http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572011000400001
Para os primeiros, o novo-desenvolvimentismo oferece uma alternativa às políticas neoliberais e ao "velho desenvolvimentismo" (ou "nacional-desenvolvimentismo"), definido como uma industrialização dirigida pelo modelo de substituição de importações, que tinha como base a proteção do mercado interno e grande intervenção estatal no setor de infraestrutura e na produção de insumos básicos. Em outro paper, Sicsú, Paula e Michel (2007) desenvolvem uma crítica mais detalhada ao "velho desenvolvimentismo". Eles afirmam que, no caso brasileiro, a substituição de importações falhou por não ter sido acompanhada de absorção tecnológica e por ter incutido no empresariado doméstico uma mentalidade protecionista, devido ao fato do protecionismo tarifário ter sido generalizado e temporalmente ilimitado (pp. 514-51). As questões da competitividade internacional e da equidade interna ganham força nessa análise da experiência histórica, que se considera parcialmente malsucedida devido à inexistência de uma associação entre o protecionismo e uma efetiva incorporação do progresso técnico. Em linha com Fajnzylber (1989) e Cepal (1990), aqueles autores apontam essa baixa incorporação do progresso técnico como característica comum aos processos de industrialização na América Latina, determinando uma reduzida elevação da produtividade e um crescimento sem equidade social. Essa falta de incorporação do progresso técnico é a principal causa do comportamento espasmódico do crescimento e da competitividade em toda a região. Uma abordagem mais detalhada da questão, acompanhada por reflexões aprofundadas acerca da "doença holandesa", é oferecida por Bresser-Pereira (para uma revisão de suas contribuições nessa área, ver Bresser-Pereira, 2011).
Para aqueles autores, o novo-desenvolvimentismo tem duas fontes teóricas distintas. A primeira vem de Keynes e de economistas contemporâneos como P. Davidson e J. Stiglitz, e ela inspira o conceito de complementaridade entre Estado e mercado. A segunda fonte é o neoestruturalismo cepalino, interpretado por Fernando Fajnzylber, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano. Daqui vem a ênfase na competitividade internacional através da incorporação de progresso técnico, e a necessidade da equidade social para o desenvolvimento bem-sucedido (Sicsú, Paula e Michel, 2005, p. xxxiv)6. Segundo esses autores, o novo-desenvolvimentismo pode ser sintetizado em quatro teses: "(1) não há mercado forte sem Estado forte; (2) não haverá crescimento sustentado [...] sem o fortalecimento ... do Estado e do mercado e sem implementação de políticas macroeconômicas adequadas; (3) mercado e Estados fortes somente serão construídos por um projeto nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento ... com equidade social; e (4) não é possível [reduzir] a desigualdade sem crescimento econômico a taxas elevadas e continuadas" (Sicsú, Paula e Michel, 2005, p. xxxv).
Segundo esses autores, o "Estado forte" é aquele capaz de regular os mercados, e eles rejeitam o axioma neoliberal de que a racionalidade individual nos mercados produz sempre o melhor resultado para a sociedade. Reciprocamente, um "mercado forte" é aquele capaz de abrigar empresas grandes e pequenas, que mantenha aberto o acesso à concorrência, e que assegure a equidade de oportunidades aos produtores e consumidores, condição essa que não pode ser garantida endogenamente pelo próprio mercado, mas apenas pela regulação estatal.
As políticas econômicas decorrentes da perspectiva novo-desenvolvimentista não se satisfariam, portanto, apenas com a "estabilidade monetária", objetivo maior das políticas neoliberais. Ao invés disso, seu objetivo é a "estabilidade macroeconômica". Este é um conceito mais abrangente de redução de incertezas relativas à demanda futura, criando um ambiente estável para a tomada de decisões de investimento privado. Isso inclui tanto a regulação estatal das taxas de juros, do câmbio e dos salários, quanto a redução da vulnerabilidade externa para defender a economia de choques externos e da volatilidade dos fluxos de capitais estrangeiros mediante uma taxa cambial administrada e a imposição de controles de capitais, caso necessário ("blindagem da conta de capital") (sobre câmbio e fluxos de capitais, ver Sicsú, 2006). Esses objetivos só podem ser alcançados por políticas com objetivos múltiplos e pela complementaridade entre as políticas monetária, fiscal, cambial e salarial para influenciar os "grandes preços" da economia: as taxas de juros, de câmbio, de salário e de inflação (Bresser-Pereira, 2003, p. 281). As novas políticas macroeconômicas restabeleceriam a condição soberana da ação do Estado de controlar sua moeda e sua política fiscal, permitindo a adoção de uma política industrial de defesa da competitividade e da equidade (2005, pp. xl-xlviii).
