la politica consiste en gobernar ocultando cosas
http://www.fafich.ufmg.br/jornalismo/jornalismo_episteme_techne.pdf
O Jornalismo é inseparável da construção do mundo moderno, do internacionalismo
da maneira ou técnica ou do modo de produção capitalista – e, depois, na sociedades
socialistas - que se suporta na submissão das forças da natureza à vontade do homem, na
criação das máquinas como forma ou meio de intermediação entre homem e natureza e de
certa objetivação da natureza que passa a ser tratada enquanto fonte para a acumulação de
riqueza.
Essas sociedades tomaram-se a si mesmas como formações sociais, históricas e
culturais decorrentes do homo-economicus, este ente incensado pelo neoliberalismo,
estritamente tangido pelos seus interesses aquisitivos-possessivos, egocêntricos, pelo cálculo racional, para evadir-se das dificuldades e assegurar o prazer e, enfim, ente que agiria, sempre, co-movido por interesse próprio econômico ou aparentemente não-econômico, no
esforço de conhecer e explorar otimamente as condições do mercado. 4
Nas sociedades capitalistas e naquelas que ensaiaram o regime socialista, é o
comportamento econômico, reino da necessidade, que é convertido em questão central. Notese:
não é o bem-estar do homem, nem a fruição da vida a questão central, mas a satisfação das
necessidades. Ou seja; a sociedade é tangida pelo valor de troca, equivalente geral que
envolve, inclusive, a produção, circulação e consumo/consumação do conhecimento, o que irá presidir a informação jornalística que nasce e se desenvolve, fundamentalmente, como valor de troca.
Nessas sociedades - capitalistas ou não - a diversidade de interesses vitais irrompem
e constituem uma esfera pública - um campo de forças econômicas e sociais, políticas e
ideológicas. Acresce salientar que, embora estruturalmente verticais, as sociedades
capitalistas foram obrigadas, após a Revolução Industrial e com o acirramento do conflito de
classes, a uma certa horizontalização das relações interclasses (inclusive em decorrência do
livre-contratualismo e da democracia representativa pregados pelo liberalismo). Além disso,
o liberalismo considerará o indivíduo livre e consciente, racional - o que valorizará
sobremaneira a opinião pública como fundamento legitimador do poder. O jornalismo e a
imprensa industrial aí insurgem como forma e por força de uma nova sociabilidade -
sobretudo se levar em conta a propaganda e publicidade na difusão de bens. 5
Esse campo impessoal, objetivado, mediado pela moeda-valor-de-troca constitui, ao
lado do fugidio, do fragmentário, do que desmancha no ar, um novo espaço público, que
altera a comunicação: a relação, por exemplo, entre significado e significante própria da
linguagem (ao menos em certas teorizações) é alterada, pois a moeda-valor-de-troca imprime uma voz diferente aos produtos-mercadorias, como a moeda deixando de ser significante do valor trabalho, para se converter em objeto da ambição / desejo do ser humano. 6
Esse novo espaço gera uma nova necessidade de informação-comunicação, de
dimensão massiva em sociedade de cidades infladas e que conforma um novo campo
conflitivo, contraditório, antagônico - mas campo único e comum de interesses conflitantes
do burguês e do proletário, classes e ou grupamentos sócio-econômicos envolvidos nas
relações mediadas pelo jogo econômico de apropriação / expropriação. Não nos parece
infundado, portanto, situar o jornalismo como insurgência de comunicação - originariamente - suportado no fragmentário, no fugidio, no efêmero que são as condições existenciais criadas com e a partir do capitalismo - mas igualmente como forma de comunicação que procura dar
conta das relações econômicas, políticas e, depois, relações sociais / societárias de poder.
Enquanto forma de comunicação rigorosamente nascida e desenvolvida sob a égide das
relações sociais desiguais e de poder, o jornalismo está diretamente interligado à luta desigual pela sobrevivência, convertida em esfera pública ou esfera comum, mediada pelo equivalente geral, a moeda-valor-de-troca, significante convertido em objeto de ambição, de desejo.
