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A ABORDAGEM DE PUTNAM
Partindo de uma orientação teórica que se situa dentro da corrente denominada na ciência política contemporânea "neo-institucionalismo", Putnam desenvolveu o livro Comunidade e democracia (1996). O novo institucionalismo é amplo e dividido em subcorrentes, que possuem como aspecto comum o estudo dos processos políticos tendo como variável explicativa as instituições. Isto o faz diferenciar-se do "velho institucionalismo", que tinha até então como modelos dominantes na ciência política norte-americana o comportamentalismo e o pluralismo6 (Limongi, 1994).
Tendo como referência central a noção de Tocqueville sobre comunidade cívica, Putnam (1996) estudou empíricamente durante mais de 20 anos o processo de descentralização do governo italiano a partir da década de 70, analisando comparativamente o caráter da mudança e do desempenho institucional entre os governos de suas várias regiões. Seu estudo revela que há uma forte correlação entre modernidade econômica e desempenho institucional, e que o desempenho institucional está fortemente correlacionado à natureza da vida cívica. Utilizando para seu estudo das 20 regiões entre o norte e o sul italiano uma metodologia comparativa a partir de análise fatorial e regressão múltipla, foram realizadas, entre 1976 e 1989, mais de 700 entrevistas com conselheiros regionais; três baterias de entrevistas com líderes comunitários (banqueiros, líderes rurais, prefeitos, jornalistas, líderes sindicais e empresariais); e, entre 1968 e 1988, seis sondagens eleitorais junto à população. Para criar um índice de desempenho institucional foram estabelecidas doze variáveis para compô-lo, quais sejam: estabilidade do gabinete; presteza orçamentária; serviços estatísticos e de informação; legislação reformadora; inovação legislativa; creches; clínicas familiares; instrumentos de política industrial; capacidade de efetuar gastos na agricultura; gastos com saneamento local; habitação e desenvolvimento urbano; e sensibilidade da burocracia.
Em sua investigação Putnam constata que certas regiões da Itália (notadamente as regiões situadas ao norte) contêm padrões e sistemas dinâmicos de engajamento cívico. Isto é, seus cidadãos são atuantes e imbuídos de espírito público, as relações políticas são igualitárias e a estrutura social está firmada na confiança e colaboração. Em contraste, outras regiões da Itália (notadamente as situadas ao Sul) padecem de uma política verticalmente estruturada, e a vida social é caracterizada pela fragmentação, pelo isolamento e por uma cultura dominada pela desconfiança7. De acordo com Putnam, tais diferenças na vida cívica são fundamentais para explicar o desempenho diferenciado das instituições e dos governos regionais, e também, em conseqüência, o grau de desempenho econômico das diferentes regiões italianas. O argumento de Putnam (1996) para evidenciar as distinções de comunidade cívica que efetivamente caracterizam a diferença de desempenho institucional e econômico das regiões italianas busca apoio na história do país. Para tanto recua quase um milênio, quando se estabeleceram em diferentes regiões da Itália dois regimes políticos contrastantes e inovadores - uma poderosa monarquia no sul e um conjunto de repúblicas comunais no centro e no norte - que por longo tempo acumularam diferenças regionais sistemáticas nos modelos de engajamento cívico e solidariedade social. É importante ressaltar que este é um aspecto do estudo de Putnam que tem gerado grande polêmica, relativamente à dimensão metodológica de seu trabalho. Ao tratar da história complexa e milenar da Itália de forma rápida (em apenas um capítulo) para explicar as diferenças de civismo nas várias regiões do país, Putnam incorre em inferências imprecisas que levantam o clamor e o protesto de historiadores italianos8. De acordo com Tarrow (1996, p.392), "sua imagem do norte medieval e das cidades estados como um protótipo de republicanismo é telescópica, para dizer o mínimo".
