segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Ainda que o pôr da armação se assemelhe à poiesis como modo de desabrigar e "inventar" o ente, ele é substancialmente diferente dela, pois, no interior da armação, o homem não encontra mais a sua essência. Por meio da armação, a modernidade perdeu o controle do princípio da subjetividade, se é que algum dia se pode considerar que a transformação do homem em sujeito lhe outorgou a posição de "controlador".



Embora dependa de um destaque dado ao "fazer", a técnica moderna não pode ser pensada como um mero fazer que se esgota no domínio da ação humana, mas remete a uma essência mais ampla, a uma atitude que antecede a operação técnica, que é justamente o que designa a "armação", a Ge-stell, como a reunião do pôr desafiante da realidade. Ainda que o pôr da armação se assemelhe à poiesis como modo de desabrigar e "inventar" o ente, ele é substancialmente diferente dela, pois, no interior da armação, o homem não encontra mais a sua essência. Por meio da armação, a modernidade perdeu o controle do princípio da subjetividade, se é que algum dia se pode considerar que a transformação do homem em sujeito lhe outorgou a posição de "controlador".

Na técnica moderna, as imposições são exteriores à coisa. A técnica transforma todas as coisas em instrumentos, mas ela mesma em sua essência não é um meio, e sim uma atitude humana decidida na época moderna.
O que chamamos de técnica moderna não é somente uma ferramenta, um meio diante do qual o homem atual pode ser senhor ou escravo; previamente a tudo isso e acima das atitudes possíveis, essa técnica é um modo decidido de interpretação do mundo que não apenas determina os meios de transporte, a distribuição de alimentos e a indústria de lazer, mas toda a atitude do homem e suas possibilidades. (HEIDEGGER, 1989, p. 45).
A técnica é um perigo, dirá Heidegger, já que implica a intenção de ordenar o mundo de uma única maneira, de explorar a natureza tendo em vista uma única via e, com isso, regular a vida dos homens conforme essa via. A essência da técnica estende-se para o campo das atitudes humanas, acarreta um comportamento, principalmente de separação da natureza. A terra é submetida ao mundo e deixa de haver o combate, o qual na obra de arte ainda se mantém vivo. A arte, tomada como poiesis [Dichtung], é, ao contrário, um lugar onde a aproximação [dichtet] da terra e do mundo ainda permanece como uma possibilidade. Por isso, Heidegger dirá que
[...] a palavra ‘pôr’ designa no título armação não somente o desafiar. Mas ela deve imediatamente guardar a ressonância de um outro ‘pôr’ da qual provém, a saber, guardar a ressonância daquele produzir e expor que no sentido da poiesis deixa vir à frente no descobrimento o que está presente. (HEIDEGGER, 207, p. 385).
A técnica pretende estabelecer como os homens devem se pôr no mundo. Trata-se de um pôr que dispõe conforme uma norma exterior e abstrata. Já a arte, antes de ser apenas um setor da vida humana, uma mera atividade do homem (de um pequeno grupo de artistas ou dos amantes da arte), constitui uma possibilidade diferente para o homem de estar no mundo. "Poeticamente habita o homem sobre esta terra", ressalta o verso de um fragmento de Hölderlin, o qual Heidegger cita muitas vezes em seus textos. Ou seja, o que está em jogo na noção de poesia e de técnica (pensada desde sua origem como poesia) é a possibilidade de uma forma de existência.

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