segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O desafio da integração vertical.


Como previra Adam Smith um século antes , a intensificação das pressões competitivas inerentes ao processo de liberalização do comércio resultou na limitação dos lucros a um nível apenas ''tolerável ''. O fato de o resultado ter sido previsto não foi grande consolo para os empresários que viviam do lucro e para o lucro . E, quanto mais feroz a competição , mais eles se esforçavam por colocá-la sob controle . Como escreveu Edward S. Meade , referindo-se especificamente aos industriais norte-americanos, os empresários ''estavam cansados de trabalhar para o público ''.  ''eles querem um lucro maior, sem uma luta tão desesperada para obtê-lo '' (citado em Sklar ). Um reforço óbvio nesse esforço foi a combinação horizontal ----- a fusão de empresas , através da associação , , incorporação ou assunção do controle , usando os mesmos insumos para fazer os mesmos produtos para os mesmos mercados . Através desses tipos de combinações, as empresas concorrentes podiam reduzir umas para as outras as incertezas do mercado ; podiam colocar sua produção, suas compras e vendas conjuntas em níveis que garantissem  lucros maiores ; e podiam unir seus recursos para penetrar em mercados não regulados , desenvolver novas tecnologias e organizar suas operações de maneira mais eficiente . As fusões horizontais , no entanto, não  eram fáceis de implementar  em mercados superlotados ---- ou seja, exatamente onde eram mais necessárias ----, especialmente sem apoio dos governos . Um meio mais direto ---- porém, quando viável , mais eficaz de pôr a concorrência sob controle ----- era a integração vertical, a fusão das operações de uma empreasa com as de fornecedores e clientes ,de modo a garantir suprimentos ''ascendentes'' para a produção primária e escoamento ''descendentes '' para consumo final . As empresas de unidades múltiplas que resultavam dessa fusão ficavam em condições de reduzir os custos de transação , os riscos e as incertezas envolvidos na movimentação de insumos-produção pelos sub-processos sequenciais de produção e troca que ligavam a obtenção de insumos primários ao escoamento do produto final . ''Tornando-se rotineiras as transações entre as unidades, reduziam-se os custos das transações. Mediante a ligação da administração das unidades produtoras com as unidades de compra e distribuição, reduziam-se os custos da informação sobre mercados e fontes de abastecimento. Muito mais importante que isso, o planejamento mais eficaz dos fluxos gerava um uso mais intensivo das instalações e do pessoal empregado no processo de produção e distribuição, aumentando a produtividade e reduzindo os custos . Além disso , a coordenação administrativa proporcionava um fluxo de caixa mais seguro e um pagamento mais rápido pelos serviços prestados '' (Chandler ). A medida que os fluxos de caixa grandes e regulares , assegurados por esse tipo de centralização, foram reaplicados na criação de hierarquias de executivos de níveis alto e médio, especializados na monitoração e regulação dos mercados  e dos processos de trabalho , as empresas verticalmente integradas obtiveram vantagens competitivas decisivas, se comparadas às empresas de uma só unidade ou às empresas de muitas unidades e menos especializadas . ''Uma vez criadas , essas hierarquias tornaram-se uma barreira  muito mais sólida do que a tecnologia contra novos ingressos nas indústrias bem reorganizadas pela integração vertical '' (Chandler ) .  As tendências para a fusão horizontal e a integração vertical , acionadas pela competição intensa , generalizada e persistente dos últimos 25  anos do século XIX, desenvolveram-se de modo muito desigual  entre as comunidades empresariais dos três principais países industrializados da época : Grã-Bretanha , Estados Unidos e Alemanha . A comunidade empresarial alemã foi a que se moveu com maior rapidez e sucesso nas duas direções, dando origem ao sistema coeso de empresas comerciais que , tempos depois , Rudolf Hilferding transformou no modelo do ''capitalismo organizado ''. A comunidade empresarial britânica , em contraste, moveu-se com extrema lentidão  e pouquíssimo sucesso em qualquer das duas direções , particularmente na era da integração vertical . ''Por último, a comunidade empresarial norte-americana ficou mais ou menos a meio caminho , obtendo menos êxito do que a alemã em suas primeiras tentativas de se mover em direção às fusões horizontais , mas acabando por despontar como a mais bem-sucedida de todas na prática da integração vertical '' (Chandler ) . O padrão germânico inseriu-se inteiramente nas atividades diplomáticas e bélicas do recém-criado Reich alemão . As complicações econômicas históricas do período obrigaram o Chanceler Bismarck a intervir para proteger a sociedade alemã, de modo a ipedir que os estragos da competição irrestrita de mercado destruíssem o edifício imperial que ele acabara de construir. Ao mesmo tempo , ''a crescente convergência dos interesses agrários e industriais , que pressionavam pela proteção do governo  contra a concorrência estrangeira , deu a Bismarck algumas oportunidades singulares de usar o poder político investido no Executivo do Reich ''para garantir um novo equilíbrio de poder entre o Reich e os Estados e completar a unificação nacional , cimentando-a com laços econômicos indissolúveis '' (Rosenberg ). Ao cimentar a unidade de economia alemã e dotar o Estado alemão de um poderoso aparato militar-industrial , o governo alemão buscou ativamente a ajuda de empresas que estavam na vanguarda da industrialização progressiva da guerra e, acima de tudo,  a de seis grandes bancos . ''Esses Grosbanken haviam surgido da estrutura pessoal e interfamiliar da atividade bancária alemã , que ainda prevalecia na década de 1850 , primordialmente através da promoção e financiamento de empresas ferroviárias e