Na tentativa de explicar este estoque de comunidade cívica acumulado historicamente no norte italiano, que legou ao longo das gerações uma organização social baseada em ações coordenadas entre indivíduos mediante regras de cooperação e confiança recíproca, fazendo aumentar o desempenho das instituições e a eficiência da sociedade, Putnam adota o conceito de capital social9. Foi a presença de capital social nas regiões do norte da Itália e ausência deste nas regiões do sul italiano que explica a diferença de desempenho econômico e institucional dos governos locais na Itália. Para explicar as razões deste diferente desempenho institucional Putnam mostra que o grau de desempenho institucional está correlacionado com o grau de participação cívica das regiões, isto é, o grau de interesse dos cidadãos pelas questões públicas. Em seu estudo empírico sobre o grau de participação cívica ou de comunidade cívica das regiões italianas o principal indicador utilizado é a existência de associações civis.
Putnam (1996, pp.106-113) traz como evidência de sua pesquisa a correlação da presença de capital social nas regiões mais cívicas da Itália está com a existência de associações civis10. Nas regiões consideradas mais cívicas, como a Emília-Romagna, os cidadãos participam ativamente de todo o tipo de associações locais - clubes desportivos, entidades de recreação, grêmios literários, grupos orfeônicos, organizações de serviços sociais e assim por diante. Além disso, acompanham com interesse os assuntos cívicos veiculados na imprensa local, e por fim, compareceram às urnas nos cinco principais referendos ocorridos no país entre 1974 e 1987 (sobre divórcio, financiamento publico dos partidos, terrorismo e segurança pública, escala móvel dos salários e energia nuclear) com uma participação média do eleitorado de aproximadamente 90% e baixa taxa de votação preferencial (pessoal). Já nas regiões consideradas menos cívicas, como a Calábria, verifica-se a quase inexistência de associações cívicas e a escassez de meios de comunicação locais, além de um índice alto de voto preferencial (que caracteriza um voto de clientela) de 90% com baixa taxa de participação nos referendos acima citados.
Segundo Putnam (1996, pp. 103-104), as associações civis contribuem para a eficácia e a estabilidade do governo democrático, não só por causa dos seus efeitos internos sobre o indivíduo como também pelos seus efeitos externos sobre a sociedade. No âmbito interno, as associações incutem em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade, senso de responsabilidade comum para com empreendimentos coletivos, bem como espírito público. No âmbito externo, a articulação e agregação de interesses são intensificadas com uma densa rede de associações secundárias11. Como observa Abu-El-Haj (1999, p.71; 1999a, p.90), Putnam defendeu a noção de complementaridade entre a burocracia de Estado e as iniciativas coletivas emanadas do associacionismo horizontal. Para Putnam, a confiança interna em associações provocaria, por um lado, um intenso engajamento cívico. Por outro lado, a normalização do espaço público reproduziria e intensificaria a generalização das iniciativas coletivas. A reciprocidade mútua das instâncias públicas e privadas aumentaria o potencial transformador, valorizando o bem-estar geral da sociedade.
Dentro de uma abordagem histórico-cultural12 o trabalho de Putnam (1996) deixa como conclusão uma pergunta central a ser respondida. Se a comunidade cívica, e conseqüentemente a existência de capital social, tem causas históricas, como é possível defender ao mesmo tempo a idéia de reforma institucional? De acordo com a conduta do seu pensamento, na Itália cada governo regional estaria fadado ao destino histórico traçado por sua comunidade. Generalizando, não haveria saída para qualquer país do Terceiro Mundo, ou mesmo para qualquer cidade ou região não-cívica em qualquer parte do planeta vir tentar a torna-se cívica, isto é, obter capital social, caso um governo com forte propósito nesse sentido o desejasse, pois o determinismo histórico-cultural já os havia condenado. Diante disto é que Putnam deixa uma questão ao final de seu trabalho, se governos são capazes de criar capital social.
"A comunidade cívica tem raízes históricas. Esta é uma afirmação deprimente para os que vêm a reforma institucional como estratégia de mudança política. O presidente da Basilicata não pode transferir seu governo para a Emilia, e o primeiro-ministro do Azerbaijão não pode transferir seu governo para o Báltico. Uma teoria da mudança que dê prioridade ao ethos pode ter conseqüências desastrosas (...). Pode acabar solapando as iniciativas de mudança por acreditar-se que as pessoas estão inapelavelmente enredadas num ethos. Mais de um regionalista italiano declarou-nos em particular que a divulgação de nossos resultados pode involuntariamente prejudicar o movimento da reforma regional. Um competente presidente de uma região não-cívica e partidário da reforma regional exclamou ao ouvir nossas conclusões: 'isso é aconselhar o desespero! O que vocês estão me dizendo é que nada que eu venha a fazer melhorará nossas perspectivas de êxito. O destino da reforma já estava traçado a séculos' (...) Criar capital não será fácil, mas é fundamental para fazer a democracia funcionar." (gritos do autor, pp. 192-194).
