quinta-feira, 16 de agosto de 2018

ICE KISS

Não fosse o poderoso alimento por trás deles
e meu odioso ranger de chaves soldando
ocultamente o capital selvagem da madrugada...
nos encontraríamos de novo, bem longe disto.
O veredicto ainda anda na neblina
súbita, siberiana da locomotiva silenciosa.
E se uma mulher se depara com minha sombra
dôo meu reino à ela em troca da caneta
com que revogo meu próprio abandono.
Não subestimo sua inteligência: ''apenas''
chamo-a de volta, quando anoitece em sua mente
e as coisas se confundem para sempre.
Sorriso de melancia em seu pescoço?
NÃO: é a fera com olhos de falcão quem fala,
e a palavra pouco importa aqui. Ha mais o que fazer na sala
da LUZ ASTRAL, do que chover no molhado. O Ienissêi
corre turbulento, como um obus envenenado.
Sorrateiro bandido de calça jeans e tênis,
armado tão somente com seu pênis: ''Eu sei
que não deixarás que leve nada comigo.
Está certo, devo admitir que ela venceu''.
Mas no momento da pancada,  meu vigor é de aço,
os golpes da carne se encaixam, e beijos gelados
fixam o frio selvagem no Dia da Lembrança.
Os mistérios do ofício, é assim que acontece:
no gatilho da mente o gesto extremo
transpira da testa o zoom de um aceno.
Pescoço franzino sob absurda mira rúptil.
O olho feroz do bicho afronta a solidão,
esmaga os caprichos, e ouve-se o estrondo de trovão.
Estreita-se assim o círculo secreto. Abismo possante!
A poesia, depois, torna tudo desmesurado:
''Se ela soubesse de que lixeira saem,
desavergonhados, os versos com dente-de-leão...''
O hálito da vida gargalha, a goela sacoleja
e a notícia da noite alcança a dimensão de lixo.
Misteriosamente o poeta perambula, entao.
Calado, ensina as mulheres a murmurar no escuro.
Ele é o que, no escuro subterrâneo, afia a pedra
e ajusta contas com a Chama. Graças à ele,
sabemos agora o que está em jogo: ''O vento da guerra,
a língua russa e teus olhos de lince, Ásia,
espiaram algo de mim esta noite?'', ela pergunta.
Que Deus me perdoe: o poeta não responderá,
vai prefirir ficar novamente sozinho, parecendo
astuto ou sarcástico diante do próprio NÃO.
Desolado de tanto triunfo, pode ele agora
continuar correndo livremente por aí,
com medo de estar perto no momento em que ri.
Mas, mais do que tudo, queria ele estar contigo
de novo. Esquecido de todo esse perigo...

K.M.


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