Uma novidade significativa dessa formulação de política econômica por autores keynesianos brasileiros é o destaque atribuído à dimensão política do processo de desenvolvimento, incluindo como condição necessária a existência de um projeto nacional, "que expresse o sentimento de nação". Essa dimensão política se baseia na experiência histórica dos países hoje desenvolvidos e de seus sucessores leste-asiáticos, tendo como diretiva que a ligação entre os mercados nacionais e os internacionais deve trazer ganhos substanciais em termos de divisas, conhecimentos, empregos e bem-estar para o país. Para os autores, a globalização "é um projeto de desintegração nacional e enfraquecimento intelectual, econômico e cultural de todos os segmentos de uma sociedade". Sem superar esse déficit do Estado-nação, mediante a adoção de um projeto nacional, mesmo as políticas econômicas alternativas fracassarão (2005, pp. xlviii-l).7
Bresser-Pereira (2006) oferece outra síntese do novo-desenvolvimentismo, que é apresentado como um "terceiro discurso"8: uma estratégia nacional de desenvolvimento alternativa ao "populismo" latino-americano e à ortodoxia convencional, representada pelas análises, diagnósticos, reformas e políticas do Consenso de Washington. Essa nova estratégia seria também "uma retomada da ideia de nação no Brasil e nos demais países da América Latina". Isso reafirma a importância da dimensão política do Estado-nação para o novo-desenvolvimentismo, ao mesmo tempo em que se delineia a América Latina como área geopolítica de sua aplicação, seguindo a referência tradicional do pensamento estruturalista-cepalino9.
ResponderExcluirAo diferenciar entre o "velho" e o novo desenvolvimentismo, Bresser-Pereira repete o argumento da competitividade visto acima, mas desloca seu enfoque para a necessidade de adoção do modelo exportador seguido pelos países do Leste Asiático. Desse modo, o novo-desenvolvimentismo rejeita o protecionismo perene e o crescimento via demanda oriunda de um déficit público crônico. Para o autor, tais características do "velho" desenvolvimentismo não teriam sido defendidas por seus formuladores, Presbisch, Furtado e Inácio Rangel, mas por seus epígonos. Já a "ortodoxia convencional" é definida como uma representação da "hegemonia ideológica dos Estados Unidos sobre o resto do mundo [...] na verdade, o braço e a fala do neo-imperialismo" (2006, p. 17).
O autor resume assim as diferenças entre a "ortodoxia convencional" e o novo-desenvolvimentismo quanto ao "tripé do desenvolvimento" (2006: 19):
A dependência da poupança externa (déficit em transações correntes) deve ser evitada, e os ingressos de divisas decorrentes de investimento estrangeiro direto devem se destinar a atender à demanda cambial do investimento nacional no exterior ou para o aumento de reservas (ver também Bresser-Pereira, 2007, 2011). Para alcançar seus três objetivos, o novo-desenvolvimentismo deve (a) controlar as despesas e os déficits do governo, logrando uma poupança pública para financiar o investimento estatal; (b) dotar o Banco Central de um duplo mandato, adicionando ao controle da inflação o equilíbrio do balanço de pagamentos, e empregando, para tanto, dois instrumentos, a taxa de juros e a taxa cambial; e (c) administrar a taxa de câmbio de modo a dar competitividade às exportações e controlar as importações; os controles de capitais serão impostos quando necessário.
O grande ausente na literatura novo-desenvolvimentista é a ênfase na ampliação do mercado interno, um dos mais destacados pilares do estruturalismo cepalino. Essa ausência é contraposta pelo realce dado ao comércio externo e à competitividade internacional. Essa abordagem aproxima o novo-desenvolvimentismo do pensamento neoestruturalista presente na literatura da Cepal nos anos 1990, sendo justificada pela emergência de uma nova revolução tecnológica e da globalização (cf. Rodriguez, 2006, p. 377 passim).