segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O método de Pareto.


Vilfredo Pareto não recusava a observação como um método válido para a investigação nas ciências sociais e, dentre elas, a economia. Mas a observação não deveria excluir a dedução lógica. Para o professor de Lausanne, nos estudos da escola histórica a parte válida consistiria nas densas descrições dos eventos passados, mas seu ponto frágil seria justamente a parte dedutiva e prospectiva, a qual, quando tinha lugar, era sempre muito fraca (Pareto, 1949, v. II, § 577-8, p. 575-6).

Nem sempre seria possível prever o futuro com base no movimento do passado, afirmava Pareto. Se a evolução no tempo de um certo fenômeno não fosse uniforme, o que frequentemente aconteceria com os fenômenos sociais, não seria possível prever o desenvolvimento ulterior deste. Nesse caso, a previsão do futuro com base no passado induziria ao erro. O método histórico ou empírico se revelaria eficaz apenas para explicações retroativas do passado, mas não para formular previsões. O projeto paretiano era, nesse momento, o da afirmação de uma economia política pura, a qual definiria a forma geral dos fenômenos econômicos, forma esta que deveria ser julgada em base a fatos gerais e médios e não em base a ocorrências acidentais (Pareto, 1949, v. I, § 35, p. 25).

No estudo da economia pura era necessário destacar a complexidade dos fenômenos sociais. As condições econômicas, intelectuais e morais existentes em uma sociedade guardariam sempre entre si uma relação de mútua dependência. Essa complexidade social impediria determinar os fenômenos que constituiriam o equilíbrio social e econômico a partir de uma quantidade restrita de condições consideradas em número necessário e suficiente (Pareto, 1949, v. II, § 593, p. 516 e § 605, p. 520-1). O argumento de Pareto estava voltado contra os reformadores sociais que acreditariam  bastar definir uma forma apropriada de governo ou de leis para estabelecer esse equilíbrio; contra, também, as teorias antropológicas ou sociológicas, que considerariam a influência preponderante da raça e dos fatores sociais; e mesmo contra as interpretações religiosas ou filosóficas que atribuiriam às crenças e ideias de um povo as razões de seu progresso. Em suma, o que o autor do Cours rejeitava eram as concepções consideradas fatalistas, as quais ressaltariam uma das condições que determinariam os fenômenos sociais e omitiriam todas as demais (Pareto, 1949, v. II, § 606, p. 622-3).

A investigação de Pareto sobre a economia política sediada no Cours já indicava uma direção que o levava para além desse campo disciplinar. O Livro II da obra era dedicado àquilo que denominava de “organismo econômico”, e uma parte considerável de seu estudo se dirigia para a análise dos “princípios gerais da evolução social” e, dentre estes, do “equilíbrio econômico e o equilíbrio social” (Pareto, 1949, cap. I). O professor de Lausanne considerava que a sociedade encontrar-se-ia em “um estado de equilíbrio, de equilíbrio social” (Pareto, 1949, v. II, § 585, p. 511). Este não era, entretanto, um equilíbrio estático, e sim dinâmico, uma vez que a sociedade possuiria um movimento geral que a modificaria lentamente, o qual habitualmente era denominado de evolução. A ciência que propunha deveria ter como objeto de investigação esse equilíbrio dinâmico da sociedade.

O empreendimento paretiano visava construir uma teoria do equilíbrio social na qual o equilíbrio econômico fosse um de seus aspectos. A abordagem abrangente que o professor de Lausanne adotou no estudo dos fenômenos econômicos e sua insistência na pluralidade e na interdependência das causas dos fenômenos sociais expressavam-se em um tratamento dos problemas sociais e econômicos que hoje poderíamos chamar de interdisciplinar.

A necessidade de ir além da economia política se manifestou para o autor do Cours não como uma consequência posterior de seus estudos, mas como uma exigência da própria pesquisa. Desse modo teve início a investigação que levou Pareto da economia pura a uma teoria geral da sociedade.

Em julho de 1897, pouco após a finalização do Cours d’economie politique, Pareto publicou na Rivista italiana di sociologia sua apresentação ao curso de sociologia da Universitè de Lausanne. A apresentação retomava temas tratados no Cours, expondo-os, entretanto, no interior de um projeto mais abrangente. O objetivo explicito da pesquisa era, agora, estudar a sociedade humana “como se não fizéssemos parte dela”, eliminando “o elemento sub jetivo da pesquisa” (Pareto, 1980, p. 130). Essa investigação exigia, como Pareto logo constatou, ir além da abordagem econômica. Embora esta fosse importante, permitia apenas um conhecimento parcial de certos aspectos da vida social. Estudar a sociedade humana em toda sua abrangência e complexidade era o propósito da sociologia, à qual caberia unificar todas as ciências que estudam as várias categorias específicas de fenômenos sociais. A sociologia era considerada, assim, uma “ciência geral” (Pareto, 1980, p. 131)10.

Essa não foi a última solução que esse autor deu para o problema da relação da sociologia com as ciências particulares, como se pode ver em dois importantes textos publicados em 1906 – “Il metodo nella sociologia” e “Programma e sunto di un corso di sociologia” (cf. Pareto, 1980, p. 279-91 e 292-316). Neles, o professor de Lausanne afirmava que a sociologia deveria, em um sentido abrangente, “abarcar o estudo de tudo o que pertence ao ordenamento da vida”, ao desenvolvimento da sociedade humana (Pareto, 1980, p. 279-81 e 292). Desse modo, a sociologia deveria incorporar a economia política, o direito, a ciência das religiões e outras disciplinas já constituídas de maneira independente e rigorosa. Mas a esse conceito amplo do objeto da sociologia Pareto sobrepunha outro, circunscrito e adaptado às necessidades da pesquisa, segundo o qual caberia a essa ciência: “1) o estudo sintético das sociedades humanas. E, para obtê-lo, vale-se dos resultados aos quais
chegaram as ciências particulares; 2) o estudo de ramos que ainda não se destacaram da sociologia” (Pareto, 1980, p. 280 e 292-3).

Tal maneira de colocar o problema, na qual se preservava a independência dos ramos particulares do conhecimento, foi a forma mais acabada de exposição, na obra de Pareto, da relação entre as diferentes ciências sociais. O método da sociologia encontrava-se nesse ponto bastante desenvolvido. No Manuale di economia politica, publicado por Pareto em 1906, retomava-se a reflexão a respeito da construção de um conhecimento científico, afirmando que o objetivo da economia política e da sociologia seria “pesquisar e traçar as uniformidades que apresentam os fenômenos, quer dizer, suas leis […], sem visar nenhuma utilidade prática direta, sem se preocupar de modo algum em dar receitas ou preceitos, sem mesmo buscar a felicidade, a utilidade ou o bem-estar da humanidade ou de uma de suas partes.” (Pareto, 1919, p. 3).

http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n19/2178-4884-rbcpol-19-00167.pdf

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