terça-feira, 13 de junho de 2017

A tarefa mais urgente para o homem pensante.



Em 1932, Beckett tinha vinte e seis anos; ele tinha recentemente renunciado à sua carreira acadêmica no Trinity College, Dublin, e embarcado em uma carreira literária em Paris. Atrás dele encontrava-se a publicação do poema “Whoroscope”, baseado na vida de Descartes, e dois trabalhos de crítica: “Dante... Bruno. Vico... Joyce” (1929), um ensaio em defesa do Work in Progress [‘Trabalho em Progresso’] de Joyce, e uma dissertação sobre Proust, completada em 1931. No primeiro desses estudos, basicamente uma apologia para as dificuldades no trabalho de Joyce, Beckett havia feito um forte apelo para uma literatura em que “as palavras não são as contorções polidas da tinta de impressoras do século XX. Elas estão vivas” (pp. 15-16). Notando a dificuldade de se alcançar tal vitalidade – em que “as palavras dançam” –, Beckett indicou sua preocupação com as limitações que a língua, particularmente o inglês, impõe. Ele vê em Joyce a tentativa de resistir à abstração do inglês por meio do recurso à “franqueza econômica primitiva”, não dando espaço para “a linguagem convencional de artífices literários astutos” (p. 17). Joyce, argumenta Beckett, é finalmente capaz de alcançar “uma extração quintessencial de linguagem e pintura e gesto, com toda a inevitável clareza da velha inarticulação” (p. 15). 

Beckett descreve uma clareza de inarticulação diferente em seu próximo trabalho crítico, Proust. Novamente ele se preocupa com o problema de encontrar uma linguagem que não irá distorcer e permanecerá fiel ao que Beckett chama aqui de equação proustiana: “O desconhecido, escolhendo suas armas de um manancial de valores, é também o inconhecível” (p. 7)26. Apesar das realizações de Proust, particularmente sua habilidade de capturar a experiência passada por meio dos trabalhos da memória involuntária, “A realidade (...) permanece apenas uma superfície, permanece hermética” (p. 60)27. 

(.)

 Faço a seguir uma longa citação a partir da primeira página da Crítica, porque muitos dos temas que Mauthner desenvolve e que Beckett emprega são apresentados logo no início do estudo.

No Princípio era a Palavra. Com a palavra, os homens se encontram no início de seu conhecimento do mundo, e se permanecerem com a palavra, continuarão no mesmo lugar. Aquele que deseja seguir adiante, mesmo que seja um pequeno passo que sirva para avançar os esforços do pensamento de toda uma vida, deve tentar libertar o mundo da tirania da linguagem.

Nenhum discernimento e nenhum ateísmo crítico linguístico oferecem qualquer ajuda. Não há como manter-se no ar. Você tem que avançar passo a passo, e cada degrau é uma nova ilusão, porque ele não está suspenso livremente no ar. Se aquele que se esforça para avançar passasse ligeiramente por cada degrau – fosse ele sempre tão baixo –, se ele o tocasse apenas com as pontas dos dedos, então, no momento do contato, ele também não estaria suspenso livremente; ele também estaria acorrentado à linguagem desse momento específico, desse passo específico. 

E essa seria a verdade mesmo se ele próprio tivesse construído a linguagem e o degrau para esse momento. O que não é o caso.

POST SCRIPTUM

Durante anos de trabalho, portanto, era a auto-decepção todas as vezes em que aquele que queria tomar sobre si a redenção da linguagem esperava cumprir sua tarefa em um livro regular, que seguisse passo a passo. Aquele que chama a si próprio “ateu” não é um homem livre, mas sim um oponente daquilo que nega. Aquele que se propõe a escrever um livro com fome de palavras, com amor pelas palavras, e com a vaidade das palavras, na linguagem de ontem, de hoje ou de amanhã, na linguagem congelada de um passo específico e firme, não é capaz de assumir a tarefa de se libertar da linguagem. Eu devo destruir a linguagem dentro de mim, à minha frente e atrás de mim, passo a passo, se quiser ascender na crítica da linguagem, que é a tarefa mais urgente para o homem pensante; devo destruir cada degrau da escada depois de passar por ele. Aquele que desejar seguir-me deve reconstruir os degraus e depois destruí-los novamente.

32 NA

Nenhum comentário:

Postar um comentário