sábado, 5 de janeiro de 2019

Aparentemente, ''acham que conseguem'' - ''enfrentar o NADA''


http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572011000400001

Por exemplo, Paula (2003b, pp. 8-9) e Paulani (2003, p. 25), partindo de pontos de vista teóricos distintos, fizeram uma crítica severa às políticas neoliberais, e atacaram a afirmação das autoridades econômicas do governo Lula de que só haveria uma "macroeconomia legítima e racional" (aquela praticada no governo FHC) por tentarem fugir ao debate sobre a teoria e a ideologia implícitas nessas políticas. Paulani (2003, p. 23) apontava também que uma política monetária que tem como único objetivo a meta de inflação e como único instrumento a regulagem da taxa básica de juros resultaria em sobrevalorização da moeda pela entrada de capitais de curto prazo, comprometendo os resultados da conta-corrente do balanço de pagamentos. Para Paulani (2003, p. 29), o erro dessa política de combate à inflação estava na presunção de que a alta dos preços se devia a uma inflação de demanda, enquanto sua aplicação deprimia o investimento e o crédito de forma permanente. Na mesma linha, Sicsú (2003) argumentou que, embora a taxa de juros seja eficaz em conter a inflação, o seu uso isolado pode ser contraproducente, porque pressões inflacionárias podem ser devidas também a deficiências de oferta ou choques externos, e, no Brasil, ao alto custo fiscal determinado pelo uso permanente de taxas de juro elevadas por razões de política econômica. Concordando com essas críticas, Cardim de Carvalho (2003, p. 77) aponta o risco de se manter a economia em recessão permanente, chamando a atenção de que, devido ao custo fiscal da política monetária, a política fiscal perdia seu papel anticíclico.


Portanto, independente da orientação teórica desses economistas heterodoxos, havia um razoável consenso sobre as insuficiências das políticas neoliberais, bem como sobre as suas consequências macroeconômicas adversas, o que era evidenciado pelas baixas taxas de crescimento do PIB nos dois mandatos de FHC, e pela contínua vulnerabilidade das contas externas. Por fim, os economistas heterodoxos insistiam que as políticas neoliberais eram incompatíveis com políticas industriais e de transferência de renda promovendo a retomada do crescimento econômico e a redução da desigualdade de renda e riqueza.

Apesar dessa convergência, não havia unanimidade nessa literatura quanto às causas da continuidade das políticas macroeconômicas. A divisão principal se dava entre aqueles que consideravam essa continuidade como produto da fraqueza ideológica do governo Lula, que tinha escolhido trocar de valores ao chegar ao poder (Cardim de Carvalho, 2003; Paulani, 2003), e aqueles que defendiam ser tal continuidade fruto de uma situação contingente de correlação de forças políticas, que impunha o abandono das propostas petistas de administração do Estado professadas antes das eleições (Barbosa e Souza, 2010; Morais e Saad-Filho, 2005; Novelli, 2010; Sallum Jr. e Kugelmas, 2004).


A divergência entre essas posições tinha por clivagem a caracterização do período de crise cambial, desvalorização do real e virtual suspensão do refinanciamento da dívida mobiliária federal nos seis meses que antecederam às eleições de outubro de 2002: especificamente, se essa contingência teria força suficiente para tornar a adoção das políticas neoliberais uma imposição decorrente de um realismo político indeclinável ou, pelo contrário, se se tratava de um ato de vontade deliberadamente velado pela suposta ameaça de crise. Paulani (2003) alega que a crise não chegou a ameaçar a economia de um colapso; isso só ocorreria caso fosse iminente um default na dívida externa e um descontrole inflacionário. Entretanto, segundo ela, as reservas internacionais mantiveram-se estáveis até o final de 2002, em torno de US$ 36 bilhões, apesar da fuga de capitais, não indicando, assim, a iminência de um colapso cambial. Nem tampouco ocorreu o propalado choque inflacionário em decorrência da desvalorização do real. Apesar da taxa de câmbio ter ido de R$ 2 por dólar, em junho, para R$ 4, em setembro, quando ocorreu o aceite da carta de intenções com o FMI, a pressão inflacionária se dissipou já no início de 2003.
Em contraste, Morais e Saad-Filho (2005) argumentaram que a crise de 2002 assumiu tal gravidade que - no âmbito da institucionalidade vigente - ela tendia a levar o país a um colapso cambial e monetário. O refinanciamento da dívida pública foi virtualmente paralisado a partir de maio, e a sua consequente monetização pressionou o mercado de dólares, levando a uma rápida desvalorização do real. Só em setembro - depois de firmado o acordo do FMI - o valor da moeda nacional começou a se recuperar. Essa crise, devida à desconfiança dos capitais financeiros no candidato à frente nas pesquisas eleitorais, poderia levar ao colapso cambial e da dívida pública, evento inaceitável para qualquer força política sem objetivo revolucionário e que disputasse o pleito com reais chances de vitória, como era o caso do PT e de seus principais aliados. A natureza inevitavelmente ensaística desse debate, carregado de subjetividade e dependendo estreitamente de argumentos contrafactuais dificulta, uma convergência sobre o tema; assim, seu mérito e suas conclusões permanecem em aberto.


