quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Estética do vazio.


 Um mundo sonoro inconfundível nos alcança plenamente através das janelas abertas para o verão em Matisse ou das águas efervescentes de Dufy. Todo o silêncio interno do escritor entra subitamente em jogo . E tenho lá minhas dúvidas sobre a extensão medonha de tudo isto : tais mergulhos no vazio , no entanto , são práticas comuns ao zen-budismo , às figurações neoplatônicas e plotinianas da eternidade e aos tropos cabalísticos da reclusão divina e da negatividade . Por mais discrepantes que sejam seus contextos, são todas doutrinas que constituem o pano de fundo da ''estética do vazio '' ( onde o ''mínimo' significa a plenitude de uma liberdade e de uma potencialidade incomensuráveis ) . Isso (aliás ) necessita de mais explicações , e é o assunto mais sério que posso pensar . No mais convincente das soluções arquitetônicas japonesas e em seus arquipélagos de pedra e areia ( a escala real pode ser perturbadoramente minúscula ) , o silêncio se reveste de luz e a luz de silêncio , como nas tentativas análogas da arte moderna de ''tocar o vazio '' . Os conceitos teosóficos e a mística da luz , em último caso neoplatônica ou dionisíaca ,  que preparam e acompanham todas essas tonalidades minimalistas acabariam se estendendo até a arte de um Ad Reinhardt , um Elsworth Kelly  e toda a escola americana dos ''iluminados do vazio '' associada ao noroeste do Pacífico . Mas é numa série de sete telas compostas entre 1931 e 1938-39 que vemos como a maestria de Mondrian para capturar a dinâmica do vazio era mais ascética e absoluta que a dos outros. É só pensar em sua Composição em vermelho de 1931 , seguida um ano mais tarde por Com amarelo e uma linha dupla (no qual os espaços entre as linhas ganham uma intensidade seminal ) . A série que inclui a Composição Azul e Branco de 1935 , a Branco e Vermelho de 1936 e a Composição com azul de 1937 parece constituir uma verdadeira tríade movendo-se em direção às duas dominantes. Há as obra-primas de 1938 : Losango com oito linhas, Vermelho e Composição em Vermelho. Quase anulada ou limitada a uma marginalidade formal , a presença ou o movimento das cores primárias só enfatiza ainda mais toda a brancura de suas áreas centrais . No melhor Mondrian , a impressão que se tem é que justamente o  que não está na tela é o que modela a liberdade controlada mas profundamente fecunda do espaço central . É precisamente a partir da fertilidade muda de todo aquele vazio que surgirão as versões algebricamente representacionais da Broadway e do Boogie-Woogie m suas últimas obras

Post Scriptum


urgência imediata ao vazio em movimento ou aos absolutos da luz ou da sombra -----
intencionalidade em liberdade
o que Aristóteles chamou de ''enteléquia ''
o puro desdobramento da forma potencial
contato com forças generativas
 pré-figuração das modalidades de ser e dizer
capaz igualmente de incorporar possibilidades e insinuações de uma substância nominal e de uma objetividade mimética para a qual os espaços brancos no centro de um Mondrian ou a ''poeira galática'' rumo à compactação num ''preto sobre preto'' de Reinhardt tem assegurado livre acesso.


Post Scriptum 


A investigação do significado dos elementos matemáticos em boa-parte da estética não-objetiva e minimalista é absolutamente fascinante. A hipótese de que a matemática pura , com o zero como fonte originária, realmente possui um lugar garantido no vórtice originário do pré-ser e que seus ''principia'' , além disso, já erma operantes antes do desenvolvimento do limitado intelecto do homem . Descartes , Leibniz e Platão tbm parecem ter intuído com perfeição todo esse paradoxo. A matemática pura pertence ao reino da criação.


K.M.

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