sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Pierre Bourdieu. SOBRE A TELEVISÃO.

Pierre Bourdieu. Sobre a Televisão, seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997, 143 pp.

Sylvia Caiuby NovaesProfessora do Departamento de Antropologia – USP

Publicado pela primeira vez na França em 1996, a edição brasileira deste livro de Bourdieu veio acrescida de um posfácio e de um artigo sobre os jogos olímpicos. Bourdieu optou por falar sobre a televisão na própria TV e o texto é resultado das duas aulas em que ele procura analisar o modo como a TV coloca em risco diferentes áreas do conhecimento, assim como a vida política e a própria democracia. O programa em que ele apresentou suas aulas teve condições excepcionais, exatamente aquelas ausentes na programação que ele critica, ou seja, contou com a possibilidade de fazer da TV "um extraordinário instrumento de democracia direta", sem constrangimentos de qualquer ordem. Numa resenha sobre este mesmo livro, publicada no nº 5 de Cadernos de Antropologia e Imagem, Carmem Rial informa que Sobre a Televisão permaneceu na lista dos dez mais vendidos durante meses, tendo tido um enorme impacto na França quando de sua publicação.
Tal como fez quando se dispôs a analisar outros universos, como a arte, a universidade, a religião, neste livro foi também a partir da noção de campo que Bourdieu desenvolveu sua análise sobre a televisão e, particularmente, sobre o jornalismo televisivo. "Um campo é um espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior deste espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou conservar este campo de forças." (p:57). Como se estrutura o campo jornalístico e quais as conseqüências desta estruturação para o jornalismo que nos é oferecido pela TV?
A tese de Bourdieu é simples: o universo do jornalismo é um campo que está sob a pressão do campo econômico a partir de uma realidade a qual a TV cada vez mais se submete: o índice de audiência. É através dos índices de audiência que a lógica comercial se impõe às produções culturais. Até cerca de trinta anos atrás o sucesso comercial imediato era visto como suspeito – nas artes plásticas, na literatura, etc.; hoje o mercado aparece como instância legítima de consagração do artista – os bestsellers, as listas diárias nos jornais dos mais vendidos, etc., apenas refletem esta tendência. Na TV, como bem lembra Bourdieu, esta lógica é levada ao máximo, já que os índices de audiência podem ser medidos a cada quarto de hora, com a possibilidade inclusive de se verificar as variações por grandes categorias sociais.
Em íntima conexão com os índices de audiência estão os critérios de seleção daquilo que será mostrado na TV. A TV convida à dramatização, no duplo sentido: põe em cena as imagens e exagera a importância do fato, seu caráter dramático e trágico. Os acontecimentos são selecionados a partir do princípio do sensacional, do espetacular, da busca do "furo jornalístico", que inunda a tela de enchentes, incêndios, acidentes, assassinatos. Ao submeter-se à pressão comercial a TV pode "ocultar mostrando, mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso fizesse o que supostamente faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna insignificante, ou construindo-o de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde absolutamente à realidade" (p:25). A TV que se pretende um instrumento de registro torna-se, assim, um instrumento de criação de realidades e é, neste sentido, um campo de produção simbólica com muito pouca autonomia. Bourdieu parece ter sempre em mente a TV francesa, embora faça referências explícitas ao telejornalismo norte-americano. Como brasileiros não temos nenhuma dificuldade em reconhecer nessas frases aquilo que ocorre nos programas de grande audiência (Ratinho, Faustão, Gugu Liberato e outros) e mesmo com nossos telejornais, mas será que essa é a realidade da TV em si, não importando o país ou região?
Seria interessante um estudo comparativo sobre o telejornalismo em diferentes países. O estilo de telejornalismo inglês, por exemplo, é muito diferente do modelo norte-americano. Há uma preocupação analítica mais explícita, a contextualização dos fatos é em geral buscada, há um número maior de programas que, na linha dos documentários, em que os ingleses são os grandes mestres, se dispõem a discutir um tema específico. Vale a pena lembrar que dos quatro canais de TV britânicos, a BBC1 e a BBC2, os dois primeiros canais de exibição (ligados ao governo) têm possibilidade de autonomia já que lá cada proprietário de aparelho televisor é obrigado a pagar uma taxa de 80 libras por ano (algo em torno de US$120), o que significa uma fabulosa arrecadação para a produção de programas de televisão que não ficam na dependência de uma legitimação através dos famosos índices de audiência. Na Grã Bretanha uma série de direitos da audiência devem ser resguardados e cabe a TV cumprir os papéis sociais de um meio de comunicação deste porte. Talvez estas sejam condições importantes para a garantia da possibilidade de programas informativos que não se prendam à lógica do patrocinador ou morram à míngua por absoluta falta de verba, como é o caso de alguns dos programas da TV Cultura em São Paulo.

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