sábado, 8 de setembro de 2018

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MONTANDO GUARDA

O que dizem meus dentes (do teu veneno)
não torna minha máquina de fosfeno
mais leve, nem a saudade da mata
mais nirvânica, à minha imagem...
Esse olhar demorado, sobre o que
não suspeitávamos possuir, perscrutando
o vazio, descobre tão somente
a deliciosíssima polpa do NADA.
Abre portas (sim), mas é em nome
de poderes vagos: vagas de fosfeno,
detectores de minas e torres de radar;
e eliminando cara, situações e trânsito
subitamente vara o resumo da realidade,
chegando àquele ponto em que,
com uma face incorpórea,
projeta sobre o mundo inteiro
o silêncio inconcluso da Europa.
Hora de abrir a sessão (gritam),
mas o Presidente não aparece ----
está impedido?, ainda não, rs...
Está em casa, montando guarda
sem grandes esperneios, para que
fechemos nossos negócios em paz.
O cerco dos poderosos aos sábios
produz um medo forçado na audiência
e um riso forçado nos sábios,
espetáculo que é de vosso agrado...
então um novo valor se junta
à fala dos grandes de Espanha:
''Allí donde esparcimos nostalgias germinales
algo empieza a ocurrir, un soplito
acaso meritório, sopla gustoso'',
e um relâmpago verde pulsa
sob as células de suas escolhas.
A descoberta de alguns quasares
nos quais Conservadores e Liberais
não querem acreditar, faz maquilagem
de Hamlet em nossos rostos.
Repete-se toda papeata então,
e uma hora calma se fixa no ar.
O surdo anseio de apalpar
decisões de alta prioridade
continua soando na surdez geral.

A demora estudada da Alta Cúpula
cheira à trapaça nas laudas do pacto,
aquecendo e esfriando, matematicamente,
o enorme impulso das coisas que nao são
e tremem de vir a ser estratificadas...

K.M.


CATARSE DE CONFLUÊNCIAS

Enquanto abutres passam o rodo
na minha catarse de confluências
e na triste maravilha cifrada
de minha pressa política instantânea,
amontôo meus desejos prioritários
numa confusa lista emergencial,
que, na quietude do escritório,
exigem longa paciência para suportar.
Miro o céu raivosamente, proclamando
o espelho o brinquedo mais esquisito:
ou ele me diz muito, ou não diz nada
na branca luz de sua denúncia.
Mas não maldigamos o espelho!,
maldigamos apenas a injustiça
predatória dos que avançam correndo
para instalar-se na grande difamação.
Ainda que cheguem pontualmente
ao cerne de toda essa farsa,
com seu rímel de revanchismos
fluindo sob todos os códigos,
não empaparão minha biografia
conferindo ângulos filosos
ao seu sobressalto. Na espinha
do homem cansado de disputas
corre ainda o suor das boas novas,
do orgasmo nutritivo da sorte.
Tais vorazes não são mais que
pobres farsantes seguros de si mesmos,
proas de coragens alheias,
asoberbando-se sadicamente
com as manhas da ironia.
Nossa porta está mais aberta
do que nunca ao POVO!, porque
certos de quem virá assaltá-la.
E sabemos quem é quem
por trás da tela de indecisões.
Sabemos onde está o abismo,
e sabemos onde está Deus.

K.M.



DE FATO

Entre as letras a LUZ penetra
nossa misturada essencia corporal,
atravessando-a com serenidade.
A LUZ censura ternamente
o Homem que se deixa imolar.
Ante o olhar duro da LUZ
até as namoradas tomam distância
(até de si mesmas!), tornando
o Júri mais concorrido que a missa.
O Não-Ser banha o Ser
com emoções clandestinas,
dissolvendo a idéia da morte
numa ausência deliciosa.
Como um modesto mago,
a Indústria tenta forjar o Governo
que mais lhe apetece. Mas
que faz sua forja?, segundo
o velho público do censo industrial,
confia num vitral confuso
e no seu caleidoscópio de dúvidas,
vendo-o crescer tanto, até tornar-se
tão simples quanto um prognóstico.
Chega então o momento em que
só resta a Grandeza da exatidão
nos rápidos riscos neutralizados
pelo guia turístico presunçoso.
O mundo adquira uma nitidez
tolerável em seu discurso:
o futuro dá um passo à frente
em busca da fruição decisiva,
aquela que arranca o Homem Político
de seu delírio insubmisso de vaidades.

K.M.


TENTAÇÃO

Ainda resta um pouco de dúvida
e ela é cósmica, seríssima e
de óculos escuros. Transitório
tesouro, de orgulho feroz a estalar,
comandando a paisagem ao olho
e o pisar do chefe no pátio espanhol,
fotografando o falatório do sol
sobre a laje (forno estufado,
sem muita confiança na ação).
Ali um cavalo espera o dia seguinte
num clímax de nota de pé de página,
roçando a rede elétrica com a crina.
Jogados em outro século, selins e
cangalhas de tropas de leitura
armadas para uma ópera-bufa.
Ainda carece entrar, subir a escada
batendo forte com os pés nas tábuas
no recinto do desejo. Ali as escarradeiras
querem cuspparadas finas, sem
o sangue rastejante das raízes. E
com percentuais estatísticos de
discussões fechadas, eruditas,
que miram dinheiro de emboscada.
Além da hélice dos pesadelos,
hortas de leitura buscam
o perfume do mato dormido,
mas o pecado logo revela
uma sombra de menina
dançando entre pingos vermelhos.

K.M.



DIFÍCIL GADO SUADO

''Till that Divine
Idea, take a shrine
Of Crystal flesh, through wich to shine''

Richard Crashaw, WISHES

Mateiro a reger o próprio rosto
com botas e esporas dispersas
no canto oculto, e nos comprovantes
de sua louca essência rupestre.
Um calor de ancas e sovacos
abrasados pela urgência das formigas
cumula o curral de palavras-chicote,
cumprindo as ordens do pasto.
Cheirando à ilusão, o couro dos bichos
bate na própria recusa. Rebate
o fim do boi com o bife
que desponta, enlaçável,
na boca do deus-dinheiro. É justo...
não querer perder a cria
desfalcando o debate com
seu difícil gado suado, ou teu
AMOR DE DONO ABSOLUTO.
Mais macho que os outros,
o leite represado bate
no chicote das palavras
como se fossem suas filhas, este
CAVALO... goza a turbação geral
na sombra dos próprios cascos,
delimitando seu sono privativo
com um esguincho nos dentes.
No Inconsciente Coletivo
do gado é que dormimos
e nele é que acordamos,
apontando o rumo na poeira
que o carreto reconquista.

K.M.

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