sexta-feira, 26 de outubro de 2018
DOIS EM UM...
Kafka também foi atraído pelas visões de Rudolf Steiner e achava que os estados clarividentes que descrevia eram semelhantes aos seus próprios. Está dito nos Diários que Steiner vestia um Príncepe Alberto manchado e coberto de pó, e estava com uma tremenda tosse. Kafka, por sua vez, lhe dizia apenas que era um artista interessado no ramo de seguros. O caráter lhe impedia de seguir uma carreira literária. A carreira de seguros não podia sobreviver à literatura, muito menos ao ocultismo. A maneira como Steiner expressava o caso também não lhe dava muito crédito, o que não lhe afligia. Mas no momento se encontravam juntos, mais uma vez... era domingo, 15 de maio de 2016, e
O SENHOR... cada uma das peças do Senhor (disse o palhaço 1) apresenta um mistério, propõe explicações de tipo demoníaco ou mágico e os substitui, por fim, por outras que são ''meramente'' deste mundo. A maestria do Senhor não esgota a virtude destas breves ficções; nelas creio perceber uma cifra da história humana, um símbolo ou espelho do próprio Senhor e sua atividade. A repetição de seus esquemas de dissonância através dos anos e das peças parece confirmar que se trata de uma forma essencial, não de um artifício retórico: o Senhor Maitreya inverteu sua opinião negativa sobre os empreendimentos levados à cabo por uma ''escória desclassificada'' que, no entanto, segundo Ele, possuía algumas ''joies''. O que antes (então) era explicável como uma pústula produzida pelo excesso de poder e riqueza, agora parecia, sob o efeito de sua ''Vingança'', uma virtude. O feitiço do Senhor extraía u m monte de pus de seus adversários. ------ Se não possuem realmente nenhuma virtude, nenhuma grandeza (dizia o Senhor) que ao menos avistem-na enquanto são castigados (.) ----, o Senhor queria que todos nós representássemos para nós mesmos o estado superior de consciência no qual Ele próprio vivia, através de alguns atos de abstinência que, graças à repetição e às dificuldades, quebrariam a inércia de nossos vícios e complexos, tornando a próxima conquista menos impossível. -- ''Petard'' (o Senhor falou), do francês: engenho usado para derrubar muralhas (.) ----, em momento algum o Senhor voltou a nos chamar de vermes, naquela noite. Todos ficamos maravilhados ouvindo-o dizer tudo aquilo. Seria maravilhoso (pensávamos) se algum dia todos se tornassem realmente capazes de se levantar em grande número e empurrar o Senhor e seus palhaços para o mar, tomando de volta a terra que o Senhor tomou deles de assalto, destruindo seus esquemas simplórios de raciocínio e relacionamento e instaurando para sempre neste mundo o caos cognitivo absoluto, onde apenas Ele reina.
(...)
Entram os dois palhaços:
----- Ele está louco. Deixem-no.
----- Bom, tu te lembras bem de todos os detalhes? Como fomos conduzidos à Ele ?
----- Menos pelo fio de uma anedota do que por uma arte refinada das imagens...
(Aqui, os trechos de canção dos palhaços são uma versão alterada de algumas estrofes do poema de Thomas Lord Vaux , ''The Aged Lover Renounceth Love '', que apareceu nos Sonetos de Shakespeare; e a cena a que assistimos aqui nada mais é do que uma imagem central que se constrói pouco à pouco, por uma superposição de detalhes, de figuras, de lembranças, pela metamorfose e a inflexão insensível de um esquema em torno do qual tudo o que a leitora lê se organiza e anima).
----- Quanto a isso basta. Agora, o outro assunto.
----- O ''OITO'' ?
----- Sim. No escuro, tateando, acharás o que procura.
(Era um oito em pé, incendiado: dois círculos desiguais, um maior um pouco que o outro, tangentes. Os centros incendiados. Era esse oito que viria a assombrar a narrativa como um motivo de obsessão para os pesquisadores).
Voltam os palhaços:
----- Para pôr em evidência a esbelteza de seu corpo, o Senhor usará esse oito. E para fixar as coisas e as pessoas que ele pretende assombrar com a impassibilidade de seu olhar absoluto.
------ Aquele olhar imóvel que atribuímos a alguns pássaros e que evocam retratos antigos.
(Aqui , lentamente, por sucessivos toques, vemos a elaboração prévia do instante em que pôde realizar-se a ''notícia'': ela circulará inicialmente através da narrativa toda, e estará por trás de cada coisa e sob o rosto de cada pessoa: ela é a própria transparência da claridade fria graças à qual veremos tudo, pois é também o vazio no qual tudo se torna transparente).
----- Ontem estive com o Senhor e ele continuou falando das vantagens do deserto, de estudar a própria mente ouvindo sua própria voz dentro dela, e de como era possível ouvir sua própria voz dentro da mente de outra pessoa.
----- Olhos e ouvidos, entrando e saindo da mente dos outros.
K.M.
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