quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Noturno oprimido

Carlos Drummond de Andrade

A água cai na caixa com uma força,
com uma dor! A casa não dorme, estupefata.
Os móveis continuam prisioneiros
de sua matéria pobre, mas a água parte-se,

a água protesta. Ela molha toda a noite
com sua queixa feroz, seu alarido.
E sobre nossos corpos se avoluma
o lago negro de não sei que infusão.

Mas não é o medo da morte do afogado,
o horror da água batendo nos espelhos,
indo até os cofres, os livros, as gargantas.
É o sentimento de uma coisa selvagem,

sinistra, irreparável, lamentosa.
Oh vamos nos precipitar no rio espesso
que derrubou a última parede
entre os sapatos, as cruzes e os peixes cegos do tempo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário