quinta-feira, 1 de agosto de 2019

INTERPELAÇÃO PELA ''VERDADE DO SER''


parou de olhar para o ser em termos da compreensão do homem do sentido do ser e entregou-se às tentativas de pensar o homem a partir da relação do ser ao homem, mais precisamente, da possível interpelação do homem pela "verdade do ser", sendo a verdade concebida a partir de palavra grega "a-letheia", des-ocultamento. 


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Na nossa época, o homem não precisa mais de algo que venha ao seu encontro, ele produz o que precisa. Nesse sentido, ele vive na ausência de precisão. Nessa não precisão esconde-se, contudo, o abandono das coisas pelo ser, o obscurecimento do mundo, a perda do si-mesmo.


estabeleceu-se, em Platão, a metafísica como disciplina que pensa o ente desocultado como o visível por e0oxcelência, como "idea", o luminoso em si. Na história da metafísica, reconstituída por Heidegger nas suas preleções e retomada em Contribuições, o ser foi progressivamente se retirando do visível na "idea", o que fez com que o ente perdesse o caráter de ponto iluminado do espaço-tempo do desocultamento e se tornasse mera representação objetificante, a qual, por sua vez, termina por se tornar um objeto calculável, um cálculo – na linguagem dos dias de hoje, a realidade virtual.



O retorno ao primeiro início quebraria o esquecimento do ser, propiciaria o recuo que permitiria, decerto, apenas para alguns raros, ficar de prontidão para o outro início, no qual o ocultado não será mais esquecido e a lareira do desocultamento como tal preservada numa clareira. Desta, o homem, desfeito da sua animalidade e racionalidade, será cuidador, guardião e vigilante desse acontecer. A exposição do homem à verdade do ser precisa ser pensada como uma requisição proveniente do próprio ser: um "acontecimento apropriador". Esse termo – que não está no "título público", isto é, exotérico, do texto de Heidegger, Contribuições à filosofia, mas no "cabeçalho essencial" posto entre parênteses (Do acontecimento apropriador), na sua denominação esotérica – não promete que será dito algo sobre algo, mas assinala que "a partir do acontecimento apropriador acontece a apropriação de uma pertença pensante e falante ao ser e à palavra 'do' ser".


abandona a linguagem objetificante da metafísica e da ciência. O "salto" – esse termo é precisamente o título do capítulo 4 – passa por cima do abismo que separa o desocultado do oculto, mas nunca chega à outra margem dessa tremenda "fenda". Precisa ser sustentado no seu voo pelo dizer poético e pelas obras de arte, que "fundam", põem em obra, a verdade do ser e que são previamente fundadas no aí do ser.


O pensamento do ser apropriado pelo ser pode esperar o surgimento de um homem novo, o mortal que pertença à clareira de maneira criativa, poética (capítulo 6, "Os que estão por vir", isto é, Os Futuros). Em virtude da sua relação com a palavra não objetificante, o homem novo poderá esperar ser visitado, no futuro, por um deus, o último entre todos os que passaram pela clareira, o mais longínquo de todos os anteriores, porque fora de todo cálculo e de todo relacionamento com o homem decaído na condição de animal racional (capítulo 7, "O último deus").



A saga heideggeriana da verdade do ser e do salvamento dos perigos da técnica pela apropriação do homem pelo ser impõe exigências que muitos, acredito eu, não estariam prontos a atender: deixar de lado a linguagem teórica, a lógica e a matemática, o conhecimento científico da natureza, o estudo científico da natureza humana com suas dimensões de animalidade, de integração e de socialidade (a cargo da biologia, antropologia, psicologia, incluindo a psicanálise, e sociologia, respectivamente), a filosofia (a semântica, a epistemologia, a filosofia da linguagem), aspectos abstratos da cultura (a moral da lei, os direitos, a experiência cultural), a não ser aquela relacionada aos monumentos ao desocultamento, nomeadamente a poesia de Hölderlin. Pede-se, para falar a linguagem do primeiro Heidegger, virar as costas ao ser-no-mundo do ser humano em meio aos entes com os outros. Muito mais radical que o cinismo de Diógenes de Sínope, a contracultura heideggeriana só encontra paralelos na cultura mundial em posições declaradamente místicas, com a dos gnósticos e dos taoistas (Tchuang Tzu).



abandona a linguagem objetificante da metafísica e da ciência. O "salto" – esse termo é precisamente o título do capítulo 4 – passa por cima do abismo que separa o desocultado do oculto, mas nunca chega à outra margem dessa tremenda "fenda". Precisa ser sustentado no seu voo pelo dizer poético e pelas obras de arte, que "fundam", põem em obra, a verdade do ser e que são previamente fundadas no aí do ser.



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