domingo, 22 de outubro de 2017

«A Vocação do Poeta», Hölderlin.


Miguel Monteiro
Dichterberuf. Friedrich Hölderlin.
Tradução in fieri do alemão de Miguel Monteiro.

  

As margens do Ganges ouviram o o Deus da Alegria
     Triunfante quando, vindo do Indo, o jovem
          Conquistador Baccho começou com o santo
               Vinho a acordar os Povos do seu sono.

E tu, Anjo do Dia!, não acordas aqueles
     Que ainda dormem? Dá-lhes a Lei, dá-
          -Nos Vida. Vence, Mestre, só tu
               Tens o Direito de Conquistar como Baccho.

A Humanidade nada tem que cuidar ou que tratar
     Nem em casa nem sob o céu aberto,
          Desde que o Homem se nutra e alimente
               Com mais nobreza do que a besta. Porque há outra coisa

Que ao cuidado e serviço dos que poetas foi confiada.
     É nossa tarefa perante o mais Alto
          Que cada vez mais perto e sempre de novo
               Os corações amigos O possam ouvir.

E ainda assim, vós Celestes, todos vós,
     Vós as fontes, as costas, os montes e bosques,
          Foi tão maravilhoso quando Tu
               Me agarraste os cabelos, e inesquecivelmente

O génio criador de que eu já tinha desistido
      Veio até nós em toda a sua divindade. Os nossos sentidos
          Ficaram mudos e foi como se
               Um relâmpago nos despedaçasse os ossos,

Vós sois Façanhas na terra inteira à solta —
     Dias de Destino — Cortes. Quando o Deus
          De pensamento sereno parte para onde a cólera ébria
               Dos corcéis gigantescos o levam,

Temos que ficar calados? E quando a Melodia
     Calma do ano eterno soa dentro de nós,
          Será que deve ser como se uma criança
               Tivesse na brincadeira ousado tocar

A pura e santificada lira do Mestre?
         Foi para isto, poeta, que ouviste
               Os profetas do Oriente, o Canto Grego,
                    E agora o Trovão? Foi para poderes

Maltratar o Espírito, para te lançares sobre a Presença
     Do Bem e troçares dela, para desprezares
          O ingénuo e sem misericórdia lhe dares umas moedas
               Para ele se comportar como um animal numa jaula?

Até que com o teu espicaçar cruel ele
     Se lembre da sua origem e chame o próprio
          Mestre, que vem e te deixa desfalecido
               Com os seus ferventes dardos de morte.

Há tanto tempo que o Divino só serve para servir,
     Que todas as Forças do Céu se esbanjam, que se abusa
          Da Bondade por desporto e sem gratidão, uma
               Geração calculista que presume,

Quando o Sublime lhe cultiva os campos,
     Que conhece a luz do Dia e o Trovejante quando espreita
          Pelo telescópio e numera e
               Dá nomes às Estrelas do Céu.

Mas o Pai pega na Noite sagrada
     E cobre-nos os olhos para podermos ficar.
         Ele não ama o Desmesurado. A Força
               É extensa mas não empurra o Céu.

Também não é bom ser demasiado sábio. A Gratidão
     Conhece-o. Mas guardá-lo sozinho não é fácil,
          E por isso um poeta gosta de se juntar a outros
               Que ajudem a entender.

Mas, como tem de ser, o Homem permanece destemido
     E solitário diante Deus, a sua candura protege-o,
          Não precisa de armas nem de
               Estratagemas, até que por fim ausência de Deus o ajuda.

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