sábado, 22 de julho de 2017

Quatro Sonetos de Augusto dos Anjos.


Agonia de um filósofo 

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto 
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo... 
O Inconsciente me assombra e eu nêle tolo 
Com a eólica fúria do harmatã inquieto! 

Assisto agora à morte de um inseto!... 
Ah! todos os fenômenos do solo 
Parecem realizar de pólo a pólo 
O ideal de Anaximandro de Mileto! 

No hierático areópago heterogêneo 
Das idéas, percorro como um gênio 
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!... 

Rasgo dos mundos o velário espesso; 
E em tudo, igual a Goethe, reconheço 
O império da substância universal!

****
O morcego 

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

****
A Idéia

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.

****

Soneto

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,

Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante
A minha morfogênese ancestral?!

Porção de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?...

Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!

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