Beckett descreve uma clareza de inarticulação diferente em seu próximo trabalho crítico, Proust. Novamente ele se preocupa com o problema de encontrar uma linguagem que não irá distorcer e permanecerá fiel ao que Beckett chama aqui de equação proustiana: “O desconhecido, escolhendo suas armas de um manancial de valores, é também o inconhecível” (p. 7)26. Apesar das realizações de Proust, particularmente sua habilidade de capturar a experiência passada por meio dos trabalhos da memória involuntária, “A realidade (...) permanece apenas uma superfície, permanece hermética” (p. 60)27.
(.)
Faço a seguir uma longa citação a partir da primeira página da Crítica, porque muitos dos temas que Mauthner desenvolve e que Beckett emprega são apresentados logo no início do estudo.
No Princípio era a Palavra. Com a palavra, os homens se encontram no início de seu conhecimento do mundo, e se permanecerem com a palavra, continuarão no mesmo lugar. Aquele que deseja seguir adiante, mesmo que seja um pequeno passo que sirva para avançar os esforços do pensamento de toda uma vida, deve tentar libertar o mundo da tirania da linguagem.
Nenhum discernimento e nenhum ateísmo crítico linguístico oferecem qualquer ajuda. Não há como manter-se no ar. Você tem que avançar passo a passo, e cada degrau é uma nova ilusão, porque ele não está suspenso livremente no ar. Se aquele que se esforça para avançar passasse ligeiramente por cada degrau – fosse ele sempre tão baixo –, se ele o tocasse apenas com as pontas dos dedos, então, no momento do contato, ele também não estaria suspenso livremente; ele também estaria acorrentado à linguagem desse momento específico, desse passo específico.
E essa seria a verdade mesmo se ele próprio tivesse construído a linguagem e o degrau para esse momento. O que não é o caso.
POST SCRIPTUM
Durante anos de trabalho, portanto, era a auto-decepção todas as vezes em que aquele que queria tomar sobre si a redenção da linguagem esperava cumprir sua tarefa em um livro regular, que seguisse passo a passo. Aquele que chama a si próprio “ateu” não é um homem livre, mas sim um oponente daquilo que nega. Aquele que se propõe a escrever um livro com fome de palavras, com amor pelas palavras, e com a vaidade das palavras, na linguagem de ontem, de hoje ou de amanhã, na linguagem congelada de um passo específico e firme, não é capaz de assumir a tarefa de se libertar da linguagem. Eu devo destruir a linguagem dentro de mim, à minha frente e atrás de mim, passo a passo, se quiser ascender na crítica da linguagem, que é a tarefa mais urgente para o homem pensante; devo destruir cada degrau da escada depois de passar por ele. Aquele que desejar seguir-me deve reconstruir os degraus e depois destruí-los novamente.
32 NA
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