firmas da indústria pesada envolvidas na construção de ferrovias'' (Tilly) Sua dominação sobre as finanças alemãs aumentou ainda mais durante a depressão da década de 1870 . ''Quando uma grande proporção de seus recursos empresariais e monetários foi liberada pela nacionalização das ferrovias, na década de 1880 , eles agiram com rapidez no sentido de controlar , integrar e reorganizar a indústria alemã , em conluio com um pequeno número de firmas industriais poderosas '' (Henderson ) . A economia interna alemã, na famosa frase de Engels , começava a se parecer a uma ''grande fábrica '' . Em nítido contraste com a Alemanha, na Grã-Bretanha ''havia pouco movimento no sentido de diferenciar a administração e a propriedade, e no sentido de alongar as hierarquias organizacionais . ''. (idem ) . Todo o sistema britânico de empresas comerciais estava aprisionado em determinada via de desenvolvimento, a qual ''não conseguia abandonar, a não ser a um custo que ultrapassava em muito os benefícios calculáveis '' (Ingham ) . Tratava-se da via de um sistema econômico voltado para fora, que trazia suas matérias-primas do mundo inteiro e dependia crucialmente de pontos de venda externos para escoar lucrativamente sua produção industrial . A especialização adicional em uma rede global de comércio não foi a única nem a principal resposta dos empresários britânicos à intensificação das pressões competitivas decorrentes da expansão do comércio mundial  em meados do século XIX. O redirecionamento dos fluxos de caixa ---- da produção voltada para a agiotagem da especulação e do investimento interno para o externo --- foi muito mais importante para determinar o eventual desfecho da crise icipiente do sistema britânico de empresas comerciais . Mas gostaria de frisar que esse sistema não gerou , a partir de seu núcleo nacional , a tendência para a integração vertical dos subprocessos de produção e intercâmbio que viria a se tornar a característica  dominante da organização empresarial  no século XX . Assim como a passagem da forma associativa para a da empresa familiar, no fim do século XVIII e início do XIX , tinha estado estreitamente relacionada com um deslocamento espacial do epicentro dos processos sistêmicos de acumulação de capital , que saíra das Províncias Unidas para o Reino Unido , tbm a passagem da forma da empresa familiar para as corporações, no fim do século XIX e início do XX , esteve estreitamente ligada a uma deslocamento espacial análogo do Reino Unido para os Estados Unidos. Foi nos Estados Unidos que a tendência para a integração vertical se desenvolveu de maneira mais plena e com maior sucesso. A tentativa de controlar as pressões competitivas do fim do século XIX fez os Estados Unidos seguirem a mesma direção da Alemanha, ou seja, a caminharem para formar fusões horizontais , restringindo a concorrência e ampliando a dominação de um pequeno grupo de instituições financeiras privadas que haviam crescido através de investimentos em companhias ferroviárias e empresas industriais correlatas. ''Nos Estados Unidos,  porém , a maioria dessas associações nacionais havia deixado de atingir seus objetivos muito antes de elas serem declaradas ilegais, em 1890, pela Lei Anti-truste de Sherman . E a dominação das instituições financeiras nunca foi muito além da construção e operação de sistemas ferroviários '' (Chandler ).Nas décadas de 1880 e 1890, a mudança nas estruturas das empresas alemãs e norte-americanas começou a divergir radicalmente. Em ambos os países, a centralização do capital ganhou impulso . Na Alemanha, as oportunidades de buscar a integração vertical esgotaram-se com rapidez, e o principal impulso de centralização do capital deu-se nas fusões horizontais '' (Landes ) . Nos Estados Unidos, ao contrário ,o grande impulso da centralização do capital  passou a ser a integração vertical. como frisou ainda Alfred Chandler , as fusões  horizontais --- ineficientes , impopulares e , a partir de certos momentos, ilegais  ---- foram abandonadas . As firmas comerciais, de ramos que iam dos cigarros e da carne enlatada  até equipamento de escritório e máquinas agrícolas, procuraram integrar em seus campos  organizacionais os subprocessos sequenciais da produção e do intercâmbio .  Todas as fases, desde a obtenção de insumos primários até o escoamento dos produtos finais , foram interligadas em uma única empresa. A maior velocidade com que os insumos primários podiam ser transformados em produtos finais pelas empresas verticalmente integradas permitiu que essas empresas reduzissem os custos e aumentassem a produção por trabalhador e por máquina , em um ritmo mais rápido e em maior grau do que as empresas de uma só unidade ou as empresas de muitas unidades e menos especializadas. A medida que os grandes e regulares fluxos de caixa gerados por essas ''economias de velocidade '' foram reinvestidos na criação de hierarquias de executivos de níveis alto e médio , especializados na monitoração e na regulação de mercados e processos de trabalho , as vantagens competitivas das empresas verticalmente integradass aumentaram ainda mais. O resultado foi um crescimento e disseminação  rápidos da nova estrutura organizacional . ''Essas empresas integradas passaram a dominar muitas das indústrias norte-americanas mais vitais em menos de três décadas '' (Chandler )  . ''O crescimento não se restringiu ao mercado interno norte-americano . As empresas  dos Estados Unidos tornaram-se multinacionais quase imediatamente depois de concluir sua integração continental'' ( Hymer ) . Em 1902, os europeus já falavam em uma ''invasão americana '' e, em 1914 , os investimentos diretos norte-americanos no exterior corresponderam a 7 % do PIB dos Estados Unidos. A mesma porcentagem de 1966 , quando os europeus voltaram a se sentir ameaçados pelo ''desafio americano '' (Wilkins ).

K.M. 

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