quinta-feira, 30 de agosto de 2018

E aí em casa? A ceifa já acabou?



Em 1876, com 22 anos, alistou-se como voluntário no Exército Colonial Holandês indo para Java, na actual Indonésia. Desertou pouco depois, regressando a França clandestinamente num barco de carga. Em 1878 vamos encontrá-lo em Lanarca, na ilha de Chipre onde trabalhou como capataz numa pedreira. Adoeceu, contraindo uma febre tifóide, e voltou ao seu país. Em 1880, vemo-lo chegar a Aden, no actual Iémen, onde obteve um lugar de responsável pelo escritório da companhia Pierre Bardey. Em 1884, com 30 anos, demite-se da Bardey e torna-se mercador por conta própria em Harare, na Abissínia (Etiópia). Embora negoceie outras mercadorias, o fulcro do seu negócio é o tráfico de armas.

Alexandria , Dezembro de 1878


Cheguei aqui após uma travessia de dez dias e, depois de andar às voltas há duas semanas, eis que só agora as coisas começam a encaminhar-se! Vou ter em breve um emprego; já trabalho bastante para viver, pobremente, é verdade. Ou me ocuparei numa grande exploração agrícola a cerca de dez léguas daqui (já lá fui, mas não vai haver nada antes de algumas semanas); — ou entrarei proximamente nas alfândegas anglo-egípcias, com um bom venci­mento; - ou penso que partirei em breve, preferencialmente para Chipre, ilha inglesa, como intérprete de um grupo de trabalhadores. Em todo o caso, prometeram-me arranjar qualquer coisa; é com um engenheiro francês -homem prestável e talentoso - que terei de tratar. Só que me pedem o seguinte: uma palavrinha tua, Mamã, reconhecida pela mairie, constando do seguinte:


"Eu abaixo assinada, esposa de Rimbaud, proprietária em Roche, declaro que o meu filho Arthur Rimbaud deixou de trabalhar na minha propriedade, que saiu de Roche de livre vontade, no dia 20 de Outubro de 1878, que se comportou honrosamente quer aqui quer noutros lugares e que presentemente não se encontra sob a alçada da lei militar.


Assinatura"

Mont-Troodos (Chipre), domingo, 23 de Maio de 1880



(...) Não encontrei nada para fazer no Egipto e parti para Chipre já lá vai um mês. Ao chegar, deparei com os meus antigos patrões na falência. No entanto, ao fim de uma semana, arranjei o emprego em que estou presentemente. Sou fiscal no palácio que estão a construir para o governador-geral, no topo do Troodos, a montanha mais alta de Chipre (2100 m).


Até agora estava só com o engenheiro, numa das barracas de madeira que formam o acampamento. Ontem chegaram cinquenta operários e a obra vai para a frente. Sou o único fiscal, e por enquanto só recebo duzentos francos por mês. Pagam-me há quinze dias, mas faço muitos fretes: temos de viajar sempre a cavalo; os transportes são muito difíceis, as localidades muito distantes e a comida muito cara. Além disso, enquanto nas planuras se tem muito calor, nesta altitude faz, e vai fazer ainda durante mais um mês, um frio desagradável; chove, saraiva, e a ventania é de nos deitar abaixo. Foi-me preciso comprar colchão, cobertores, casacão, botas, etc., etc.

Aden, 17 de Agosto de 1880


Deixei Chipre com 400 francos, ao fim de quase dois meses, após altercações que tive com o caixa e com o meu engenheiro. Se tivesse ficado, teria atingido uma boa posição em poucos meses. No entanto, posso voltar para lá.


Procurei trabalho por todos os portos do Mar Vermelho, em Djedda, Suakim, Massauah, Hodeidah, etc. Vim para aqui depois de ter tentado encontrar qualquer coisa que fazer na Abissínia. Ao chegar, estive doente. Sou empre­gado na casa de um comerciante de café1, e ainda só ganho sete francos2. Quando tiver algumas centenas, vou para Zanzibar, onde, segundo dizem, há trabalho.


Dêem-me notícias.



*

Aden, 25 de Agosto de 1880



Parece-me que terei posto recentemente no correio uma carta para vocês a contar-vos como, por infelicidade, tive de abandonar Chipre e como aqui cheguei depois de ter andado às voltas pelo Mar Vermelho.


Aqui, estou no escritório de um comerciante de café. O agente da companhia é um general na reforma. Os negócios vão mais ou menos, mas havemos de fazer muito mais. Eu ganho pouco, não passa dos seis francos por dia; mas se ficar por cá, e bem necessito, porque isto está tão longe de tudo que são precisos vários meses até se ganharem umas escassas centenas de francos para, em caso de necessidade, se poder partir; se ficar, creio que me darão um cargo de confiança, talvez uma agência noutra cidade, e assim poderei ganhar algum dinheiro um pouco mais rapidamente.


Aden é um rochedo medonho, sem uma única pontinha de erva nem uma gota de água boa: bebe-se água do mar destilada. Aqui o calor é excessivo, sobretudo em Junho e Setembro, que são os dois meses de canícula. A temperatura constante, noite e dia, num escritório muito fresco e ventilado é de 35 graus. É tudo muito caro, e assim por diante. Mas não há nada a fazer: estou aqui como um prisioneiro e terei de cá ficar pelo menos três meses antes de me poder aguentar nas pernas ou ter um emprego melhor.


E aí em casa? A ceifa já acabou?


Dêem-me notícias.

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