Mesmo sabendo, hoje, da diferença entre a luta pela sobrevivência do burguês
(proprietário e efetivamente separado dos meios de produção) e do proletário (absolutamente interligado ao meio de produção que é sua força de trabalho ou energia produtiva, inscrita no próprio corpo) - ainda assim e por causa disso, o capitalismo gera uma esfera pública. Logo, a insurgência das questões econômicas e sociais e políticas ocorrem no plano do interesse público ou do interesse – diversificado, antagônico - mas comum, o que reforça a provocação de comportamentos competitivos e egoístas.7
Acontecimento, notícia e realidade
A tradição de estudos da Comunicação e do Jornalismo não deixa margem de
dúvidas sobre a tecnificação da linguagem e da comunicação. Quer sejam estudos centrados
no emissor, quer sejam voltados para a recepção, quer tomando ambos os pólos como
imbricados, o que os estudos indicam é um continuado esforço de instituir uma certa versão
do real. Esse esforço de controle foi largamente debatido pelas teorias da informação e teorias da comunicação e, mais especificamente, pelos estudos sobre as tentativas de controle e direção política da opinião pública. Aqui será trabalhada, em parte, essa literatura, tendo como referência as hipóteses de agenda-setting e da espiral do silêncio, do Jornalismo como construção social da realidade ou simulação da realidade e, finalmente, do Jornalismo como produção de conhecimento (episteme e techne).
A hipótese do agenda-setting constitui esforço de compreender e dominar a
comunicação na sociedade contemporânea, na qual é possível determinar e controlar
informações, controlar (ou anular) o debate sobre temas que envolvem antagonismos ou
controlar os termos de conflitos que aparecem com os debates. O possível controle do
conteúdo e das possibilidades de debate e de reflexão pode induzir as decisões dos indivíduos, pois todo ser humano decide segundo um certo grau de informação de segurança dada pela informação. Para isso, o agenda setting aponta duas condições indispensáveis:
1)pouca familiaridade das massas de indivíduos com o tema em pauta e, 2) certo controle da mídia.
Embora seja uma noção mais antiga, a hipótese do agenda-setting , pesquisa e discute temas políticos em dois pólos: a - polo da recepção (relação entre vários temas e vários indivíduos ou de vários temas e um indivíduo) e b - polo da emissão, centrados na mídia e na agenda institucional ou de poder público. 8
O agenda-setting está interligada à hipótese da espiral do silêncio - que parte do medo
que têm os agentes sociais em geral de se encontrarem isolados em seus comportamentos,
atitudes e opiniões. O medo ao isolamento resultaria na tendência ao silêncio, de modo que, num determinado universo social, quanto mais forte for a opinião dominante, maior será a tendência ao silêncio da opinião dominada ou minoritária.
A tendência ao silêncio – tal qual o agenda-setting - exige uma série de pré-condições
que podem ser assim resumidas: a) controle das mídias (todos tratam do mesmo assunto da
mesma forma); b) obter, de todas as mídias, enfoque do mesmo assunto com aparente
objetividade e, c) conquista da opinião pública. As hipóteses do agenda-setting e da espiral
do silêncio têm muito a ver com as leis de propaganda. 9
A comunicação mediática parece ser uma hipótese mais rica, porque insiste na heterogeneidade e na polissemia ou na interdiscursividade que demarcam a comunicação
contemporânea. Senão, vejamos : a hipótese do agenda-setting trata como efetivamente
diferentes, os pólos da emissão (mídia, instituições, poder público) e da recepção (relação
entre vários temas e indivíduos e vários temas e um indivíduo). Agenda -setting e hipótese da espiral do silêncio indicam, precisamente, o esforço de controlar, anular ou eliminar a
heterogeneidade, a pluralidade efetiva, o ruído posto pela polissemia e pela interdiscursividade próprias da linguagem e do discurso.
Mas há algo mais nessas hipóteses: apesar do esforço de compreender a recepção e o
limite que a recepção significa para o esforço de controle da opinião pública, a ênfase, em
ambos os estudos, recai sobre o emissor. Ou seja: há uma recaída nos estudos teóricos da
comunicação que insistem na linearidade do esquema emissor (mensagem canal/mídia
ruído) receptor, distinção assegurada pela máquina/canal ou mídia. Mas o que dizem os estudos do Jornalismo e da Comunicação enquanto produção de acontecimentos discursivos ?
Para Adriano Duarte Rodrigues, o acontecimento, no discurso jornalístico, é o
referente, o fato que é tornado acontecimento e que irrompe, de modo aleatório, na superfície lisa da história, selecionado numa multiplicidade de fatos que são, também, acontecimentos virtuais. Rodrigues afirma a natureza especial do acontecimento jornalístico, que se distinguiria do número indeterminado dos acontecimentos possíveis, distinção decorrente da seleção ordenada pela lei das probabilidades, sendo inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência.
