Por Sidnei Vares
INTRODUÇÃO
 Tacoltt Parsons tem sido apontado como o representante mais destacado do estrutural-funcionalismo em decorrência da reformulação do conceito de sistema social empreendido pelo autor, que se tornou centro das interpretações funcionalistas. Antes de analisarmos as contribuições de Parsons, cumpre observar que o funcionalismo sociológico não se reduz às suas interpretações.
Como alerta Sander[[1]], o funcional-estruturalismo é apenas uma das interfaces do funcionalismo sociológico. A relevância dessa tendência deve-se, sobretudo, ao alcance dos trabalhos de Parsons que, de certo modo, tiveram grande repercussão nos meios acadêmicos.
Nosso objetivo, portanto, é discutir a influência das ideias parsonianas sobre a teoria social. Para cumprirmos esse intento, analisaremos, mesmo que panoramicamente, as principais ideias desenvolvidas por Parsons.
 PARSONS E A SOCIOLOGIA AMERICANA
 Por mais irônico que pareça, como representante da sociologia norte-americana, Parsons destacou-se pela aproximação com a sociologia europeia. Se, por um lado, essa aproximação lhe rendeu fortes oposições, por outro, lhe oportunizou certa independência conceitual, resultando num construto teórico bastante original.[[2]]
Essa “originalidade” decorre do afastamento parcial de Parsons do empirismo que caracterizou a sociologia norte-americana. As idéias desenvolvidas por Parsons inclinam-se muito mais para o abstracionismo sociológico de tradição européia do que para o empirismo adotado pelos sociólogos norte-americanos. Tal fato o colocou em confrontou direto com a escola sociológica americana.
Conquanto a sociedade norte-americana tenha sido  objeto de suas análises, Parsons foi alvo de inúmeras críticas nos Estados Unidos. Sua obra pode ser dividida em três momentos, a saber: a) no primeiro momento, o autor desenvolve sua teoria da ação social; b) numa segunda etapa dedica-se a sistematizar essa teoria da ação social objetivando universalizá-la, tornando-a uma teoria geral da ação; c) no terceiro e último momento, Parsons busca aplicar essa teoria geral da ação a outros campos de conhecimento das ciências sociais, introduzindo elementos evolucionistas que o aproximam de Comte e Spencer.[[3]]
Se a sociedade foi entendida por Durkheim como um organismo, a partir de Parsons passa a ser entendida como sistema. Essa mudança, embora não tenha sido iniciada por Parsons, foi por ele aperfeiçoada, representando uma tendência que perduraria nas análises sociológicas pelo menos até os anos de 1960.
Como bem observou Giddens, “Os escritos de Talcott Parsons desempenharam um importante papel ao ligar as obras de Durkheim ao funcionalismo moderno”[[4]]. Adentrando o século XX, a sociologia funcionalista tem em Parsons seu representante mais eminente. A teoria social parsoniana, do qual nos ocuparemos, parte da idéia basilar de Durkheim, a saber, a de que a educação e a socialização se equivalem. Nesse sentido, a educação para Parsons contribui para formação de sistemas sociais, assim como para sua integração e manutenção. [[5]]
Como propõe Sander[[6]], a teoria social parsoniana pode ser alocada no que se convencionou chamar de funcionalismo estruturalista. Adotando um víeis organicista, Parsons entende o sistema social como instrumento analítico capaz de descrever a ação social.
Assim, a sociedade para Parsons é um sistema estruturado baseado em quatro subsistemas: o cultural, o social, o econômico e o político. Enquanto sistema, a sociedade tem imperativos funcionais sem os quais a sobrevivência social estaria ameaçada, são esses: a adaptação, consecução de objetivos, a integração e a manutenção estrutural.
