sábado, 5 de janeiro de 2019

O ser está axiomaticamanente ligado ao não-ser ...

O ser está axiomaticamanente ligado ao não-ser . Ser é ''não não -ser ''. Toda fenomenalidade é alternativa não só com relação a outras possibilidades de transubstanciação como também, mais radicalmente, em relação à própria insubstancialidade ----- isto é, à inexistência. Esse universal prevalece num nível mais óbvio (no qual essa mesma obviedade indica abrangência de sua verdade ). Toas as dicotomias que determinam a condição humana , como a vida e a morte ou a luz e as trevas, podem ser compreendidas como representações específicas, embora difusas, da dualidade absolutamente estabelecida da presença e da ausência. EStar presente é não estar ausente.Sob formas que serão fundamentais para meu argumento , a aparente lacuna da ausência implica a plenitude da presença . Essa união é enunciada por toda proposição linguística e por todo ato mental e articulado de predicação. Uma afirmação, uma definição , ou uma nomeação são negações positivas que se exprimem na forma ''isto não é aquilo ''. O estatuto do ''aquilo que não é ''implica antes de tudo  incomensurabilidade não-predicada e não-nomeada das alternativas. . Quando digo ''isto é isto e não aquilo '', estou igualmente postulando  que o ''não aquilo ''tbm poderia, de uma forma virtualmente infinta, ser outro. Toda proposição é obrigada, assim ,a descartar verdadeiros mundos (como se pode constatar com a geometria euclidiana antes do advento  da geometria e do espaços não-euclidianos ). à medida que respeitam uma ORGANIZAÇÃO AXIOMÁTICA , todos os sistemas matemáticos, lógicos e científicos exibem ao mesmo tempo a invejável capacidade e a inevitável fraqueza de reduzirem tudo aquilo ''que não é '' ou tudo aquilo que é irreconciliável com seus axiomas a um erro.  O ''pensamento natural '', se tal expressão tem sentido , não relega necessariamente o negado ( o ''não´-aquilo '') à categoria do erro. Definições, nomeações, percepções e balizamentos são perpetuamente re-visitados. Sua natureza é essencialmente metamórfica. O ''isto é '' de hoje vai se tornar o ''isto não é '' ou o ''isto tbm e aquilo '' de amanhã. O ser, percebido e expresso, sempre mantém o não-ser e suas diversas alternativas de certa forma reservadas para novos mapeamentos. A negação é o vasto depósito da possibilidade temporariamente não-percebida, não-necessária ou não-declarada . É o privilégio vital da consciência e do discurso não-formal, não -matemático ou meta-matemático manter o ''não -aquilo '' negado a seu alcance, visando preservar a alteridade para usos e referências futuras. Como Hegel insiste, o próprio pensamento humano opera por meio da negação da negação quando tenta conquistar uma apreensão criativa do ser.
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A visão tipicamente moderno do mundo é a de uma totalidade em essência ordenada; a presença de um padrão desigual de distribuição de probabilidades possibilita um tipo de explicação dos fatos que --- se correta --- é ao mesmo tempo uma ferramenta de predição e (se os recursos exigidos estiverem disponíveis ) de controle. Esse controle (domínio da natureza , planejamento ou desenho de sociedades ) é quase de imediato associado à ação de ordenamento , compreendida como a manipulação de probabilidades (tornando alguns eventos mais prováveis, outros menos ). Sua efetividade depende da adequação do conhecimento da ordem ''natural ''. Tal conhecimento adequado é, em princípio, alcançável.
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Efetividade do controle e correção do conhecimento estão relacionados tbm. O segundo explica o primeiro, o primeiro corrobora o segundo . Seja na experiência de laboratório, seja na prática política ou social. Entre si, eles produzem critérios para se classificarem as práticas existentes como superiores ou inferiores. E essa classificação é mais uma vez objetiva, publicamente testável e demonstrável a cada vez que se apliquem os critérios mencionados. Práticas que não podem ser justificadas do ponto de vista objetivo são inferiores, à medida que limitam a efetividade do controle. Síndrome controle -conhecimento.
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Saindo da modernidade, vamos encontrar na visão pós-moderna do mundo a de um número ilimitado de modelos de ordem , cada qual gerado por um conjunto relativamente autônomo de práticas. A ordem não precede a prática, por isso não pode servir como medida externa de sua validade. Cada qual dos muitos modelos de ordem só faz sentido em termos das práticas que os validam . Em cada caso, a validação introduz critérios que são desenvolvidos no interior de um a tradição particular ; eles são sustentados pelos hábitos e crenças de uma ''comunidade de significados ''e não admitem outros testes de legitimidade.
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A estratégia moderna de qualquer trabalho intelectual é aquela caracterizada pela metáfora do papel do ''LEGISLADOR '' , que busca fazer afirmações autorizadas e autoritárias que arbitrem controvérsias de opiniões e escolham aquelas que, uma vez selecionadas , se tornem corretas e associativas. Autoridade legitimada por conhecimento objetivo superior ---- acesso que se dá graças à regras de procedimento bem definidas, garantindo que se alcance a verdade ou se chegue a um juízo moral válido e se selecione um gosto artístico adequado. O emprego dessas regras de proceder torna as atividades intelectuais proprietárias coletivas de um saber de relevância direta e crucial para a manutenção e aperfeiçoamento da ordem social. Direito e dever de validar crenças que posam ser sustentadas em vários segmentos da sociedade...
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Já a estratégia pós-moderna de atuação intelectual é aquela caracterizada pela metáfora do papel do ''INTÉRPRETE'', que traduz afirmações feitas no interior de uma tradição baseada em termos comunais, sejam políticos, econômicos ou culturais ,a fim de que sejam compreendidos no interior de um sistema de conhecimento fundamentado em outra tradição (ou em nenhuma ). Em vez de orientar-se para selecionar a melhor ordem social, essa estratégia de atuação intelectual visa facilitar a comunicação entre participantes autônomos e soberanos. Preocupa-se em impedir distorções de significado no processo de comunicação; promove a necessidade de penetrar em profundidade o sistema estrangeiro de conhecimento do qual a tradução deve ser feita (como a ''descrição densa'' de Geertz ) e a necessidade de manter o delicado equilíbrio entre as várias tradições que interagem, indispensável tanto para a mensagem não ser distorcida quanto para ela ser compreendida.
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Mas a estratégia pós-moderna de atividade intelectual não implica a eliminação da moderna; pelo contrário , ela não pode ser concebida sem a continuação desta última. É O QUE TORNA A VOCAÇÃO DAS AFIRMAÇÕES VINCULANTE.

K.M

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