ELIAS, Norbert. A
Solidão dos Moribundos. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 107 p.
Norbert Elias realiza o
que propõe ao final de seu livro: falar abertamente sobre a morte.
Para ele, “a morte não é terrível, passa-se ao sono e o mundo
desaparece, mas o que pode ser terrível na atualidade é a dor dos
moribundos, bem como a perda de uma pessoa querida sofrida pelos
vivos” (p. 76). O autor demonstra mais uma vez – como já havia
feito com a corte, a etiqueta, com os comportamentos e as
mentalidades – que a sociedade é constituída por um conjunto de
relações e que a experiência da morte difere de sociedade para
sociedade. Escrito em 1982, A solidão dos moribundos é construído
através de uma perspectiva histórica e social comparativa. Elias
aponta que todos os grupos sociais e sociedades construíram idéias
específicas e rituais correspondentes sobre a morte, que se tornam
um dos aspectos do processo de socialização: idéias e ritos comuns
unem pessoas e grupos. A morte, seus significados e o tratamento dado
aos moribundos constituem parte de uma problemática relacionada à
estrutura dos grupos e do tipo específico de coerção a que os
indivíduos estão expostos. Só o homem, dentre os seres vivos, sabe
que vai morrer. Exatamente por essa consciência, durante milênios a
proteção do aniquilamento foi a função central de grupos humanos.
Há várias formas de os indivíduos lidarem com a idéia da finitude
da vida: pode-se evitar a idéia da morte através da mitologização
do final da vida, do encobrimento da idéia indesejada, pela crença
na própria imortalidade ou encará-la como um fato da existência e
ajustar a vida diante dessa realidade. Para Elias, atualmente há uma
tendência à crença na imortalidade e ao afastamento da idéia da
morte. Comparada a outros momentos históricos, a expectativa de vida
tornou-se mais elevada, através dos avanços da medicina, da
prevenção e do tratamento das doenças. A vida tornou-se mais
previsível, exigindo maior grau de antecipação e de autocontrole.
Diversamente dos séculos anteriores, quando o espetáculo da morte
era corriqueiro e familiar, a morte passou a ser ocultada por trás
dos bastidores da vida social. Os sentimentos e sua expressão se
transformaram, a morte deixou de ser tema freqüente em conversas,
como já o foi em outros tempos. Contrapondo-se a Philippe Ariès –
que, segundo Elias, “entende a história puramente como descrição”,
o que “não explica nada” – critica abertamente o espírito
romântico manifestado em seu livro História da morte do Ocidente,
no qual “olha com desconfiança para o presente inglório em nome
de um passado melhor” (p. 19). A seleção de fatos de Ariès se
baseia em opinião preconcebida, desconstruída por Elias. Quando
comparada aos Estados-nação industrializados, a vida nos Estados
medievais era apaixonada, violenta, incerta e breve. Morrer podia
significar tormento e dor, pois antigamente havia menor possibilidade
de alívio. Atualmente a medicina avançou – e segue avançando –
no sentido de assegurar uma morte menos dolorosa e com maior alívio
do sofrimento.
Elias concorda com
Ariès no que se refere à difusão e expressão social do tema da
morte, como, por exemplo, na literatura e na pintura. O fato de
textos de outros tempos tratarem mais abertamente da morte, da
sepultura, do aspecto e da decomposição dos cadáveres não
significa um interesse mórbido pelo tema, mas uma sensibilidade
distinta da atual. O autor considera que o historiador teria se
limitado a uma historiografia descritiva, sem preocupação com a
construção de um modelo teórico consistente. Em comparação com o
século XX, a morte era menos oculta, mais presente e familiar – o
que não indica que fosse mais pacífica. O medo da morte foi
intensificado especialmente no século XIV, com o crescimento das
cidades e das epidemias: a violência era comum, a fome também. As
pessoas temiam a morte e os religiosos reforçavam o medo: o
sentimento de culpa e o temor da punição após a morte eram
doutrina oficial. O envolvimento de uns na morte dos outros é que
era diverso: muitas vezes o que reconfortava os moribundos era a
presença de outras pessoas ao seu redor, mas isto dependia das
atitudes. Tanto um moribundo podia ser assistido amorosamente por
seus familiares, como os herdeiros podiam escarnecer abertamente do
doente. Sem dúvida, a expressão em torno da morte era mais clara e
freqüente, o que não demonstra de modo algum o bom passado nem o
mau presente.
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