O jornalismo, nessa linha de reflexão, exige o que seria digno de registro e memória,
registro do que é notável pelo excesso, pela falha ou pela inversão. Mas é diante da
insegurança do homem comum, desguarnecido de referências que o ajudem a compreender o mundo que as mídias e os discursos mediáticos surgem para dar ordem e conferir
racionalidade ao aleatório e à trama do presente, de modo especular (especular vem de
speculum que é vidro ou espelho, objeto que permite que alguém conheça algo nele
refletido). 10
Nelson Traquina admite que o “objetivo declarado de qualquer Órgão de
Informação” é de relatar “acontecimentos julgados significativos e interessantes”. Traquina
considera esse objetivo “inextrincavelmente complexo”, pois o Jornalismo é uma profissão
cercada de mitos (como o do comunicador ativista desinteressado, ou como neutro
observador dos fatos e guardião da liberdade). Traquina também considera mito a
objetividade jornalística (substituição da fé nos fatos pelas regras e técnicas de apuração e
exposição dos fatos, a partir dos .anos 20 e 30, nos Estados Unidos).
Traquina, para tentar definir a notícia e determinar a noticiabilidade dos
acontecimentos, afirma que as empresas jornalísticas teriam criado uma ordem no espaço que é traduzida por uma determinada organização de fontes de acontecimentos noticiáveis e uma certa especialização temática do jornal, dividido em seções O autor conclui que a
conseqüência fundamental “é impor ordem no mundo social” e, a tentativa de criar uma
noção de tempo, para possibilitar o trabalho diário, agendando acontecimentos com
antecedência, criando uma “rotina do inesperado” (agendar acontecimentos e debates com
prévia seleção dos participantes e, finalmente, criando-se um tempo coerente e conveniente com a / possibilidade de produção da empresa jornalística).
Mas, aí, cabe questionar: o território geográfico é inventado ou selecionado pela
empresa jornalística? Certamente, que um jornal pode prestigiar certas fonte geradoras de
notícias mais do que outras, mas essa fonte necessariamente, além de existir não expressaria, ao menos, uma certa força ilocutória e potencialmente perlocutória? E quanto a divisão do jornal em seções especializadas, compete perguntar: disciplinas como Eco nomia, Política ou Artes e territórios regional, nacional e internacional foram inventados pelo Jornalismo?
Outros autores procuram compreender os diferentes tipos de necessidades de notícias
e como é gerado o conhecimento social e político do público. Moloch e Lester afirmam que a necessidade de saber que algo realmente aconteceu é a verdadeira razão “para fazer
calendários, calcular o tempo, ou fazer planos para o futuro” de modo que são esses relatos
tornados acontecimentos reais (e padronizados) que “são usados como referências temporais para o ordenamento do passado e do futuro.
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O passado e o futuro, dizem Molotch e Lester, são construções, sobre “um infinito número de atividades que não são presenciadas” atividades que, testemunhadas e observadas, “transformam-se em recursos disponíveis e realmente necessários – para dividir, demarcar e moldar a vida”. Para os autores, o conceito de notícia é happening / acontecimento, coincidência entre o que acontece e o que chama a atenção das pessoas e, por isso, é valor público.
Não haveria, pois, passado e futuro prontos e acabados, mas construções permanentes,
de notícia a notícia, um informando o outro. Uma ocorrência só ganha significado se
transformada em acontecimento. E essa é a transformação de um aco ntecimento em
acontecimento público o que “implica a vivência da experiência” pelo efeito social do
jornalismo, efeito de incomparável superioridade, em relação à comunicação interpessoal.
Lester e Molotch indicam, pois, que a notícia, como acontecimento público, é fruto de muitas agências e agentes: indivíduos, grupos, organizações e rotinas de trabalho de elaboração simbólica. Os autores citam o exemplo da criação do delinqüente juvenil, que é constituído (à moda de Foucault) por um conjunto de relatos produzidos por agências de recuperação de menores, instituições reconhecidas (hospitais, academias, religiões, instituições civis de solidariedade), mídias e os jornalistas, enquanto parte das elites logotécnicas. O jornalismo, aqui, está intrinsecamente interligado à sociedade, aos grupos sociais e à valorização maior ou menor do acontecimento narrado.
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