Salários de juízes no Brasil superam os dos Estados Unidos e da Inglaterra
Levantamento feito em São Paulo, Minas Gerais e Rio aponta que vencimentos de desembargadores ficam muito acima do teto estabelecido no País, de R$ 33,7 mil; para especialistas, números são amostra da dificuldade de se fazer o ajuste fiscal
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Alexa Salomão, O Estado de S.Paulo
20 Agosto 2016 | 19h00
Atualizado 21 Agosto 2016 | 15h23
O salário dos juízes no Brasil tem um teto. Não pode ultrapassar o salário de ministros do Supremo Tribunal Federal, o STF, hoje em R$ 33.763. Na prática, já se sabe há um tempo, não é bem assim. Um levantamento conseguido em primeira mão pelo Estado mostra que a correlação é bem mais desproporcional. Um desembargador (como é chamado o juiz de segunda instância nos Estados) em Minas Gerais ganha, em média, líquido, R$ 56 mil por mês. Em São Paulo, R$ 52 mil. No Rio de Janeiro, R$ 38 mil.
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Esses valores superam os pagos a um juiz similar no Reino Unido, que recebe cerca de R$ 29 mil, e até dos Estados Unidos, cujo salário mensal médio é de R$ 43 mil. Chega a ser superior a juízes da Suprema Corte de países da União Europeia, como Bélgica e Portugal.
Os salários básicos são engordados por adicionais legais, sustentados por interpretações da legislação. Mas formam vários andares acima do teto. Como disse a ministra Cármen Lúcia numa audiência no STF: “Além do teto, tem cobertura, puxadinho e sei mais lá o quê”, numa referência ao fato de que o limite vale mesmo apenas para os 11 ministros do Supremo.
Segundo economistas que já passaram pelo poder público e profissionais da área de direito, os salários dos juízes, acima do teto, são um alerta para o ajuste fiscal em discussão no País. Mostram que a batalha para a implementação de um limite para o crescimento dos gastos públicos, peça-chave do ajuste, tende a ser bem complexa e dura do que a simples fixação de um limite dentro de uma PEC, a Proposta de Emenda Constitucional.
Os juízes são o topo da cadeia de servidores públicos, diz o responsável pelo levantamento, Nelson Marconi, coordenador Executivo do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas. Segundo Marconi, quando há uma demanda por qualquer tipo de benefícios no funcionalismo, os juízes costumam abrir o ciclo de negociações. Na sequência, diz, vêm Polícia Federal, Receita, advogados do Executivo, Banco Central e Tesouro Nacional, numa fila que se estende até funcionários administrativos e professores.
Este ano, o poder de mobilização do Judiciário já foi visto. Foi a primeira a defender o seu reajuste salarial, tão logo o governo interino assumiu. Na negociação do pacote de ajuda de União aos Estados, foi a primeira categoria que se opôs à contabilização dos ganhos adicionais como parte dos salários, para fins de adequação aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Todas as categorias vão atuar contra o ajuste fiscal, basta ver que depois que os juízes conseguiram o reajuste as demais entraram pedindo o seu também”, diz Marconi. “O verdadeiro desafio será vencer o corporativismo de inúmeras categorias que vão se mobilizar para pressionar o Congresso e escapar da tesoura”, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Adicionais. Marconi explica que o teto do Judiciário é rompido por uma série de verbas adicionais. Há diferentes abonos e gratificações – por tempo de serviço, por dupla função e substituição de colegas em férias ou em licença. Também existem os auxílios – auxílio pré-escolar, auxílio-saúde, auxílio-moradia. Os ganhos adicionais são legais e uma parte deles são até eventuais – como gratificações natalinas ou por férias ou mesmo por ganhos em processos judiciais movidos pelos próprios juízes.
Os especialistas lembram que, em 1998, quando foi feita uma emenda da reforma da administração pública, o princípio era incluir todo o subsídio (termo usado para definir o salário de juízes) dentro do teto, mas auxílios, abonos e gratificações acabaram ficando de fora.
“Tudo deveria estar dentro do subsídio, mas ficou difícil conseguir aumentos no subsídio e vieram os penduricalhos”, diz Janaina Penalva, professora de direito constitucional da Universidade de Brasília. Por causa dos “penduricalhos”, diz, a transparência fica prejudicada. Mesmo os dados divulgados são “restritos” e “obscuros”. “Como o ganho depende de várias verbas sobre as quais não temos clareza, não é possível dizer, de maneira consistente, quanto os desembargadores ganham.”
Para Janaina, a fixação de um teto para os gastos públicos é uma oportunidade: “Se de fato a proposta do ajuste é cortar despesas de todos, precisamos saber quem gasta mais e como gasta. Assim, é extremamente importante que, aproveitando este momento, o Judiciário abra as suas contas.” As circunstâncias políticas, porém, em que o Judiciário é protagonista, principalmente na área criminal com a Operação Lava Jato, não são, para ela, consideradas favoráveis: “Há um desinteresse estratégico neste momento por pressionar o Judiciário.”
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