Ao deixar como uma de suas conclusões esta questão, se os governos são capazes de criar capital social, Putnam abre um campo de pesquisa, que vai tratar de sob quais circunstâncias e condições as instituições públicas são capazes de estimular o civismo por meio da elaboração e implementação de políticas que visem desenvolvimento econômico e social. Dentro do grupo de discussão do capital social13, um dos estudos mais consistentes, que representa não só crítica mas também complementaridade à teoria de Putnam, é o trabalho organizado por Evans (1997). Evans e seus colaboradores, com base na análise de casos de políticas realizadas por países em desenvolvimento, sustentam a idéia do papel central das instituições na formação de capital social, através de uma sinergia na relação entre Estado e sociedade civil quando da implementação de programas de desenvolvimento social.
Vale destacar que em seu artigo publicado em 1995 ("Bowling Alone: America's Declining Social Capital"), Putnam, ao discutir as razões pelas quais ele afirma estar declinando o capital social nos Estados Unidos, tais como mobilidade social e territorial, transformações demográficas e tecnológicas, aponta uma saída para este contexto de erosão das vizinhanças e redes associaciativas de confiança e solidariedade. Trata-se de explorar criativamente o potencial que as políticas públicas podem incutir na mobilização de civismo e em conseqüência de capital social (Putnam, 1995, pp.75-76). Em seu mais recente trabalho, que leva o mesmo título do artigo publicado em 1995, e que é a sua continuação e aprofundamento, Putnam (2000, p.90) afirma que estado e sociedade juntos podem produzir civismo ou capital social. Neste sentido nenhuma parte poderá prescindir da outra. Nas palavras do próprio Putnam (2000, p.413) ao analisar o caso americano: "O papel das instituições locais e nacionais em restaurai* a comunidade americana necessitam ser complementares; nenhuma delas sozinha pode resolver o problema. Outro falso debate é se o governo é o problema ou a solução. A resposta acurada, julgando o registro histórico, é que ambos [Estado e sociedade] são importantes."
DE TOCQUEVILLE A PUTNAM
Durante o seu estudo do caso italiano Putnam (1996) toma a noção de comunidade cívica de Tocqueville como referencial de análise para encontrar suas evidências. Com relação à influência direta que o pensamento de Tocqueville teve no trabalho de Putnam, no que tange à definição de comunidade cívica a partir da existência de associações civis, afirma este (1996, p.103): "Certas estruturas e práticas sociais incorporam e reforçam as normas e os valores da comunidade cívica. Nesse campo o teórico social mais importante continua sendo Alexis de Tocqueville. Ao analisar as condições sociais que sustentavam a Democracia na América, Tocqueville atribuiu grande importância à propensão dos americanos para formar organizações civis e políticas."
O aspecto fundamental na teoria democrática de Tocqueville14 é a associação entre liberdade e igualdade. É a igualdade o princípio democrático fundamental que vai explicar a democracia. Essa igualdade a que Tocqueville se refere é uma igualdade cultural e política entre as pessoas, não econômica, que poderia ser traduzida, segundo Zetterbaun (1996; 1967), como iguais oportunidades de educação e uniforme garantia de direitos. Assim, a democracia estará sempre associada a um processo igualitário que não poderá ser sustado, desenvolvendo-se em diferentes povos conforme suas variações culturais. Porém a variável independente que explica a democracia, isto é, o aspecto-chave de que vai depender a democracia, é a ação política dos cidadãos, como um dos instrumentos de vigilância do povo que asseguram a igualdade.