Com efeito, a sociedade enquanto sistema adapta-se ao meio ambiente no qual está inserido. Os objetivos definem a relação entre sistema e meio ambiente. A integração regula as relações entre as unidades que compõem o sistema. E por fim, a manutenção estrutural responde pela sobrevivência e manutenção da vida social, por meio de um complexo sistema de normas e valores. Haveria, segundo o modelo parsoniano, uma simétrica correspondência entre o imperativo funcional e os subsistemas que compõem a sociedade.
Como bem ilustra Sander, “a economia é a unidade funcionalmente diferenciada que satisfaz as necessidades de adaptação da sociedade. A política é a unidade que tem por função a consecução dos objetivos da sociedade. O imperativo funcional da comunidade social é a integração dos elementos componentes da sociedade. Finalmente, a cultura satisfaz as necessidades de manutenção estrutural da sociedade” [[7]].
Essas normas e valores seriam internalizados por meio da socialização e, nesse ponto, a educação desponta como fator determinante não só para a internalização de valores como também para a conservação da vida coletiva. Embora possamos avistar similaridades entre Parsons e Durkheim, cabe ressaltar que os laços que os unem não podem ser estendidos além de uma percepção integradora da educação.
Como sugere Freitag, “Parsons, ao contrário de Durkheim, não destaca tanto o aspecto coercitivo do sistema face ao indivíduo, mas ressalta a complementaridade dos mecanismos em atuação a fim de satisfazer os requisitos do sistema social e do sistema de personalidade. Assim como o sistema tem necessidade de socializar seus membros integrantes, também o indivíduo tem necessidades que somente o sistema pode satisfazer”[[8]]. Concluindo o pensamento da autora, o processo educativo para Parsons, portanto, resulta de uma troca de equivalentes entre indivíduo e a sociedade. Essa troca decorre de um complexo sistema de gratificações e privações, impostas pelo sistema, no qual o indivíduo está sujeito.

PARSONS E A TEORIA DA PERSONALIDADE 
 No que concerne ao conceito de identidade, a corrente estrutural-funcionalista, contribuiu para uma abordagem sociológica deste, lançando luzes importantes com vistas a desvelar os processos de construção identitária.
No ensaio intitulado O papel da identidade na teoria da ação, um dos primeiros trabalhos a abordar o conceito de identidade individual na perspectiva da teoria da ação, Parsons (1968) propõe um conceito de identidade pouco flexível, reduzindo a construção identitária à experiência cultural.
Assentado principalmente na antropologia e na teoria moral durkheimiana, assim como nas teorias de freudianas e weberianas, Parsons critica a tendência reducionista do marxismo clássico por entender a identidade como produto da economia.
Para Parsons, a economia não seria o único e determinante fator da construção identitária. No referido ensaio, o autor afirma que o movimento sociológico moderno supera Marx e o seu calvinismo[[9]]. “A dialética marxiana sintetiza de certo modo à nova visão determinística da economia”. [[10]]
O desenvolvimento da sociologia e a introdução da psicologia da personalidade permitem a Parsons vislumbrar novas possibilidades de construção de um conceito de identidade que não se reduz integralmente às estruturas econômicas, superando o dogmatismo economicista marxiano.
Se a produção da subjetividade se dá no âmbito da economia para Marx, para Parsons existem outros subsistemas relevantes. Através de um conjunto de sistemas e subsistemas, Parsons elabora uma teoria social no qual o indivíduo incorpora gradualmente um conjunto de regras, normas de conduta, procedimentos, etc., permitindo introduzi-lo na vida social.
O mérito de Parsons é desenvolver de maneira bem articulada uma teoria que demonstra o peso do campo social e cultural na formação da identidade, sem resvalar numa visão economicista. Para o autor, o indivíduo é reflexo da vida social. O processo (e talvez o conceito de processo não seja o que melhor se aplique às teorias de Parsons) de configuração da identidade só é possível pela influência exercida pela sociedade.
Desse modo, o estruturalismo funcionalista de Parsons rompe com o modelo de sujeito cartesiano e com o individualismo do sujeito iluminista, modelos tipicamente modernos, e procura sintetizá-los através de sua teoria da ação social.
