quinta-feira, 6 de julho de 2017

A SOLIDÃO DOS MORIBUNDOS.



ELIAS, Norbert. A Solidão dos Moribundos. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 107 p.

Norbert Elias realiza o que propõe ao final de seu livro: falar abertamente sobre a morte. Para ele, “a morte não é terrível, passa-se ao sono e o mundo desaparece, mas o que pode ser terrível na atualidade é a dor dos moribundos, bem como a perda de uma pessoa querida sofrida pelos vivos” (p. 76). O autor demonstra mais uma vez – como já havia feito com a corte, a etiqueta, com os comportamentos e as mentalidades – que a sociedade é constituída por um conjunto de relações e que a experiência da morte difere de sociedade para sociedade. Escrito em 1982, A solidão dos moribundos é construído através de uma perspectiva histórica e social comparativa. Elias aponta que todos os grupos sociais e sociedades construíram idéias específicas e rituais correspondentes sobre a morte, que se tornam um dos aspectos do processo de socialização: idéias e ritos comuns unem pessoas e grupos. A morte, seus significados e o tratamento dado aos moribundos constituem parte de uma problemática relacionada à estrutura dos grupos e do tipo específico de coerção a que os indivíduos estão expostos. Só o homem, dentre os seres vivos, sabe que vai morrer. Exatamente por essa consciência, durante milênios a proteção do aniquilamento foi a função central de grupos humanos. Há várias formas de os indivíduos lidarem com a idéia da finitude da vida: pode-se evitar a idéia da morte através da mitologização do final da vida, do encobrimento da idéia indesejada, pela crença na própria imortalidade ou encará-la como um fato da existência e ajustar a vida diante dessa realidade. Para Elias, atualmente há uma tendência à crença na imortalidade e ao afastamento da idéia da morte. Comparada a outros momentos históricos, a expectativa de vida tornou-se mais elevada, através dos avanços da medicina, da prevenção e do tratamento das doenças. A vida tornou-se mais previsível, exigindo maior grau de antecipação e de autocontrole. Diversamente dos séculos anteriores, quando o espetáculo da morte era corriqueiro e familiar, a morte passou a ser ocultada por trás dos bastidores da vida social. Os sentimentos e sua expressão se transformaram, a morte deixou de ser tema freqüente em conversas, como já o foi em outros tempos. Contrapondo-se a Philippe Ariès – que, segundo Elias, “entende a história puramente como descrição”, o que “não explica nada” – critica abertamente o espírito romântico manifestado em seu livro História da morte do Ocidente, no qual “olha com desconfiança para o presente inglório em nome de um passado melhor” (p. 19). A seleção de fatos de Ariès se baseia em opinião preconcebida, desconstruída por Elias. Quando comparada aos Estados-nação industrializados, a vida nos Estados medievais era apaixonada, violenta, incerta e breve. Morrer podia significar tormento e dor, pois antigamente havia menor possibilidade de alívio. Atualmente a medicina avançou – e segue avançando – no sentido de assegurar uma morte menos dolorosa e com maior alívio do sofrimento.

Elias concorda com Ariès no que se refere à difusão e expressão social do tema da morte, como, por exemplo, na literatura e na pintura. O fato de textos de outros tempos tratarem mais abertamente da morte, da sepultura, do aspecto e da decomposição dos cadáveres não significa um interesse mórbido pelo tema, mas uma sensibilidade distinta da atual. O autor considera que o historiador teria se limitado a uma historiografia descritiva, sem preocupação com a construção de um modelo teórico consistente. Em comparação com o século XX, a morte era menos oculta, mais presente e familiar – o que não indica que fosse mais pacífica. O medo da morte foi intensificado especialmente no século XIV, com o crescimento das cidades e das epidemias: a violência era comum, a fome também. As pessoas temiam a morte e os religiosos reforçavam o medo: o sentimento de culpa e o temor da punição após a morte eram doutrina oficial. O envolvimento de uns na morte dos outros é que era diverso: muitas vezes o que reconfortava os moribundos era a presença de outras pessoas ao seu redor, mas isto dependia das atitudes. Tanto um moribundo podia ser assistido amorosamente por seus familiares, como os herdeiros podiam escarnecer abertamente do doente. Sem dúvida, a expressão em torno da morte era mais clara e freqüente, o que não demonstra de modo algum o bom passado nem o mau presente.  

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