Ao estudar a experiência norte-americana Tocqueville afirma que a igualdade só pode existir num governo livre, isto é, num governo que não seja despótico. O despotismo estimula e gera o individualismo, na medida em que isola os indivíduos e não lhes dá responsabilidade pelo bem comum, nem incentiva a ação política dos cidadãos. Os homens presos de modo egoísta aos seus compromissos privados não se interessam pelo interesse comum e acabam deixando o destino dos negócios públicos a uma só ou poucas pessoas."O despotismo, que por natureza é suspeitoso, vê no isolamento dos homens a medida mais certa da sua própria permanência e via de regra dedica todos os seus cuidados a isolá-los. Não há vício do coração humano que tanto concorde com ele quanto o egoísmo: um déspota perdoa facilmente aos governados o fato de não o amarem, desde que não se amem entre si. Não lhes pede que o ajudem a conduzir o Estado; basta-lhes que nunca pretendam dirigi-lo sozinhos. Chama espíritos turbulentos e inquietos àqueles que pretendem unir os seus esforços para criar a prosperidade comum, e mudando o sentido natural das palavras, chama bons cidadãos àqueles que se encerram fortemente em si mesmos. (...) A igualdade põe os homens ao lado uns dos outros, sem laço comum a mantê-los. O despotismo eleva barreiras entre eles e os separa. Dispõe-nos a não pensar nunca em seus semelhantes e faz para eles, da indiferença, uma espécie de virtude pública." (A Democracia na América, livro 2, p. 125).
Como se vê, ao afirmar que a igualdade põe os homens ao lado uns dos outros, sem laço comum a mantê-los, Tocqueville procura logo em seguida mostrar que o problema da igualdade, de tender a transformar-se em individualismo, foi resolvido na América por meio da autonomia do poder local. Como torna-se difícil para um cidadão dedicar-se aos negócios públicos na esfera nacional, é na comunidade que os indivíduos aprendem a ocupar-se do bem comum na ação pública.
"Os americanos combateram, por meio da liberdade, o individualismo que a igualdade fazia nascer, e o venceram. Os legisladores da América não acreditaram que, para curar uma enfermidade tão natural ao corpo social nos tempos democráticos, e tão funesta, bastava conceder à nação inteira uma representação de si mesma; pensaram que, ademais disso, seria conveniente dar uma vida política a cada porção do território, a fim de multiplicar ao infinito, para os cidadãos, as ocasiões de agir em conjunto e de fazê-los sentir todos os dias que dependem uns dos outros. Isso era conduzir-se com sabedoria. Os negócios gerais de um país ocupam apenas os principais cidadãos. Estes só de longe em longe se reúnem nos mesmos lugares; como ocorre muitas vezes se perderem de vista depois disso, não se estabelecem laços duráveis entre eles. Mas quando se trata de regular os negócios particulares de um distrito pelos homens que nele habitam, os mesmos indivíduos estão sempre em contato e, de certo modo, forçados a conhecer-se e agradar-se uns aos outros. (...) As liberdades locais que fazem um grande número de cidadãos perfazerem a simpatia de seus vizinhos e próximos levam pois, sem cessar os homens uns aos outros, a despeito dos institntos que os separam e os forçam a se ajudar mutuamente" (A Democracia na América,livro 2, pp. 126-128).
A expressão da ação pública, voltada para o bem comum, que assegura a não tirania da maioria, se dá na criação de associações. Sobre o caráter associativo da sociedade americana discorre Tocqueville: "Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos se unem sem cessar. Não apenas têm associações comerciais e industriais que todos participam, mas possuem além destas mil outras: religiosas, morais, graves, fúteis, muito e muito particulares, imensas e minúsculas; os americanos se associam para dar festas, fundar seminários, construir albergues, erguer igrejas, difundir livros, enviar missionários aos antípodas; criam desta maneira hospitais, prisões, escolas. Enfim, sempre que se trata de por em evidência uma verdade ou desenvolver um sentimento com o apoio de um grande exemplo eles se associam" (A Democracia na América, livro 2, p. 131).
