domingo, 18 de novembro de 2018

OS PODERES ELEMENTARES



O K. da alta sociedade descendia de uma espécie maluca que ia enfiando suas formas telepáticas nos lugares sem pedir licença, projetadas por uma causa muito mais profunda que sua suposta loucura. A loucura mais como máscara (persona) para fixar um rosto qualquer diante de tantas eternidades e infinitos. A loucura era apenas o veredicto parcial dos médicos da sociedade decepcionados com o resto dos homens, por não disporem dos poderes do louco ----- os poderes elementares. Oh, homem atordoado ! Eu nunca havia disposto senão de minhas próprias forças e meios para ir da manhã à noite e depois da noite à manhã sem ferir-me mortalmente nas armadilhas psíquicas da Incognosfera. Os trabalhos de variação infinita da linguagem nos quais eu havia me empenhado haviam revelado o Daimon na minha consciência, e tudo agora se passava como se  eu não fosse mais o verdadeiro senhor dos meus movimentos, mas antes o resíduo pegajoso e eletrocutado deles. Assim como os cromwellianos haviam sido o resíduo pegajoso dos profetas do Antigo Testamento; e em 1789, os revolucionários franceses haviam sido o resíduo eletrocutado da Roma Antiga. Apenas o proletariado testara fazer uma revolução sem imitar ninguém e logo tudo deu mais ou menos errado. Não que eu estivesse dopado por recordações históricas, mas naquele momento, caminhando pelo antigo Primeiro Distrito de Newark, me lembrava com ternura genuína do Banco D´Áuria, na Sétima Avenida, onde haviam aberto um crédito para B. Mussolini antes de estourar a Segunda Guerra Mundial. Fay me contara que quando o Duce invadira a Etiópia, o padre da Igreja Santa Lúcia fizera soar os sinos loucamente durante meia hora. Aqui na América, no Primeiro Distrito de Newark. Fay voltara a me visitar no meio da semana, e contestou veementemente minha postura. ----- Como você é leviano (.) -----, ela disse.  Certo: leviano o bastante, tanto quanto qualquer homem, em relação à ''originalidade'' dos próprios atos, para me dispor a fazer o ''curso de atualização em casamento'', no módulo ''Amor à luz da Revolução Mundial'', que ela sugeriu para o final de semana. ------ Não teria nos servido para muita coisa (eu disse) Para quê reduzir meu ritmo , se para voltar à região plana da mente não tenho nem sequer que me levantar para manter-me em pé e equilibrado (?) , se ali posso ir e vir em qualquer lugar do mundo , à maneira de um grande cilindro dotado de inteligência e vontade (?) , Nunca tive um ponto de apoio tão firme quanto esse (!) ------, concluí. De fato, eu não era mais uma presença fugaz no mundo. Morava ali naquele quarto sozinho, o pequeno quarto onde escrevia e fazia as refeições, em meio ao meu caos de pequenas posses.  Minha arte forçara, progressivamente, minha presença em todas as pinturas e sanduíches de realidade do mundo, querendo transparecer sob todas as formas possíveis e imagináveis. Não havia um pingo sequer de modéstia naquele jeito austero de escrever, que reduzia todos os outros à uma atividade periférica da inteligência humana. Escrita da espoliação total da realidade, desumana e autodestrutiva. Muitas vezes era dela que minha voz emergia como o vociferante bebê encantado no país da economia unissex, interpelando políticos surrealistas sobre filosofia e extras de Hollywood. Se o que viam era considerado bom, eu me adiantava e apresentava algo inconcebível. Se o que viam eram considerado inconcebível, eu me adiantava e apagava suas mentes com mágica. Não devia ter muito tempo (eu disse à Fay) que revi e controlei tudo, procurando agir e falar apenas de maneira mítica, saltando a parte dos diálogos demasiadamente humanos. Vivia agora eternamente prisioneiro de uma grandeza sem modelos, contrariando o plano inicial. Algo inconcebível, eu dizia à ela. Ainda não tinham arriscado a pele assim para alcançar a coisa em si. Sempre contentaram-se com símbolos, os delicados. Não foram capazes e ir até o fim e liberar as qualidades mais altas. E ela estava o tempo todo lá, tão perto deles quanto suas jugulares. 

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