o pensamento impedindo-o de lançar-se às suas virtualidades infinitas; a subjetivação que nos aprisiona, nos encarcera em sujeitos, identidades, comportamentos, atitudes sociais, opções sexuais, atividades profissionais, campos de conhecimento, cegando-nos para a multivalência dos universos de valor (Guattari, 1993, p.42). Este é o modo reterritorializante do controle que fabrica desejos para o consumo massivo, que estabelece modelos e padrões físicos, sociais, culturais a serem seguidos, consumidos e alimentados, que opera pela fabricação em série subjetividades homogeneizantes, dentro de um território e de um mercado.
Mas um agenciamento maquínico do desejo e coletivo de enunciação comporta também um outro movimento, as desterritorializações, que são indissociáveis das reterritorializações; uma é simultânea à outra (Deleuze & Guattari, 1997b, p.218). O movimento de desterritorialização é a operação de linhas de fuga que podem ser compensadas e/ou capturadas por um procedimento de reterritorialização. As linhas de fuga operam um movimento de desterritorialização que abre o agenciamento territorial aos intercessores que o reinventam, que o desterritorializam e, simultaneamente, as linhas de integração operam um procedimento de reterritorialização que o estratifica. Tanto proliferam forças de controle de acesso, de monitoramento, de conservação do estado de coisas quanto proliferam forças articuladoras, potências de invenção de novos modos de existência.


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