Agora, desejo demonstrar que, ao menos na cultura euro-americana, tendemos a enfatizar antes os elementos que compõem uma relação, incluindo a montagem, do que a própria relação – o aquém e além, o intersticial. É por demais óbvio que elementos compositivos e relações são mutuamente determinantes. E, decerto, não quero envolver-me em uma discussão do tipo quem-veio-primeiro-o-ovo-ou-a-galinha. O que desejo salientar é que em determinadas sociedades, ao menos em alguns de seus domínios, enfatiza-se a própria relação e o modo pelo qual esta formula e define os elementos que a compõem. Tal ênfase – chame-se estilo cognitivo ou perceptivo – afeta não apenas a estética e outras formulações teóricas, mas também é refletida e reflete outros elementos culturais e suas relações sintáticas. Que na cultura euro-americana ao entre preferimos os elementos que o balizam – à relação preferimos os termos que a constituem – pode relacionar-se, por exemplo, à prioridade que damos à palavra – o nome e – ao referente em nossa concepção (popular) de linguagem. Concentramo-nos em categorias e sistemas classificatórios baseados nessas categorias, em vez de em sistemas determinados pela relação e pela sintaxe. Acentuamos a coesão e moderamos a elipse, a interrupcão e a pausa. De modo geral, não lemos em função do silêncio e do não dito. Muitas vezes, choco meus alunos quando peço que considerem um romance como The Awakening [O despertar], de Kate Chopin, ou algum de Clarice Lispector, sob o aspecto das lacunas entre os capítulos, com efeito, entre os parágrafos e as frases.
Não creio que os japoneses ficassem tão chocados quanto meus alunos norte-americanos. A estética (tradicional) daqueles, profundamente enraizada em sua perspectiva religiosa, enfatiza o intervalo, a lacuna, o silêncio, o entre e o em meio a. No verso encadeado japonês (renga), por exemplo, o efeito estético resulta menos das cenas descritas que do espaço-tempo entre os versos encadeados (Ebersole, 1983, p. 55). "Concentre-se no que não é dito", disse Shinkei (1406-1475), o poeta (Kamparu, 1983, p. 74). Zeami Motokyio (1363-1443), o fundador do teatro nô, afirmou que "os momentos de inação" (sensu tokoro), ocorridos entre (himu), são os mais deliciosos do teatro nô (Pilgrim, 1995, p. 58). "O que o ator não faz tem interesse" (sennu tokoro ga omoshiroki) (Komparu, 1983, p. 73).
Os japoneses chamam esses espaços ou tempos intersticiais de ma. Diz-se que o ma vem do chinês, o caractere que mostra o sol no meio de portão aberto. Originalmente, era usado unicamente para referir-se a espaço mas passou a designar igualmente o tempo. Pode ser traduzido por "espaço, epaçamento, intervalo, lacuna, vão, lugar, interrupção, pausa, tempo, ocasião ou abertura" (Komparu, 1983, p. 70). Tem conotações tanto abstratas como concretas. Um lugar é ma porque é um espaço entre paredes; em música, uma pausa também é ma, porque ocorre entre duas notas (Pilgrim, 1995, p. 56). Roland Barthes (1982) tentou – de um modo por demais afetado e profundamente francês (e, por isso, etnocêntrico) – delinear o ma em sua interpretação pós-estruturalista do Japão. Ele utiliza expressões como "o nada pregnante", "uma reminiscência desmembrada, descentrada, deslocada", um "signo vazio remanescente da fissura do simbólico" para evocar algo que ele não nomeia. Artistas, acadêmicos e arquitetos japoneses defendem que o termo resiste à tradução. Salientam-lhe a ambigüidade, o fato de que, para ser compreendido, se deve levar em conta uma configuração de espaço e tempo, que não podem ser separados um do outro, unicamente japonesa e uma concepção de energia ou poder espiritual (ki_ ou chi) que ressoa no interior do espaço-tempo, entre e em meio a. Ele é um cronotopo negativo – um silêncio, um vazio –, não obstante fecundo, que antecipa (e é antecipado por) o espaço-tempo positivo da ação em, digamos, uma peça nô (Komparu, 1983). Ma refere-se, simultaneamente, a algo e a experiência desse algo.
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