É esta a verdadeira indisposição do artista, não pela sociedade, porém pela política, e seus escrúpulos e desconfiança da atividade política não são menos legítimos que a desconfiança dos homens de ação contra a FaBrIcação e suas ''soluções plásticas'' de ''ajustamento narrativo'', que lembram intervenções cirúrgicas faciais em velhas mulheres rancorosas em busca de um ''retoque na maquiagem'' --- suficientemente forte para esconder ''aquelas rugas incômodas'' quando ''ligarem todos os holofotes'' outra vez.
K.M.
Jack London
6 de abril de 2016 ·
6 de abril de 2016 ·
Palácio de Knossos.
O Museu de Heraklion hospeda muitas peças fundamentais da civilização minoense. Os vasos de Creta são superiores aos áticos; retenho entre outros o vaso de argila dito ''Adorador de Haghia Tríada''; o vaso Konassa em forma de pássaro. Algumas dessas cerâmicas, de concepção, forma e desenho insólitos, prenunciam Picasso, Brague, Miró. Convém ligar o museu ao palácio de Knossos, descoberto e restaurado no princípio do século XX pelo arqueólogo Sir Arthur Evans com relativo acerto, apesar de soluções infelizes como as reconstituições das pinturas, a começar pelo célebre ‘’Príncipe dos Lírios’’. Diante da comparação, Daiana disse: Eis o que voce tem a fazer . Vá até o Minotauro e diga: ‘’Sou uma pessoa muito distinta ---- poeta, scholar, crítico, instrutor, mapeador, editor. Tenho renome internacional e já assegurei um lugar na história literária dos Estados Unidos. -----, tudo isto era verdade, diga-se de passagem. Acrescentou depois: ‘’E aqui está sua oportunidade: o mundo literário atual está se decompondo. Já não há uma única visão que escape da epidemia. A equipe de criação do Labirinto está carente. Não contratem Fleischer, contratem a mim, ou só lhes restarão intelectuais de terceira, universitários ----, pensava que Daiana era apenas uma intermediária do Minotauro, mas seus olhos estavam vermelhos e sua testa era feita de listras de ferro. Esteve acordada a noite inteira examinando o resultado das eleições, perambulando pelo quarto e o saguão do hotel. Sei que espécie de pessoas ocupavam o pensamento dela: Walpole, o Conde Mosca, Disraeli, René Char. Enquanto isso, eu meditava com sublimidade intemporal a respeito do tempo e da linguagem, em busca de uma base histórica para as lendas de Minos e do Minotauro. A partir de algumas pesquisas antigas do plano de construção do palácio , como também o vestígio de culturas arcaicas ( a dupla machadinha, os enormes chifres de pedra no jardim da esplanada) era possível acreditar na existência de Diana. O ser humano podia ser nobre, mas ainda era todo feito de argila, e a loucura social frequentemente o tornava engraçado e vil. Sforza, por exemplo, tinha toda minha estima, mas nunca lia nada original; estava sempre fazendo cruzeiros ou esquiando em Sun Valley; sem meus pareceres, teria publicado apenas papel higiênico. Livrei-o de ser um bilionário ignorante. Conseguiu chegar em muitas arestas recônditas do mundo intelectual por meu intermédio. E também a uma pouco conhecida visão de Eliot. ----- Sim --- disse à Daiana --- eu lhe conto tudo: Sforza tem um elevador privativo, ninguém consegue chegar à sua cobertura vindo dos andares inferiores. É visto sempre à distância, quando entra e sai do helicóptero. ---, e, horas mais tarde, eu e Daiana estávamos sentados perto de Sforza naquele helicóptero da Guarda Costeira: Homero assegura que a região da ilha de Creta é rica e bela; indicando-nos ainda que o mar cretense tem a cor da borra do vinho. Mas olhando do alto, preferi deter-me mentalmente no museu e no palácio de Knossos, fontes de contínua magia, e explorar as pegadas de Dédalo, máximo inventor: surpreendendo-o a construir o Labirinto, planejado com tão espantosa precisão. Assim Dédalo abriu também uma vasta galeria de textos, de Homero à James Joyce e à Jorge Luís Borges. Pesquisando os passos fluidos de Ariana (sempre segundo Homero) descobrimos que aqui em Knossos, Dédalo inventou para a princesa um grande espaço dedicado à dança. Outra figura diversa: vestida de uma túnica vermelha, fonte da sua cabeleira-diadema, contaminamos todos de sua estranheza, vejo eclipsar-se naquele corredor ‘’la fille de Minos et de Pasiphaé’’. Claro que procurava situar também Idomeneu, rei de Creta, e sua família: não foram eles reconstituídos pelo mais grego dos compositores, isto é, Mozart, numa ópera fundada sobre a idéia do sacrifício, onde o coro alcança o plano épico da tragédia antiga, onde o Mediterrâneo penetra os poros da partitura, sal e espuma ? Entretanto, neste palácio a presença mais tangível é a do próprio Minotauro que existiu desde o começo do mundo; e temo que, cumprindo seu destino destruidor, elevado hoje à uma dimensão cósmica, subsista até o fim. Seja como for, eu havia feito a jogada audaciosa: obrigara Sforza a combater a tecnocracia e a plutocracia de clássicos em punho; através dele, forçara algumas das pessoas mais poderosas dos Estados Unidos a discutir e rediscutir Platão e Hobbes; obrigara presidentes de companhias aéreas, presidentes de Bolsas de Valores a representar Antígona nas salas de reunião. Neste papel, Sforza tinha sido notável, revelando-se um bom educador. Algo que foi lembrado durante o vôo. Mas Sforza também possuía sonhos ambiciosos e jogava agora com seus recentes conhecimentos de Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, depositando uma confiança neles que me pareceu excessiva.
K.M.
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