segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Do sânscrito: KAMA

O que as pessoas não perdoavam em mim
era a incapacidade de sofrer por elas,
pervagando e insinuando-me sem densidade
nas gretas das jaulas de pele.
O alívio à sensação dolente vinha
na amada, idolatrada saliva metafísica,
tingindo a história com seu tema glacial.
Aquele sono, no entanto, já havia acabado
há muito tempo, mas continuava ecoando
de boca em boca, correndo o mundo
igual à onda que falece lentamente,
debaixo da espumante impossibilidade:
explosão de verbos, sêmens, leites, suores,
servidos por bocas, sexos, seios, poros
dos quais em mim não restava vestígio.
Dentro de mim apenas o veio faminto
do Universo a girar, olho no olho,
desde a gruta secreta do desejo
que deseja o desejo transmutar... em PUNHO
atroz e sem coração, mediante as carícias
precisas do desprezo, do arrepio de toda ilusão.
Lava de olho eruptivo pingando em silêncio táctil,
derramando a voz magmática no day after
do KAOS. ''Olho corredor'', além das portas,
dilatando-se, acelerado, em vitórias e derrotas.
E junto às frestas da amplidão, nova parada selvagem
procurando em corpos alheios a perfeição.
A voz do Demônio entra em cena. Ligeira vantagem
na apresentação, na medida do que vale a pena:
''Te julgas bela, inteligente e forte,
sendo só gostosa, mundana e instável.
Quero-te eterna, amada! Entanto és descartável''.
Fixando o teto, volve-se ao decúbito ventral.
Ela dorme, sua cabeça pendula no espaço sideral.
O Demônio gira, deitando sobre seu lado esquerdo.
Os lábios dela babam trêmulos desejos.
O Demônio cola o queixo nela. Bizarro altar de beijos.

Logo mais, o velho umbral da ''porta''
restará desgastado. Fala, pois, proclama:
Aqui é o tempo do dizível, nossa pátria,
onde perecem as coisas vivíveis na chama,
num doce limbo de astúcia sem limites
ao alcance da mão, dentro do olhar. KAMA.

K.M.

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