sexta-feira, 9 de junho de 2017

"A poética da obra aberta" (KROSS)


Em "A poética da obra aberta", a intencionalidade é considerada um pressuposto da obra aberta. Além de toda obra possibilitar várias interpretações, a obra aberta apresenta-se de várias formas e cada uma delas se submete ao julgamento do público. À medida que o autor cria várias obras, deixando ao executante escolher uma das seqüências possíveis e definir, por exemplo, a duração dos sons, a própria execução da obra torna-se um ato de criação. Nesse sentido, autoria e co-autoria acabam se confundindo de tal maneira que já não se pode falar de uma obra de arte, mas de várias "obras". Cumpre lembrar que, apesar de seu caráter indeterminado, que pode culminar num sem-número de configurações formais, ainda assim, segundo a visão de Eco, se pode falar de "obra", única e individual, na medida em que as várias possibilidades combinatórias estão de antemão previstas pela estrutura mesma da obra que se propõe aberta. Em todo caso, a antinomia é bastante clara, servindo de ponto de discórdia entre os leitores e comentadores do livro.
Na avaliação de Umberto Eco, as motivações para a poética da obra aberta podem ser encontradas nas teorias da relatividade, na física quântica, na fenomenologia, no desconstrucionismo, entre outras. De acordo com o semioticista italiano, essas teorias científicas e essas correntes filosóficas modernas promovem uma espécie de "descentralização", de ampliação dos horizontes imagináveis para a concepção da realidade. Nesse sentido, diante do reconhecimento de que as poéticas clássicas (identificadas, aqui, com as poéticas anteriores à poética da abertura) não são mais capazes de lidar com a pluralidade de sentidos do mundo, nem tampouco com o seu caráter multifacetado, os artistas da obra aberta se lançam na busca de uma linguagem artística capaz de promover no intérprete justamente esse sentimento de descentralização e pluralidade.
Além desse primeiro sentido do conceito de obra aberta, há, porém, segundo Eco, uma segunda categoria de obras que podem ser denominadas "abertas": aquelas que são determinadas quanto à forma, mas indeterminadas quanto ao conteúdo. Nesse caso, poder-se-ia dizer que a abertura é efeito da combinatória de signos que formam a estrutura da obra, que, evocando os mais diversos sentidos, permitem ao intérprete fazer, durante a fruição, as mais diversas conjecturas interpretativas. Dito de outro modo, a forma, acabada em si, é dotada de uma estrutura que desafia constantemente o intérprete a construir sentido, mediante inferências a respeito de como a obra foi criada e como ela pode ser interpretada dentro de um determinado contexto. De certo modo, portanto, a reflexão da relação entre a indeterminação de sentidos e a participação ativa na construção dos mesmos por parte do intérprete, ponto crucial da teoria semiótica de Eco nas suas obras sobre os limites da interpretação, estão, de alguma forma, presentes em Obra aberta.

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