Para os primeiros, o novo-desenvolvimentismo oferece uma alternativa às políticas neoliberais e ao "velho desenvolvimentismo" (ou "nacional-desenvolvimentismo"), definido como uma industrialização dirigida pelo modelo de substituição de importações, que tinha como base a proteção do mercado interno e grande intervenção estatal no setor de infraestrutura e na produção de insumos básicos. Em outro paper, Sicsú, Paula e Michel (2007) desenvolvem uma crítica mais detalhada ao "velho desenvolvimentismo". Eles afirmam que, no caso brasileiro, a substituição de importações falhou por não ter sido acompanhada de absorção tecnológica e por ter incutido no empresariado doméstico uma mentalidade protecionista, devido ao fato do protecionismo tarifário ter sido generalizado e temporalmente ilimitado (pp. 514-51). As questões da competitividade internacional e da equidade interna ganham força nessa análise da experiência histórica, que se considera parcialmente malsucedida devido à inexistência de uma associação entre o protecionismo e uma efetiva incorporação do progresso técnico. Em linha com Fajnzylber (1989) e Cepal (1990), aqueles autores apontam essa baixa incorporação do progresso técnico como característica comum aos processos de industrialização na América Latina, determinando uma reduzida elevação da produtividade e um crescimento sem equidade social. Essa falta de incorporação do progresso técnico é a principal causa do comportamento espasmódico do crescimento e da competitividade em toda a região. Uma abordagem mais detalhada da questão, acompanhada por reflexões aprofundadas acerca da "doença holandesa", é oferecida por Bresser-Pereira (para uma revisão de suas contribuições nessa área, ver Bresser-Pereira, 2011).
Para aqueles autores, o novo-desenvolvimentismo tem duas fontes teóricas distintas. A primeira vem de Keynes e de economistas contemporâneos como P. Davidson e J. Stiglitz, e ela inspira o conceito de complementaridade entre Estado e mercado. A segunda fonte é o neoestruturalismo cepalino, interpretado por Fernando Fajnzylber, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano. Daqui vem a ênfase na competitividade internacional através da incorporação de progresso técnico, e a necessidade da equidade social para o desenvolvimento bem-sucedido (Sicsú, Paula e Michel, 2005, p. xxxiv)6. Segundo esses autores, o novo-desenvolvimentismo pode ser sintetizado em quatro teses: "(1) não há mercado forte sem Estado forte; (2) não haverá crescimento sustentado [...] sem o fortalecimento ... do Estado e do mercado e sem implementação de políticas macroeconômicas adequadas; (3) mercado e Estados fortes somente serão construídos por um projeto nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento ... com equidade social; e (4) não é possível [reduzir] a desigualdade sem crescimento econômico a taxas elevadas e continuadas" (Sicsú, Paula e Michel, 2005, p. xxxv).
Segundo esses autores, o "Estado forte" é aquele capaz de regular os mercados, e eles rejeitam o axioma neoliberal de que a racionalidade individual nos mercados produz sempre o melhor resultado para a sociedade. Reciprocamente, um "mercado forte" é aquele capaz de abrigar empresas grandes e pequenas, que mantenha aberto o acesso à concorrência, e que assegure a equidade de oportunidades aos produtores e consumidores, condição essa que não pode ser garantida endogenamente pelo próprio mercado, mas apenas pela regulação estatal.
As políticas econômicas decorrentes da perspectiva novo-desenvolvimentista não se satisfariam, portanto, apenas com a "estabilidade monetária", objetivo maior das políticas neoliberais. Ao invés disso, seu objetivo é a "estabilidade macroeconômica". Este é um conceito mais abrangente de redução de incertezas relativas à demanda futura, criando um ambiente estável para a tomada de decisões de investimento privado. Isso inclui tanto a regulação estatal das taxas de juros, do câmbio e dos salários, quanto a redução da vulnerabilidade externa para defender a economia de choques externos e da volatilidade dos fluxos de capitais estrangeiros mediante uma taxa cambial administrada e a imposição de controles de capitais, caso necessário ("blindagem da conta de capital") (sobre câmbio e fluxos de capitais, ver Sicsú, 2006). Esses objetivos só podem ser alcançados por políticas com objetivos múltiplos e pela complementaridade entre as políticas monetária, fiscal, cambial e salarial para influenciar os "grandes preços" da economia: as taxas de juros, de câmbio, de salário e de inflação (Bresser-Pereira, 2003, p. 281). As novas políticas macroeconômicas restabeleceriam a condição soberana da ação do Estado de controlar sua moeda e sua política fiscal, permitindo a adoção de uma política industrial de defesa da competitividade e da equidade (2005, pp. xl-xlviii).
Uma novidade significativa dessa formulação de política econômica por autores keynesianos brasileiros é o destaque atribuído à dimensão política do processo de desenvolvimento, incluindo como condição necessária a existência de um projeto nacional, "que expresse o sentimento de nação". Essa dimensão política se baseia na experiência histórica dos países hoje desenvolvidos e de seus sucessores leste-asiáticos, tendo como diretiva que a ligação entre os mercados nacionais e os internacionais deve trazer ganhos substanciais em termos de divisas, conhecimentos, empregos e bem-estar para o país. Para os autores, a globalização "é um projeto de desintegração nacional e enfraquecimento intelectual, econômico e cultural de todos os segmentos de uma sociedade". Sem superar esse déficit do Estado-nação, mediante a adoção de um projeto nacional, mesmo as políticas econômicas alternativas fracassarão (2005, pp. xlviii-l).7

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