quinta-feira, 20 de julho de 2017

O teatro da operação e a cena energética




SALA ABERTA
Artigo 4
Arthur Belloni

De acordo com Patrice Pavis, a encenação, enquanto escritura cênica fechada, resultante de um sistema semiológico de signos controlados por meio de um único olhar (do autor com seu estilo e método de atuação), atingiu o seu apogeu nos anos de 1960, e passou, a partir desse período, por uma fase de crise contínua. Na visão de Pavis (2010), os projetos de substituição do autor dramático por um autor cênico, nos termos do que preconizavam, por exemplo, Craig, Copeau e Strehler, acabaram por fracassar frente à realidade pós-moderna do mundo, cujos reflexos puderam ser percebidos diretamente na cena teatral. Isso porque, com a reviravolta ocorrida a partir dos anos de 1970, instalou-se um “cenário” pouco ou nada propício ao desenvolvimento do que seria o metatexto da encenação, inscrito ou ocultado numa determinada peça.
Além disso, em parte considerável das abordagens cênicas efetivadas a partir desse período, o trabalho do encenador passou a encerrar sempre um certo grau de indecidibilidade, tornando-se indeterminável, diferenciado. “O encenador, assim como antes dele o autor e depois dele o espectador, está submetido a uma 'destinerrância' - seu destino é errar de um lugar do texto para outro” (PAVIS, 2010, p. 57). A mixagem dos elementos cênicos começa, então, a não estabelecer qualquer tipo de discurso homogêneo, uma vez que a cena, deixando de ser orientada por um sujeito centralizador, passa a ser tomada por uma série de motivações espaciais que já não apontam para um ponto de convergência unificador.
Neste contexto, ainda de acordo com Pavis, sai de cena o mestre inconteste para dar lugar ao sujeito pós-moderno que, deliberadamente, perde e dispersa os seus poderes, ainda que continue a receber-lhes os dividendos. Incorporando as contradições não sintetizantes, os “personagens” não figuráveis e as mudanças sucessivas de chaves de jogo, “o encenador não é mais o dono da atuação, ou pelo menos não o único dono: é apenas um sócio do autor e do ator, um 'homem sem importância'” (Ibidem, p. 131). De modo que, para Pavis, a desconstrução contemporânea da encenação não implicou a sua superação como modelo de escritura cênica, nem tampouco eliminou a figura do encenador, o qual teria passado simplesmente a adquirir novas tarefas em decorrência do processo de emancipação da representação. Por essa perspectiva, tanto a noção de encenação, quanto a de encenador continuam a ser indispensáveis para a organização teatral contemporânea.
Diante de um tal posicionamento, caberia talvez questionar de início, com o próprio Pavis: “Podemos, temos que continuar a falar da encenação em geral como se os seus princípios não tivessem sido sistematizados no decorrer do século XIX?”(Ibidem, p. 376)[1] - para acrescentar logo em seguida: "Será que não teríamos mesmo condições de renunciar à noção e ao método da encenação, mesmo nos casos em que a escritura cênica já não mobiliza qualquer tipo de pragmática de destinação comunicacional? Quando a matéria espacial já não se dirige mais ao espírito, nem se deixa apreender por qualquer forma de “espírito da representação” (Ibidem, p. 371)? Quando a materialidade cênica já não veicula qualquer modalidade discursiva oculta, nem mesmo na forma de uma “rica textura de mensagens”[2]? Quando em vez de configurar um sistema implícito de organização de sentido “controlado por um encenador ou por um coletivo” (Ibidem, p. 3), o espaço figural passa a materializar uma espécie de “instalação visível à distância” (Ibidem, p. 212)? Para todos esses casos, seria mesmo a noção de encenação “insubstituível” (Ibidem, p. 376)?

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