 CONSIDERAÇÕES FINAIS
 Como pudemos verificar, a teoria social de Parsons é estrutural e minuciosamente articulada. A sociedade é vista como uma espécie de organismo, unívoco e funcional. O indivíduo cumpre etapas evolutivas se adaptando gradativamente à vida social. Neste aspecto, as teorias freudianas oportunizaram a Parsons abertura para explicar, através da subvenção de sistemas e subsistemas, a integração e adaptação gradual do indivíduo à vida societária.  A identidade aparece como fruto da articulação de sistemas estruturados. O subsistema cultural, por exemplo, é onde se absorvem valores, informações e regras que permitem ao indivíduo inserir-se e manter-se em sociedade, atuando dentro de um padrão considerado salutar.
A teoria da personalidade parsoniana sofreria inúmeras críticas a partir dos anos 60, quando a fenomenologia social ganha a cena na teoria social, permitindo novas abordagens sobre a construção identitária. A maior parte dos defensores da fenomenologia social critica a rigidez do estrutural-funcionalismo quanto às influências sociais na construção da identidade.[[11]]

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 BERGER, Peter; BERGER, Brigitte; KELLNER, Hansfried. La pluralizzazione dei mondi della vita. In: SCIOLLA, Loredana. Identitá: percosi analisi in sociologia. Torino: Rosenberg e Sllier. p. 169 – 184.
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. Mobilitá sociele e identitá personale. In: SCIOLLA, Loredana. Identitá: percosi analisi in sociologia. Torino: Rosenberg e Sllier. p. 185 – 201.
FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 6. ed. Rio de Janeiro: Morais, 1980.
GIDDENS, Antony. Política, sociologia e teoria social: encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo. Traduzido por Cibele Saliba Rizek. São Paulo: Unesp, 1998.
ROCHER, Guy.  Talcott Parsons e a sociologia americana. São Paulo: Francisco Alves, 1976.
SANDER, Beno. Consenso e Conflito: Perspectivas analíticas na pedagogia e na administração da educação. São Paulo: Pioneira, 1984.
PARSONS. Talcott. La estructura de la acción social. Madri: Guadarrama, 1968.
__________.II ruolo dell´ identitá nella teoria generalle dell´azione. In: SCIOLLA, Loredana. Identitá: percosi analisi in sociologia. Torino: Rosenberg e Sllier, 1983. p. 63 – 88.


[[1]] SANDER, Beno. Consenso e Conflito: Perspectivas analíticas na pedagogia e na administração da educação. São Paulo: Pioneira, 1984, p. 4.

[[2]] ROCHER, Guy.  Talcott Parsons e a sociologia americana. São Paulo: Francisco Alves, 1976, p. 13.
[[3]] Ibid, p. 14.
[[4]] GIDDENS, Antony. Política, sociologia e teoria social: encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo. Traduzido por Cibele Saliba Rizek. São Paulo: Unesp, 1998, p. 231.
[[5]] FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 6. ed. Rio de Janeiro: Morais, 1980, p. 23.
[[6] ] SANDER, Beno. Consenso e Conflito: Perspectivas analíticas na pedagogia e na administração da educação. São Paulo: Pioneira, 1984,  p.24.
[[7]] Ibid, p. 25.
[[8]]  FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 6. ed. Rio de Janeiro: Morais, 1980, p. 17.
[[9]] Parsons, no texto citado, utiliza o termo calvinismo  para exprimir o dogmatismo das idéias marxianas quanto ao papel da economia na construção da identidade.
[[10]]PARSONS. Talcott. La estructura de la acción social. Madri: Guadarrama, 1968, p. 65.
[[11]] Sobre a fenomenologia social consultar o texto Mobilidade social e identidade individual de Thomas LUCKMANN e Peter BERGER (1983) e o ensaio A pluralização do mundo da vida de Peter BERGER, Brigitte BERGER e Hansfried KELNER (1983).