Embora Tocqueville achasse que fossem necessárias outras medidas para assegurar a democracia, tais como a descentralização administrativa e a autonomia do poder loca!, a criação de leis que assegurem a igualdade de direito, a liberdade de imprensa, as eleições indiretas, a justiça independente, a separação entre Igreja e Estado, para ele o suporte maior da liberdade com igualdade está colocado na ação política dos cidadãos e na sua participação nos negócios públicos. E é através da criação e desenvolvimento de organizações e associações livres que estimulem a cidadania que se pode assegurar a manutenção do espaço da palavra e da ação. De acordo com Whitehead (1999, p. 18), Tocqueville foi o primeiro teórico de importância a apresentar a sociedade civil como uma contrapartida indispensável para uma democracia estável e vigorosa, ao invés de uma alternativa a ela. Como considera Tocqueville:
"É claro que se cada cidadão, à medida que se torna individualmente mais frágil e conseqüentemente mais incapaz de preservar isoladamente a sua liberdade, não aprendesse a arte de se unir a seus semelhantes para defendê-la, a tirania necessariamente cresceria com a igualdade. (...) As sociedades aristocráticas sempre encerram no seu seio, no meio da multidão de indivíduos que nada podem sozinhos, um pequeno número de cidadãos muito poderosos e muito ricos; cada um deles pode executar sozinho grandes empreendimentos. Nas sociedades aristocráticas, os homens não têm necessidade de unir-se para agir, porque são fortemente mantidos juntos. Cada cidadão rico e poderoso forma ali como que a cabeça de uma associação permanente e necessária que é composta de todos aqueles que faz concorrer para a execução de seus desígnios. Nos povos democráticos, pelo contrário, todos os cidadãos são independentes e frágeis; quase nada podem sozinho se nenhum dentre eles seria capaz de obrigar seus semelhantes a lhe emprestar seu concurso. Por isso, caem todos na impotência se não aprendem a se ajudar livremente. (...) São as associações que, nos povos democráticos, devem tomar o lugar dos particulares poderosos que a igualdade de condições fez desaparecer" (A Democracia na América, livro 2, pp. 131-135).
Ao falar da qualidade dos americanos de criar associações de todos os tipos, desde empresas a partidos políticos, associações religiosas, de lazer, Tocqueville tenta mostrar uma correlação entre a presença de associações e organizações civis e a igualdade, numa sociedade democrática. A autonomia do poder local, junto com a existência de associações civis, é que define a comunidade cívica para Tocqueville.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da apresentação das linhas gerais dos dois autores, Putnam (1996) e Walzer (1993; 1990), um dos pontos fundamentais de divergência é a filiação teórico-conceitual de cada um, estando Walzer intimamente ligado às tradições do humanismo cívico e Putnam influenciado pelo republicanismo clássico de Tocqueville.
Um dos pontos comuns que podem ser observados nos dois autores é a idéia de que a comunidade cívica pode ser melhor observada em unidades descentralizadas do território de um país. É no nível do estado, região, cidade ou distrito que será possível a convivência mútua dos indivíduos em organizações civis de toda natureza e a participação direta mais intensa dos cidadãos na política. No nível nacional, portanto, para ambos os autores a expressão de uma comunidade cívica torna-se praticamente inexeqüível. Este aspecto parece corroborar a afirmação de Macpherson (1978: 99), de que a democracia participativa parece não se adequar a um nível nacional, apesar de não se desconsiderarem nesse nível as iniciativas populares.
Um outro ponto comum, que refere-se especificamente a Putnam (1996) em relação ao segundo texto de Walzer (1990), é a idéia da existência de associações como elemento importante para desenvolver o civismo numa comunidade. Apesar de Walzer (1990) assumir uma versão de humanismo cívico denominada por ele republicanismo neoclássico, seus argumentos sobre a importância de associações civis para construir uma comunidade cívica vão ao encontro da visão de Putnam (1996). É evidente que Walzer (1990) só se desvencilha parcialmente da tradição do humanismo cívico, mas o fato de admitir que as associações são importantes junto com uma participação política mais intensa é uma grande transigência de seu argumento em relação a Spheres, seu primeiro trabalho.
Para finalizar, cabe observar que ambas as abordagens possuem o grande mérito de complementarem-se e assim contribuir com o pensamento político visando ampliar o entendimento do que vem a ser virtude cívica e de como a virtude cívica da coletividade pode produzir um aumento de democracia. Tanto a participação direta na vida política do Estado quanto em associações civis são de grande importância para ampliar a democracia e criar comunidade cívica.
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